Complexo de vira-latas, o retorno

12 de agosto de 2014

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Nos idos dos anos 50 Nelson Rodrigues criou a expressão “Complexo de vira- latas” ao diagnosticar nos brasileiros um trauma coletivo  sofrido  quando a Seleção Brasileira foi derrotada pela Seleção Uruguaia de Futebol na final da Copa do Mundo em pleno Maracanã.

O referido trauma tinha como sintoma a reclamação de tudo, nada mais prestava, o país não tinha jeito. Qualquer botequim, porta de igreja, fila de banco ou mercado virava o Muro das Lamentações, com a diferença de que nesse Muro brasileiro não se depositavam desejos e orações, ao revés era quase um auto amaldiçoamento. Reclamar do país era a palavra de ordem.

O anjo pornográfico via a atitude negativa que assolava os corações e mentes tupiniquins como o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado.

Em sua crônica o escritor assim se explicou: “Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol.”

Os anos passam, estamos em 2014 e o Brasil está às vésperas de sediar a Copa do Mundo. O Brasileiro (aquela espécie que não desiste nunca) busca em seu sótão o amarelado “complexo de vira-latas”, e eis o novo meme do momento.

Nas redes sociais é só o que se vê. A todo instante reclamações de um Brasil lixo cintilam no feed de notícias e nos grupos do Whatsapp. O mundo vem para o Brasil para disputar jogos de futebol, e os brasileiros disputam um campeonato particular: o de ser o brasileiro que melhor reclama do seu país.

A hashtag  #NaoVaiTerCopa ganha às ruas e invade os muros das cidades em pichações. Nesse cenário aparecem também grafitagens que são verdadeiras obras de artes, as quais com muito charme e cor questionam o Mundial, o país, e suas mazelas.

#ImaginaNaCopa é outro bordão de sucesso. A população antevê o caos generalizado. Os Maias erraram e mundo não acabou em 20 de dezembro de 2012. Mas o Brasil… Esse não vai sobreviver ao Mundial de 2014! Se é, que vai mesmo existir Copa.

Agora, que o dia 12 de avizinha #oQueACopaNaoFaz? também vira personagem desta marcha de Severinos ao ver que o aeroporto de Brasília está “de primeiro mundo” só por causa da Copa, como se fossem benfeitorias “para Inglês ver”. É nesse tom que se multiplicam na rede postagens e discursos sobre os melhoramentos em  infra-estrutura feitos para receber os 7,2 milhões de turistas esperados pelo Governo brasileiro.

Mais uma vez, nada presta. E tome a reclamar.

É certo que o relatório do Índice de Progresso Social (IPS) divulgado em 04 de abril de 2014 apontou Brasil como o 11º país mais inseguro, em um universo de 132 países analisados. A lista é encabeçada pelo Iraque, considerado o país mais inseguro do mundo. Seguido pela Nigéria, Venezuela, República Centro-Africana, África do Sul, Chade, República Dominicana, Honduras, México, Sudão e Brasil. Mas apenas reclamar da insegurança não sacia a fome do complexo de vira-latas, é necessário também reclamar que as melhoras estruturais que o país apresenta só foram feitas por causa da Copa.

E tome a dar fermento para a baixa estima coletiva.

Em Nova York, quase um século se passou para que o metrô da Segunda Avenida saísse do papel. A obra, conhecida como “a linha que o tempo esqueceu” começou a ser pensada em 1916 e o primeiro trecho, de apenas 3 km, deve ser inaugurado no fim de 2016, a um custo de R$ 10 bilhões. E um detalhe importante: um dos motivos do atraso secular foi corrupção e superfaturamento ao longo de décadas.

Na França, as aspirações às presidenciais de 2017 pelo ex-presidente francês Nicolas Sarcozy estão seriamente abaladas por suspeita de corrupção numa investigação criminal sobre financiamento ilegal a partidos políticos.

A Lisura britânica é afetada por um vídeo que flagrou Peter Cruddas, à época co-tesoureiro do Partido Conservador britânico e braço direito do primeiro-ministro,  prometendo aos doadores de campanha jantares privados em Downing Street com David e Samantha Cameron.

Isso só para citar alguns pequenos exemplos de que a corrupção não é uma invenção brasileira e nem é produto latino-americano.  Nenhum país no mundo acabou com a corrupção. Ela é um crime que deve ser investigado e combatido, mas que sempre existirá tal qual assaltos e homicídios.

Entretanto o nosso “Complexo de vira-latas” faz agente pensar que “só se vê na Bahia” ou, “só podia ser no Brasil”.

Agora que vamos sediar o Mundial, temos tanto medo de fazer feio que seguimos reclamando desde já.

O mundo adorou a Copa ser no Brasil. Só o Brasil odeia a Copa no Brasil.

O México sediou o Mundial duas vezes; a Argentina, o Uruguai e a África do Sul também sediaram e eles não eram Passárgada. Mas e daí?

Por acaso deixamos de fazer Carnaval por causa do mensalão?

Hoje não vou listar nenhum avanço social pelo qual o país passou e os números comprovam, não é esse o tema.

O tema é o problema da autoestima que voltou a enfermar os brasileiros. É um problema de crença em si mesmo. Como disse Nelson Rodrigues, o brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas, somos o único país penta campeão, somos democraticamente muito novos, e cidadania não se constrói do dia pra noite. É preciso perseverar.

Temos muitos problemas, mas eles não nasceram com essa Copa. Todos os países enfrentam seus problemas também. Não somos piores do que as  outras Nações! Não podemos nos sentir inferiores! Não somos vira-latas! Já passou da hora de o brasileiro se convencer disso, e fazer bonito para os 7,2 milhões de turista que chegarão à nossa casa.