Edição 96
Colar de Professor Emérito da Escola Paulista da Magistratura
31 de julho de 2008
Da Redação, por Giselle Souza
“O que mais me preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que mais me preocupa é o silêncio dos bons.”
Martin Luther King
No dia 11/07/2008, no auditório da Emerj foram homenageados pela Escola Paulista da Magistratura, com a Medalha do Mérito Acadêmico, o advogado Felício Ferraz e o desembargador Paulo Ventura, diretor da Emerj. Foi homenageado também com o Colar de Professor Emérito, o presidente do TJ/RJ, desembargador José Carlos Schmidt Murta Ribeiro, que na ocasião discursou em nome dos agraciados, conforme transcrição a seguir:
“Na verdade, sou pessoa simples, um carioca nato, nascido na Tijuca, no Hospital Evangelista há mais de sessenta e cinco anos, e que sempre morou nesta querida, queridíssima, cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, mais conhecida em passado próximo como Cidade Maravilhosa – mas que, com certeza, voltará a sê-lo em breve; fato este cantado até mesmo em seu hino mais popular. Hoje, como pessoa simples que sou, me vejo vivendo uma situação de grande privilégio intelectual e moral, porquanto não poderia esperar que um vocacionado e dedicado professor universitário, titular de Direito Penal da Universidade Gama Filho e juiz, e só juiz a vida toda, viesse a merecer dos magistrados paulistas tão alto galardão: Professor Emérito da Escola Paulista da Magistratura.
No entanto, recebo esta medalha com o coração cheio de esperanças de dias melhores, dias de reformas que terão de vir, a fim de que todos nós aqui presentes possamos resgatar nossas cidadanias. A conjuntura atual se apresenta desfavorável: não há educação para todos, não há empregos para todos, não há salário digno para todos, não há segurança para todos, ocorre imenso desnível social, tudo a nos amedrontar e a nos tornar cativos em nossos lares. Mas, na verdade, vivenciamos atualmente um momento de possível reforma, reforma verdadeira, reforma das pessoas em seu íntimo. Certa vez escrevi pequeno artigo sobre eleições majoritárias, opúsculo publicado na reconhecida revista nacional ‘Justiça e Cidadania’, onde abordo de forma simples momentos de eleições, de eleições majoritárias naquele então. Mas, já agora também se avizinham eleições municipais e teremos então a oportunidade de, exercendo corretamente o direito-dever constitucional de votar, fazer a verdadeira reforma política. Daí porque devemos deixar de lado o tradicional e conhecido comportamento anômico, abúlico do ‘não tem jeito mesmo, deixa prá lá’, e nos engajarmos firmes no efetivo exercício da cidadania, excluindo de nossas escolhas aqueles que, eleitos por nós no passado, nos traíram na nossa representação frente à Nação. Aqui e agora convoco meus amigos presentes para que não deixemos de exercitar o poder-dever maior do cidadão: votar, e votar bem, aí então exercendo verdadeiramente a Política, Política com ‘P’ maiúsculo como a definiu Platão: ‘Política é a arte de governar as tendências divergentes, imprimindo-lhes novas orientações, comuns e médias, com o mínimo emprego de forças e mínima resistência da coletividade’. Como a atividade essencial do Estado Democrático de Direito é a Política, deveria ter ela como norte o ‘bem comum’, e, não a própria vaidade pessoal de muitos como hoje se retrata.
Também nós, professores, juízes e desembargadores, na verdade todos de certa forma juízes, devemos trabalhar, e muito, para chegarmos a este mesmo desideratum: o ‘bem comum’, fazendo prevalecer o Estado de Direito em detrimento de falsos conceitos, onde se confunde democracia com demagogia; o certo – edição de leis justas –, para o errado – edição de medidas provisórias oportunistas –, quando então o Poder Executivo substitui o Legislativo e quer se passar por Judiciário e; ainda quando, por vezes, o Legislativo também quer se passar por Judiciário através das famosas CPIs.
Este, meus senhores e minhas senhoras, é o momento próprio para a verdadeira reforma política através do voto municipal, lugar onde realmente as pessoas vivem e fazem acontecer os fatos relevantes, os que são importantes para o nosso país. Pois, se escolhermos bem nossos representantes, estaremos contribuindo para este ‘bem comum’ tão decantado, mas nunca atingido. Neste passo, destaco dois pequenos trechos de dois grandes pensadores do século passado, século XX, pois não nos esqueçamos de que já estamos no século XXI. Nos ensina Bertold Brecht:
A Exceção e a Regra
Nós pedimos com insistência
Nunca digam: “isso é natural”!
Diante dos acontecimentos de cada dia
Numa época em que reina a confusão
Em que corre sangue
Em que se ordena a desordem
Em que o arbítrio tem força de lei
Em que a humanidade se desumaniza
Nunca digam: “isso é natural!”
Estranhem o que não for estranho
Tomem por inexplicável o habitual
Sintam-se perplexos ante o cotidiano
Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam
De que o abuso é sempre a regra
Desconfie do mais trivial, na aparência singela
Examine o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceite o
Que é habitual como coisa natural,
Pois em tempo de desordem sangrenta,
De confusão organizada, de arbitrariedade
Consciente, de humanidade desumanizada,
Nada deve parecer natural
Nada deve parecer impossível de mudar.
Não podemos, pois, perder a capacidade de nos indignarmos.
É através do estudo que formamos cidadãos mais conscientes de seus deveres e direitos, e esse papel a Escola Paulista da Magistratura exerce de forma brilhante, esculpindo o saber jurídico de futuros e atuais magistrados, que, esperamos, exerçam a dignificante função jurisdicional com ética, competência e honestidade.
Encerro esta despretensiosa alocução com ensinamento vigoroso e grave, de Martin Luther King, um campeão da cidadania: ‘O que mais me preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que mais me preocupa é o silêncio dos bons’.
Obrigado, muito obrigado por esta imerecida homenagem, que guardarei para sempre no meu peito repleto de alegria, peito de um cidadão brasileiro, de um magistrado, de um professor universitário em busca constante do norte do ‘bem comum’ – experiência de vida que aprendi em casa com meus queridos pais, José e Lucy; no meu Colégio Santo Inácio, também colégio de Antonio Rulli, ilustre e douto Presidente desta solenidade; na minha Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde me formei na vida acadêmica e onde só se reforçou este caminhar no sentido do ‘bem comum’. Ao cursar a Escola Superior de Guerra tive a oportunidade de transmitir em várias conferências proferidas este mesmo desideratum, que nos ajuda na compreensão de nosso país, grande país, apesar do seu imenso e absurdo desnível social. Não devemos nunca nos conformar com o status quo e, ao revés, exercitar sempre a cidadania, através de momentos como este, onde instituições como a Escola Paulista da Magistratura e a Emerj irmanadas nos elevam ao exercício pleno da cidadania.”