Edição 291
Colaboração é fundamental para fortalecer segmento portuário, defendem especialistas
8 de novembro de 2024
Da Redação
Abertura do seminário que contou com a participação do advogado geral da União, ministro Jorge Messias, da diretora da Antaq, Flávia Takafashi, e do coordenador do seminário, ministro Moura Ribeiro
Seminário debateu regulação da atividade portuária e destacou a importância da união de esforços para desenvolvimento econômico da área
O seminário Regulação da Atividade Portuária, promovido pela Revista Justiça & Cidadania, apresentou discussões profundas sobre os desafios enfrentados pelo segmento portuário brasileiro, com ênfase na regulação, segurança jurídica e no papel do Poder Judiciário e das agências reguladoras. Coordenado pelo ministro Moura Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o evento reuniu em São Paulo especialistas de diferentes esferas, incluindo representantes da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e do Tribunal de Contas da União (TCU), além de magistrados, advogados e membros do setor empresarial, que debateram a importância da colaboração entre as partes envolvidas para fortalecer a área.
“O Superior Tribunal de Justiça vem há muito tempo tratando de temas relativos ao meio ambiente e termos ligados à atividade portuária e o debate é importante em diferentes aspectos, porque os efeitos dos nossos julgamentos se espalham por todo o Brasil”, frisou Moura Ribeiro.
Para o editor-executivo da Revista, Tiago Santos Salles, o evento reforçou a importância de análises detalhadas para garantir ambiente de negócios mais justo e eficiente no ramo portuário, equilibrando interesses privados e públicos com vistas ao desenvolvimento econômico do país. “A atividade portuária é extremamente importante para a economia brasileira, mas há desafios significativos que precisam ser enfrentados e é por isso que o diálogo com os grandes nomes do Poder Judiciário e de especialistas na área é fundamental”, descreveu. “Essa discussão é de extrema importância para debatermos os caminhos possíveis para a atração de investimentos e para a redução da litigiosidade administrativa e judiciária”.
A diretora da Antaq Flávia Takafashi destacou a importância da união entre a regulação, o Judiciário e a parte técnica. Segundo ela, a iniciativa permite que juristas tenham visão mais prática das operações nos terminais portuários e das dificuldades enfrentadas no dia a dia dos portos. “Quando você vê ali de perto como são as operações, como são as dinâmicas que acontecem dentro do porto, a gente consegue perceber as sutilezas e a importância de cada decisão jurídica e regulatória”, afirmou Takafashi.
Ela também enfatizou a necessidade de alinhar a regulação do ramo aquaviário com as práticas internacionais, uma vez que o segmento portuário brasileiro é altamente conectado à cadeia global. A diretora também reforçou o compromisso da agência de aplicar normas que garantam a segurança jurídica e um arcabouço regulatório que acompanhe a grandiosidade do segmento. “A agência trabalha para entender não só os aspectos jurídicos, mas também os impactos econômicos das decisões regulatórias, sempre em busca de soluções práticas que mantenham o ramo competitivo internacionalmente,” disse.
Presente na abertura do evento, o advogado-geral da União, ministro Jorge Messias, apresentou o panorama histórico da regulação portuária no Brasil. Ele destacou que, desde o Império, o segmento portuário tem passado por ciclos de maior ou menor intervenção estatal, moldados pelos contextos econômicos e políticos do país. “A relação do segmento portuário é riquíssima na perspectiva de geração de riqueza para o país. O Porto de Santos, por exemplo, pode ser considerado veia de geração de riqueza nacional”, afirmou Messias, destacando a importância do segmento para a economia brasileira.
Messias também apontou que a legislação mais recente, como a modernização dos portos em 1993 e a reforma de 2013, busca conciliar a intervenção estatal com a necessidade de atrair investimentos privados. No entanto, ele ressalta que a complexidade do ramo portuário, altamente globalizado, exige regulação que acompanhe tais dinâmicas internacionais. “Como conciliar um ramo tão conectado ao cenário global com a necessidade de regulação eficiente e moderna? Esse é o grande desafio”, questionou. Para o advogado-geral da União, o Estado precisa ter a capacidade de criar condições jurídicas, econômicas, regulatórias para mobilizar os investimentos econômicos privados para um segmento dessa dimensão. “Ninguém investe recursos expressivos a longo prazo sem ter previsibilidade, sem ter segurança jurídica, sem ter estabilidade institucional”.
