Com Plenário Virtual, Supremo julgou 4 vezes mais méritos em repercussão geral
12 de janeiro de 2021
Gráfico mostra aumento de julgados de méritos com repercussão geral (em azul). Dados obtidos no site do STF em janeiro de 2021.
O ano de 2020 ficará marcado, entre tantos fatos, como aquele em que o Supremo Tribunal Federal bateu recorde julgamentos de mérito em recursos com repercussão geral reconhecida. Foram julgados 134 REs, o que representa quase 4 vezes mais em relação ao ano anterior, quando foram julgados apenas 33. É o maior número de méritos já julgados desde 2008, conforme as estatísticas do tribunal.
Dos 134 julgados, 125 temas eram leading cases. Em outros 9 processos foi julgado o mérito com reafirmação de jurisprudência. A maioria foi analisada no Plenário Virtual, que teve sua importância ressaltada desde o início da epidemia do coronavírus, com a ampliação das hipóteses de julgamento que permitiu a análise do mérito de recursos. Antes da Covid-19, os ministros usavam a plataforma para deliberar se reconheciam ou não a repercussão geral, mas não adentravam o mérito.
“A solução engenhosa encontrada na gestão de Dias Toffoli garantiu o funcionamento do Supremo pelos próximos vinte anos”, elogia o ministro Gilmar Mendes, referindo-se à possibilidade de os ministros decidirem coletivamente sem se reunir na mesma hora e local.
Foi no Plenário Virtual que o STF fixou que é inconstitucional a incidência previdenciária no salário-maternidade; que a venda de energia elétrica gera ICMS somente ao Estado de destino e ainda que terceirizados não têm direitos equiparados a empregados de empresa pública. Foram muitos os casos pautados em matéria tributária, previdenciária e da administração pública.
Os números são motivos de comemoração, segundo o presidente da corte, ministro Luiz Fux: “Isso, com certeza, demonstra o cumprimento da função paradigmática do STF voltada para vocação de Corte Constitucional formadora de precedentes estáveis, íntegros e coerentes.”
De acordo com o advogado Alonso Freire, professor de Direito Constitucional e ex-assessor de ministro do STF, outro destaque foi o julgamento do recurso que discutiu a responsabilidade civil do Estado por ato praticado por preso foragido. Os ministros fixaram, por maioria, que o Estado só responde por crime de preso foragido se tiver relação direta com a fuga.
Freire afirma que a questão era muito controversa e “merecia um debate mais público e aberto, até para a resposta da corte ser mais bem compreendida pela população”.
“O caso concreto era uma ação por danos morais ajuizada por esposa e filhos de um homem de 45 anos assassinado em casa, enquanto assistia TV, por um detento foragido do sistema prisional. Para a corte, é necessária a demonstração do nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada. E isso é difícil de ser assimilado pela maioria dos brasileiros”, explica.
Outros destaques
O defensor público da União Gustavo de Almeida Ribeiro destacou o julgamento no qual o tribunal fixou que “não se aplica para o reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no artigo 64, I, do Código Penal”.
Adriano Silverio, sócio do ASBZ Advogados, considera que a discussão sobre o salário-maternidade na base de cálculo das contribuições previdenciárias foi um dos temas sensíveis que merecia o julgamento presencial.
Na área tributária, o advogado Gustavo Taparelli, sócio do Abe Giovanini Advogados, considera que o caso mais emblemático em desfavor dos contribuintes foi o que fixou que a incidência de contribuição patronal sobre terço de férias é constitucional.
“Alterou completamente uma decisão a favor das empresas que já estava consolidada nos tribunais. Essa certamente foi a decisão mais representativa da insegurança jurídica oriunda dos tribunais superiores”, afirma.
Silverio concorda e chama a atenção para a importância das sustentações orais presenciais como forma imprescindível de “levar o juiz refletir sobre o seu posicionamento, pedir vistas ou incrementar os seus argumentos no debate”.
Para Taparelli, o Plenário virtual pode ser positivo, “mas seria adequado o desenvolvimento das ferramentas de sistema para propiciar mais discussões e acesso”.
Diversas melhorias foram feitas no ambiente virtual de julgamento ao longo do ano. Para atender aos pedidos da advocacia, a corte também passou a liberar sustentações orais por vídeo, o inteiro teor dos votos e a registrar quais ministros votaram. As abstenções não contam mais como apoio ao voto do relator.
Caminho sem volta?
Outro ponto que não é unânime trata da continuidade desse sistema ampliado depois que a epidemia for controlada e que os ministros puderem voltar a se reunir presencialmente.
Para a criminalista Ludmila Groch, mestre em Direito Penal pela USP e sócia do escritório Lefosse Advogados, a celeridade trazida com o virtual, especialmente durante a epidemia, é muito positiva. Ela destaca a previsibilidade da pauta e facilidade em despachar com os assessores dos ministros. Seu único receio é que esses pontos sirvam de justificativa para prorrogar os julgamentos virtuais depois que passar o período de emergência sanitária de pandemia.
O advogado Saul Tourinho Leal, do escritório Ayres Britto defende que o modelo de julgamento virtual deve ser mantido inclusive depois da epidemia, mas ressalta que o alto número de teses fixadas pode levantar a discussão se houve “todo o investimento de energia intelectual e de temperança da Justiça para fixar essa quantidade”. “É preciso calibrar a quantidade de leading cases apreciados por ano”, afirma Leal, sugerindo uma espécie de teto de casos a serem apreciados.
Alonso Freire também entende que o “tribunal tem prestado um bom serviço ao país resolvendo casos dessa natureza com a celeridade e a reflexão promovidas pelas sessões virtuais”. Para ele, a tendência é a consolidação do modelo.
A presidência do STF ainda não se pronunciou especificamente sobre o tema. Em release divulgado em dezembro pela comunicação da corte, o secretário-geral da presidência, Pedro Felipe de Oliveira Santos, afirmou que estão no planejamento de 2021 “iniciativas em gestão e em tecnologia da informação com a finalidade direta de apoiar a atividade decisória da Presidência e dos ministros”.
A ideia, disse, é buscar a “ampliação das condições para que a jurisdição constitucional possa continuar sendo prestada com qualidade e em tempo razoável”.
Publicação original: ConJur