Compulsória Burocrática da Magistratura: Desperdício de Cultura e de Experiência

7 de novembro de 2011

Da Redação, por Giselle Souza

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(Editorial originalmente publicado na edição 5, 02/2000)
 
A lenta tramitação pelo Congresso Nacional do anteprojeto de Reforma do Judiciário, com a matriz aprovada em primeiro embate plenário, pendentes de apreciação inúmeros destaques, alguns controversíveis que estão a atulhar sua caminhada mais célere, inobstante figurar como uma das prementes razões da convocação extraordinária do Poder Legislativo, destaca-se a emenda que amplia o lapso temporal de permanência do magistrado no exercício da atividade judicante, hoje bitolada ao limite de setenta anos, elevando-a para setenta e cinco.
 
Cuida-se de emenda de alta relevância e oportunidade para a vida pública do país, percucientemente analisada pelo egrégio Colégio Permanente de Presidentes das Cortes Judiciárias do Brasil, emprestando seu aval à iniciativa, posto que, na textura atual, a aposentação compulsória no limite etário septuagenário tem privado, por que não dizer levado ao desperdício e desprezo, a inteligência, cultura e experiência de expressivos valores da nossa magistratura, na plenitude física e mental, no esplendor da sua formação jurídica-julgadora, autênticos príncipes das luzes transmudados em príncipes das trevas como bagaços, algumas vezes rumando-os para outras atividades rendosas da atividade profissional, quando deles a Nação poderia haurir a seiva do seu saber, os juízos mais refletivos com a experiência dos anos vivenciados.
 
Quebrantando o princípio de isonomia erigido como preceptivo  constitucional de que não se admite tratamentos diferenciados perante à lei, a regra de vedação ao exercício da função pública  não se aplica aos mandatos executivos e parlamentar, o que importaria em banir fulgurantes valores humanos da vida pública, inteligências e lideranças que escreveram os mais altos capítulos da nossa história republicana.
 
Aliás, os grandes líderes mundiais, em todos os tempos, ostentaram faixa etária bem avançada, e foram timoneiros de seus povos.
 
Convenha-se que já existe a inativação facultativa por tempo de serviço, destinada àqueles que se julgam exaustos para o exercício de seus misteres, ou mesmo desmotivados, como também para os acometidos de incapacitação física ou mental. Por que, então,  a impositiva compulsoriedade, compelindo-o à ociosidade ou outras atividades, prospectivas ao seu talento, quando ainda o Magistrado se acha pleno de vigor, idealismo e apto para o exercício do seu mistério julgador?
 
Se é para se propiciar aos governos, Federal e Estaduais, a oportunidade de investir, de livre escolha, Ministros das Superiores Cortes, e no plano regional a representação classista, o argumento bate de frente com o superior interesse público que a tudo deve sobrepor.
 
Tanto mais, num ciclo evolutivo que transcende do segundo ao terceiro milênio, quando a humanidade se aprimora técnica e cientificamente alcançado a melhoria das condições de vida e do profissionalismo, este adquirido pelo perlustrar dos anos de experiência e labor, não se alça crível que se dispensem, com pesados ônus para o erário, aqueles que, com plena vitalidade oferecem seu ofício, cultura aliada à arte de bem julgar, à praticidade de dizer do direito e aplicação da justiça a quantos se socorrem do Judiciário.
 
O mundo moderno, no anteparo da ciência, vem proporcionando ao homem a existência de uma sobrevida com higidez física e mental em escala ascendente, natural e sadia, destacadamente aqueles que desenvolvem sua natureza intelectual, alcançando a maturidade perfeita.
 
A permanência dos magistrados por mais cinco anos, ou até mesmo um pouco mais dilatado, na atividade jurisdicional, a exemplo do que ocorre, sem limitação etária em várias partes do mundo, ao diverso do que apregoam adeptos do apressamento da rotatividade e expulsória no sistema vigente, não lhes seccionam os almejados e rápidos acessos aos degraus da carreira, senão amplia-os, a par de moldá-los na experiência de vida, ampliação da cultura e aprendizado de conhecimentos jurídicos e sociológicos no trato das questões políticas, sociais e econômicas que chegam e são submetidos ao crivo judicial.
 
E isso a latere dos ônus que representam para o Estado, acarretando duplicidade de gastos públicos, de um lado com os proventos do magistrado inativado compulsoriamente; de outro, com o preenchimento da vaga na sua origem, com desprezo aos conhecimentos jurídicos daquele que se retira, o discernimento sapiente enriquecido nos degraus da judicatura e maturidade.
 
Há de se considerar, também, os aspectos de ordem institucional, a natural respeitabilidade de um Órgão Colegiado, formado por homens cuja idade, experiência, estudo e reflexão conferem-no uma aura de dignidade e sapiência, despertando no povo confiabilidade e tranqüilidade, além da segurança proporcionada pela coerência lógica e unidade de entendimento, calcadas decisões na lógica do razoável no enfrentamento das questões jurídicas, sociais e políticas da maior relevância para a sociedade e o País.
 
Opositamente do que ocorre em outros setores da vida pública organizada, a carreira judiciária não reclama renovação constante de seus quadros, posto que o amadurecimento dos juízes em atividade lhes proporciona maior e melhor aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e menos voltário o direito pretoriano, nisso emprestando estabilidade à sua jurisprudência, fator de segurança  para o ordenamento jurídico.
 
Como assinala NOBERTO BOBBIO, destacado filósofo-jurista do nosso contemporâneo, na sua monumental obra “O Tempo da Memória”, sob prefácio do diplomata pátrio CELSO LAFER, “os resultados do pensamento, de caráter e de juízo não diminuem mas aumentam com a idade”, é de se esperar que o bom senso, a lógica e o discernimento dos membros do nosso Congresso Nacional, na apreciação do referenciado destaque que eleva o limite etário de setenta para setenta e cinco anos dos Magistrados seja apreciado com amadurecida reflexão.