Flexibilização e consensualidade – O ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU), também apontou o desenvolvimento do segmento portuário como crucial para o crescimento econômico do Brasil. Para ele, é preciso contar com mudanças legislativas e regulatórias que incentivem maior dinamismo e competitividade, especialmente para os portos públicos. “O modelo atual dos portos públicos é lento e burocrático, o que gera desvantagens competitivas em relação aos portos privados”, destacou o ministro. Ele também defendeu a necessidade urgente de incentivar o regime de transição que flexibilize o modelo portuário, permitindo maior competitividade e eficiência.
Zymler ainda apontou a importância de buscar soluções consensuais para os litígios no ramo portuário. Segundo ele, o TCU tem atuado como mediador técnico em diversos casos, buscando resolução negociada que envolva os principais players da atividade portuária. “A consensualidade deve ser o caminho para resolver disputas complexas no segmento, evitando a judicialização excessiva e promovendo maior eficiência”, afirmou o ministro.
Atração de investimentos – O presidente da Multiterminais Alfandegados do Brasil, Thomas Klien, demonstrou o entendimento prático de questões lidas à infraestrutura portuária e à relação com as autoridades e reguladores, especialmente no contexto de
investimentos privados. Klien falou da perspectiva empresarial, contrastando com as abordagens predominantemente jurídicas e regulatórias apresentadas no evento. Segundo ele, o consenso e uma regulamentação clara são fundamentais para manter a confiança e a atratividade do segmento junto aos investidores e alertou que mudanças bruscas nas regras podem minar a confiança dos investidores e comprometer o fluxo de capital para projetos de infraestrutura portuária.
“Defendo uma regulamentação equilibrada que contemple os interesses de todos os envolvidos na cadeia portuária, desde armadores até operadores e reguladores, contratos bem definidos e responsabilidades transparentes são essenciais para garantir a estabilidade e o crescimento sustentável do segmento, promovendo ambiente favorável à atração de novos investimentos e o fortalecimento da infraestrutura portuária no longo prazo.”
Falta de consenso e segurança jurídica – O ministro Paulo Sérgio Domingues do Superior Tribunal de Justiça destacou a complexidade das disputas judiciais e a falta de consenso entre agentes públicos e privados. Segundo ele, a proliferação de processos judiciais relacionados ao segmento demonstra busca legítima por interesses individuais, mas também evidencia a necessidade de maior clareza regulatória e segurança jurídica. Domingues ressaltou que o Judiciário acaba se tornando a última instância para resolver conflitos, muitas vezes por falta de entendimento entre legisladores e agências reguladoras. “Precisava ser assim? Se em 15 anos o legislador e as agências não conseguiram chegar a um consenso, a última palavra tem que ser mesmo do Judiciário?”, questionou.
O magistrado observou que se depara com os mesmos agentes recorrendo ao Judiciário para resolver questões que não foram solucionadas pelas esferas regulatórias. “As decisões judiciais nem sempre agradam a todos os envolvidos, e a insatisfação com respostas desfavoráveis é natural. Para ele, a busca por segurança jurídica é essencial para o desenvolvimento do ramo portuário e deve ser priorizada, evitando que a resolução dos conflitos fique exclusivamente nas mãos do Judiciário. “Para garantir ambiente mais estável e eficiente, é fundamental que agentes econômicos e públicos cheguem a acordos sólidos, minimizando a judicialização e assegurando maior previsibilidade para o segmento.”
O diretor da Antaq Caio Farias explicou que a agência reguladora atua para garantir segurança jurídica a partir de atos regulatórios legislativos e administrativos. A missão da Antaq, segundo Farias, é reduzir as falhas do mercado e as assimetrias informacionais.
“Nossa atuação também acontece na regulação primária, na regulação econômica. Temos aqui também uma regulação política, como implementador de política pública. Sob todos esses prismas, é que nós buscamos regular a prestação do serviço adequado à atualidade, à segurança, à modicidade dos fretes e das tarifas, à regularidade, entre outros requisitos. Nesse sentido, a regulação da agência tem perpassado por diversos aspectos e, notadamente, no segmento de contêineres, da representatividade, do valor agregado, e da importância para a economia do Brasil”, afirmou.
