Edição 112
Combate à violência doméstica_Entrevista com Cristina Tereza Gaulia
30 de novembro de 2009
Da Redação, por Giselle Souza
Entrevista: Cristina Tereza Gaulia, Desembargadora do TJRJ
A Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Cristina Tereza Gaulia, não para. Sempre engajada em iniciativas de cunho social, a Desembargadora, que é coordenadora do Departamento de Projetos Especiais da corte fluminense, assumiu agora a Comissão Estadual para as Questões de Violência Doméstica Contra a Mulher. O grupo foi instituído em maio, pelo Presidente do TJ, Desembargador Luiz Zveiter, a quem a Magistrada faz questão de reconhecer a boa gestão que vem desenvolvendo.
Cristina Tereza explicou que o principal objetivo da Comissão é o de multiplicar o número de juizados especializados em violência doméstica. Segundo afirmou, as particularidades envolvendo esses casos demandam atenção especial dos magistrados. Mas não é só. A meta também é chamar para a Justiça a responsabilidade de tratar o agressor. “Compete ao Judiciário tratar dele após a eventual penalização. Não basta somente a pena. Ele voltará a vitimizar outras mulheres se for recolocado na sociedade sem tratamento. E assim não conseguiremos interromper o ciclo de violência”, afirmou
Justiça & Cidadania – Qual é o objetivo desta comissão que a senhora preside?
Cristina Tereza Gaulia – O Tribunal de Justiça constituiu uma comissão estadual para tratar da questão envolvendo a violência doméstica, no plano da prestação jurisdicional. A meta é, em primeiro lugar, multiplicar o número de juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher. Seremos o Estado do Brasil com o maior número deles. Temos um no Centro da Cidade, em Jacarepaguá, Campo Grande e em Nova Iguaçu. Inauguramos outro agora em Duque de Caxias e no, próximo dia 18 de novembro, inauguraremos o de São Gonçalo. Serão seis os juizados contra a violência doméstica no Rio, todos autônomos, com equipe técnica, cartório e juiz titular. Todas as outras comarcas também possuem esses juizados, porém eles não são autônomos e sim adjuntos aos juizados especiais criminais. Portanto, qual será nossa meta para o ano que vem? Conseguir aprovação de leis estaduais que criem, com a necessária previsão orçamentária, esses juizados autônomos. Vamos tentar inaugurar o maior número possível. Os índices de violência doméstica no Estado são muito altos. As distribuições desses juizados surpreenderam a administração do TJRJ. Então, o juiz que se divide entre o juizado criminal e o da violência doméstica fica sobrecarregado. E o juizado da violência doméstica demanda um juiz muito atento, porque há dois vieses. O primeiro é o da mulher vitimizada, que tem que ser olhada com cuidado, ser encaminhada para o abrigo e ao tratamento, assim como tem que receber as medidas preventivas e acautelatórias garantidas pela Lei Maria da Penha. Ao mesmo tempo temos o homem agressor. Compete ao Judiciário tratar dele após a eventual penalização. Não basta somente a pena. Ele voltará a vitimizar outras mulheres se for recolocado na sociedade sem tratamento. E assim não conseguiremos interromper o ciclo de violência. Ambos os vieses necessitam da atenção constante e próxima do magistrado.
JC – A violência doméstica no Estado do Rio é considerada um problema grave?
CTG – A violência doméstica é um problema mundial. No Brasil, temos estatísticas de vários órgãos, inclusive da Organização das Nações Unidas, de que há mulheres espancadas diariamente e, por vezes, até mais de uma vez por dia. Então, a questão é do Rio de Janeiro, assim como do Brasil como um todo. Por isso, a Secretaria Especial de Políticas Para as Mulheres, através da Ministra Nilcéia Freire, estabeleceu um plano nacional de cuidado com a violência doméstica. Ao Judiciário compete exatamente isso: ter juizados especializados autônomos, com juízes especificamente dedicados a essa questão, tendo foco nesses dois vieses que apontei. Esse tema é importante porque se liga à segurança da própria sociedade civil, por se tratar da célula inicial. Se a pessoa não tem paz e tranquilidade dentro de casa, mas apenas agressão e violência, é certo que irá levar essa proposta comportamental de violência para fora dos limites da família. A obrigação do Judiciário é olhar para essa questão.
JC – Além de fomentar a criação de mais juizados, que outras ações a Comissão desenvolverá?
CTG – A ideia é a de que o Judiciário passe a olhar o tratamento do nosso cliente, o homem agressor. A mulher vítima de violência é amparada pelas políticas públicas nessa área, estabelecidas pelo Poder Executivo. Então, temos centros de referência da mulher, que são mantidos pelos três entes federados e que têm como objetivo aumentar a autoestima da mulher, tratando-a do ponto de vista físico, psíquico e emocional. Parece-me, portanto, ser uma função do Judiciário cuidar do homem agressor. Temos como proposta, nesse sentido, multiplicar os núcleos de tratamento ao homem agressor em todos os juizados. O modelo está sendo implementado no Juizado da Violência Doméstica de Nova Iguaçu. É nessa linha que estamos trabalhando.
JC – Que outra iniciativa a senhora destacaria?
CTG – A presidência do TJRJ sediará, de 23 a 25 de novembro, o primeiro Fórum Nacional de Violência Doméstica, uma iniciativa do Ministério da Justiça, da Secretaria da Reforma do Judiciário e da Secretaria Especial de Políticas Para as Mulheres. Haverá a presença de cerca de 400 magistrados de todo o País. A presidente desse fórum, eleita por seus pares, é a Juíza Adriana Mello, do 1º Juizado da Violência Doméstica do Rio. Trata-se de um fórum específico para debater as questões envolvendo a Lei Maria da Penha pelos magistrados, justamente em prol da melhor interpretação da norma.
JC – Fale um pouco sobre os projetos em andamento no Departamento de Projetos Especiais do TJRJ.
CTG – Faço parte da equipe e integro a direção, juntamente com o Desembargador Maurício Caldas, que preside o Departamento, e a Desembargadora Marilene Melo. Dentre os projetos especiais, estão aqueles que já desenvolvemos há vários anos: o “Justiça Itinerante”, o “Justiça Cidadã” e os “Casamentos Comunitários”. Aliás, em 27 de novembro, realizaremos o primeiro casamento em comunidades, no alto do Morro Dona Marta, onde já estivemos também com o projeto “Justiça em Ação”. Temos também o projeto “Pais Trabalhando” e vários outros ligados aos jovens, como o “Justiça pelos Jovens” e o “Jovens Mensageiros”. Todas essas iniciativas de responsabilidade social do TJ são administradas por esse departamento. Não posso deixar de apontar também uma comissão do Tribunal, presidida pelo Desembargador Maurício Caldas, que trabalhou com bastante afinco na regulamentação da mediação dentro do Poder Judiciário do Rio. Estamos treinando servidores e mediadores há quase um ano para que estejam aptos a fazer mediação nos processos judiciais. Isso já está sendo feito por diversos núcleos coordenados por juízes de primeiro grau.