Mediação e liberdade econômica – Na sequência, o ministro Afrânio Vilela do STJ mediou o painel sobre a abordagem concorrencial e judicial dos serviços de movimentação de contêineres. Ele defendeu a busca pela conciliação como a solução dos desafios do segmento, tendo em vista que o “tema da regulação dos serviços de movimentação de contêineres é muito relevante para o país”.
O coordenador do Núcleo de Justiça 4.0 de Direito Marítimo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), juiz Frederico Messias, discorreu sobre as complexas relações entre agentes públicos e privados, a necessidade de segurança jurídica e a importância da mediação em contratos de longa duração. Ele ressaltou a importância da liberdade econômica nas relações empresariais, pontuando que as decisões e riscos devem ser assumidos por quem participa do processo. “Estamos falando de mercado de gente grande, onde os riscos empresariais precisam ser compreendidos e assumidos por cada parte envolvida.”
Durante o discurso, Messias trouxe como exemplo a polêmica questão da cobrança da guarda provisória de cargas. Ele explicou que essa prática, regulada pela Antaq, gerou divergências entre a agência e decisões judiciais, uma vez que a responsabilidade pelo depósito das cargas impõe obrigações logísticas aos terminais. “Se algo acontecer à carga, é o terminal que arca com a responsabilidade. Portanto, acredito que a cobrança pela guarda provisória é legítima, já que o depósito necessário não pode ser considerado gratuito”, defendeu.
O magistrado elogiou a atuação da Antaq na promoção de conciliação de interesses e na mediação de conflitos. E sugeriu a implementação de comitês especializados para resolução de disputas como solução eficaz para manter a integridade dos contratos ao longo de décadas. “Contratos de infraestrutura podem durar 25 ou 35 anos, e a aceitação das decisões por mediação chega a 85%. Isso demonstra que a mediação é uma estratégia essencial para garantir a segurança jurídica e econômica necessária ao segmento”, afirmou.
Palestrante no mesmo painel, o economista e assessor especial da Presidência do Supremo Tribunal Federal, Guilherme Resende, falou da importância de análise criteriosa da concorrência nos portos brasileiros. O especialista explicou que a primeira etapa desse processo é definir o “mercado relevante”, um passo essencial para entender a competitividade na área e identificar eventuais práticas abusivas.
“O porto não é o fim da cadeia logística, mas uma etapa intermediária para levar mercadorias ao interior do país. Por isso, a análise de concorrência deve considerar como diferentes portos podem atender uma mesma localidade, como Goiás, por exemplo, a partir de Santos, Paranaguá ou o Porto do Sul”, explicou. Essa avaliação é crucial para construir panorama de participação de mercado (market share) e determinar se há posição dominante por parte de algum terminal.
Resende enfatizou ainda a importância de permitir que empresários tenham liberdade para definir se serviços devem ser cobrados de forma integrada ou separada, mencionando exemplos de outros segmentos, como a cobrança de despacho de bagagens na aviação. “É uma decisão estratégica do negócio. Assim como em um restaurante, onde a sobremesa pode ser oferecida ‘gratuitamente’, mas já está incluída no preço final, os serviços adicionais no segmento portuário devem ter flexibilidade de cobrança”, argumentou.
Para o economista, a análise concorrencial deve buscar não apenas beneficiar empresas específicas, mas também promover eficiência e qualidade para a sociedade. “O objetivo final é garantir que a concorrência funcione bem para todos os usuários dos serviços logísticos, resultando em um mercado mais saudável e eficiente”, concluiu.
A consultora jurídica do Ministério de Portos e Aeroportos, Camilla Soares, destacou a importância do evento e a necessidade de maior compreensão do impacto das decisões jurídicas no ramo portuário. Ela enfatizou que os advogados da União precisam visitar os portos para entender a dimensão real de suas decisões. Sobre a regulação de serviços de movimentação de contêineres, Soares mencionou a judicialização do tema e defendeu a colaboração entre Antaq e Cade para evitar conflitos e incertezas que prejudicam a área ressaltando a importância de diálogo entre agências reguladoras e o Cade para construir soluções que promovam o desenvolvimento econômico e a segurança jurídica.
Concorrência e desenvolvimento econômico – O conselheiro Victor Fernandes, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), destacou a importância da concorrência para o desenvolvimento econômico nacional e ressaltou a necessidade de alinhamento entre órgãos reguladores e instituições públicas. Fernandes frisou que o Cade não promove concorrência entre agentes públicos, mas entre agentes econômicos, e que a cooperação institucional é essencial para assegurar atuação harmoniosa.
“O Cade atua como um ‘clínico geral’ da concorrência, analisando segmentos diversos, desde telecomunicações até petróleo e gás. No entanto, nos que estão regulados, como portos, energia e telecomunicações, as agências desempenham o papel de especialistas, cuidando das especificidades desses mercados”, explicou Fernandes. Ele destacou que, nesses casos, a atuação do Cade e das agências é complementar e buscar evitar conflitos entre regulação e promoção da concorrência.
Para ele, o objetivo do Cade é proteger o processo competitivo em segmentos estratégicos, como o portuário, para gerar bem-estar social. “Estamos lidando com um elo fundamental da cadeia logística. A eficiência e a concorrência nesse ramo impactam diretamente a economia e a sociedade como um todo, e é nosso dever garantir que essa concorrência funcione da forma mais justa e equilibrada possível”, concluiu.
Debatedor do painel, o ministro Sérgio Kukina do STJ, enfatizou que o diálogo é essencial para resolver as complexidades que surgem em segmentos regulados, como o portuário. Ele lembrou que o STJ tem trabalhado para incentivar o uso de centros de conciliação em diversas áreas, destacando o sucesso de iniciativas de consenso implementadas pelo Judiciário desde a Resolução nº 185 do Conselho Nacional de Justiça.
O ministro demonstrou preocupação com a falta de entendimento e decisões conflitantes entre diferentes órgãos. “Temos o Cade, a Antaq e o TCU com posições divergentes sobre o mesmo tema. Isso confunde não só o mercado, mas afeta a confiança do investidor, que precisa de previsibilidade. Kukina também questionou a competência do TCU para suspender atos normativos da Antaq. “Tenho dificuldade em ver fundamento constitucional para algumas intervenções. Quando muitos agentes tentam controlar o mesmo assunto, o resultado raramente é positivo.”
Para ele, o diálogo institucional é a única forma de resolver conflitos regulatórios de maneira eficiente e sustentável.
Governança e previsibilidade regulatória – O ministro André Mendonça do Supremo Tribunal Federal encerrou o evento com palestra magna sublinhando a necessidade de harmonia entre as instituições reguladoras para garantir segurança jurídica, previsibilidade e confiança dos investidores. Mendonça enfatizou que o principal objetivo das instituições públicas deve ser atender o interesse da sociedade, evitando disputas que gerem incertezas e aumentem o “custo Brasil”.
O ministro relatou caso recente de divergência entre a Antaq e o Cade, onde foi necessário envolver a Advocacia-Geral da União (AGU) para tentar resolver o conflito. “Quando diferentes órgãos do mesmo governo apresentam interpretações contraditórias, o efeito é prejudicial. Precisamos resolver essas divergências para garantir previsibilidade regulatória e atrair investimentos para o país”, alertou. Ele reforçou que a falta de consenso não apenas afeta empresas específicas, mas também prejudica o desenvolvimento nacional.
Mendonça destacou a importância de as instituições públicas atuarem com foco no interesse do cidadão, aplicando a teoria do principal-agente, que preconiza que agentes públicos devem agir de forma íntegra e desinteressada para atender às expectativas da sociedade. “O principal é o cidadão, e nosso papel como agentes públicos é garantir segurança e pacificação social. Quando interesses ilegítimos interferem na relação de confiança entre governo e sociedade, todos saem perdendo.”
Princípios de boa regulação e previsibilidade – O ministro elencou ainda os princípios fundamentais para regulação eficiente, inspirados na doutrina de Lon Fuller. Entre eles, Mendonça mencionou a necessidade de clareza e transparência nas normas, previsibilidade regulatória e a importância da retroatividade abusiva. Ele alertou que mudanças frequentes nas regras podem gerar insegurança e afugentar investidores:
“Decisões repentinas podem ter consequências sérias.” Ele defendeu também a importância de consenso e diálogo entre agências reguladoras e órgãos de controle e explicou que a jurisprudência norte-americana, amplamente utilizada como referência, sugere que decisões técnicas de órgãos reguladores devam ser respeitadas, exceto em casos de arbitrariedade ou abusividade. “A regulação não precisa ser perfeita, mas deve ser razoável e construída com base em expertise técnica. A doutrina da ‘segunda melhor opção’ nos ensina que, mesmo quando não se atinge o ideal, é possível encontrar solução satisfatória para todas as partes envolvidas.”
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