Conciliação e Mediação: Um caminho pavimentado por conhecimento

25 de agosto de 2017

Da Redação, por Ada Caperuto

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Nos últimos anos, as alternativas ao litígio vêm sendo cada vez mais debatidas e difundidas pelo Poder Judiciário. Não poderia ser diferente, até porque, além da Lei de Mediação (Lei no 13.140/2015), os métodos consensuais são alvos do texto da Resolução no 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e de artigos do novo Código do Processo Civil (CPC). Contribuição importante para fazer avançar os conhecimentos sobre mediação e conciliação vem de uma das principais referências sobre o tema no Brasil: Valeria Ferioli Lagrasta, Juíza de Direito da 2a Vara da Família e das Sucessões da Comarca de Jundiaí.

Seu projeto “Juiz Gestor de Resolução de Conflitos” recebeu o prêmio Conciliar é Legal 2016, promovido pelo CNJ, na categoria Juiz Individual da Justiça Estadual. De modo geral, o projeto está sedimentado em três experiências que se completam: a gestão de conflitos, o gerenciamento do processo e a cooperação judiciária interna. O objetivo principal é a pacificação social, a partir da efetividade do princípio do acesso à Justiça, bem como a gestão participativa do Judiciário, tendo como consequência direta a diminuição da quantidade e do tempo de duração dos processos.

O projeto teve início em 2003, a partir de um grupo de estudos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, orientado pelo desembargador Kazuo Watanabe, e realizado no Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ), presidido pelo magistrado. O grupo foi formado a partir de uma solicitação do então Presidente do TJSP, desembargador Luiz Elias Tâmbara, que buscava soluções para auxiliar na sobrecarga do processos.

A juíza Valéria e seu colega de magistratura, Fernando da Fonseca Gajardoni, começaram a trabalhar no desafio de tentar criar mecanismos que evitassem que os conflitos sociais fossem exclusivamente resolvidos pelo Judiciário. O professor Watanabe contribuiu com experiências de países como os Estados Unidos e o Canadá, que já trabalhavam com a mediação e outros métodos de solução de conflitos há muito tempo.

Aprendemos a litigar na faculdade e as pessoas procuram o advogado não para fazer uma conciliação, mas para abrir o processo e brigar até o fim. Nos Estados Unidos é diferente, pois há anos eles adotam vários métodos de conciliação. No Japão, então, é uma vergonha procurar o judiciário, porque significa que esta pessoa não teve a capacidade de resolver seus conflitos.”

Centros de Solução de Conflitos
A juíza Valéria Lagrasta possui vasta formação neste campo do conhecimento, incluindo uma pós-graduação em Mediação Judicial pela Columbia University (EUA) e, hoje, participa de organismos internacionais neste âmbito. Instrutora de Políticas Públicas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a magistrada integrou o Grupo de Trabalho do órgão responsável pela elaboração da Resolução no 125, que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses.

“Baseada nestas experiências, colaborei na redação do Guia Prático de Funcionamento do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – Cejusc, com o objetivo de auxiliar outros juízes na instalação desses Centros, de acordo com o que determinava a Resolução no 125”, explica a magistrada. O guia, portanto, cumpre o papel de detalhar os procedimentos necessários para implantação dos diferentes setores determinados na Resolução do CNJ.

Para a juíza Valéria Lagrasta, nos quinze anos transcorridos desde os primeiros estudos houve uma evolução muito grande na adoção dos meios alternativos ao litígio. “Acredito que, no início, havia uma resistência em muito motivada pelo desconhecimento, além do fato de que o juiz entendia que não foi treinado para conciliar, e sim para decidir. Do ponto de vista dos advogados, havia o receio de perder o mercado de trabalho. Depois da Resolução no 125, querendo ou não, a implantação do Cejusc estava prevista. Foi quando as pessoas tiveram que começar a entender melhor, fazer cursos e começaram a perceber que isso podia auxiliar de alguma forma na diminuição no número de processos e da sobrecarga de trabalho”, diz ela.

A magistrada destaca, porém, que o objetivo maior do Cejusc é oportunizar o amplo acesso à justiça, ou, nas palavras do professor Kazuo Watanabe, “o acesso à ordem jurídica justa”, permitindo que a pessoa ingresse no Judiciário a partir de uma porta de entrada ampla, e que isso represente uma oportunidade para os necessitados, para as pequenas causas encontrarem soluções. “Mas não adianta entrar e depois só sair pela sentença. Por isso, a ideia dos métodos consensuais está baseada no conceito de tribunal multiportas”, pontua Valéria.

Contudo, salienta a magistrada, para que esse sistema funcione adequadamente é preciso que haja o que se chama de cooperação jurisdicional interna e externa, ou seja, que o juiz trabalhe “gerenciando o processo e os conflitos, com a colaboração dos terceiros facilitadores (conciliadores e mediadores), das partes, dos advogados e dos servidores; e também dos outros juízes, o que permite a troca de boas práticas, tudo agilizando o processo e tornando efetivo o acesso à justiça. “A ideia não era só trazer a mediação para o processo, mas também formar um juiz mais ativo, gestor de solução de conflitos e de sua equipe. Que ele fosse capaz de gerenciar efetivamente o seu cartório, os seus funcionários, e os próprios conciliadores e mediadores”, afirma. Os juízes e os servidores têm que cooperar entre si, assim como este guia, que resulta da soma de experiências, minha e de servidores e mediadores que trabalharam comigo. Você pode trocar essas boas práticas, que já funcionam, e acrescentar essa ideia de cooperação interna, porque o juiz não está isolado no mundo. Ele tem que sair do gabinete e se relacionar com os outros magistrados e servidores.”

Material didático
Em agosto do ano passado, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e o Instituto Paulista de Magistrados (Ipam) lançaram o livro Conciliação e Mediação – ensino em construção, uma coletânea de artigos sobre os dois temas, editado sob a coordenação do desembargador Roberto Bacellar e da juíza Valéria Lagrasta. “É uma reflexão sobre como ensinar a conciliação e a mediação hoje, depois da Resolução no 125, do CNJ, do novo Código de Processo Civil e da Lei de Mediação, que realmente trouxeram para o Brasil, de modo definitivo, esse método consensual. Porém, fizemos uma adaptação às nossas realidades cultural, social e geográfica”, explica a magistrada.
Por sua vez, o guia, como destaca o prefácio da já saudosa jurista Ada Pellegrini Grinover, não apenas descreve o funcionamento dos Cejusc’s, como apresenta modelos de documentos para a tramitação do processo de conciliação e mediação, tanto pré-judicial, como judicial. “O guia traz algumas experiências que já realizamos e que têm dado resultados positivos, bem como outras sobre as quais estamos refletindo sobre como seria a melhor forma de ensinar”.

A ponderação da magistrada é justificada. Em sua opinião, algum dia o Judiciário deverá ter uma “mediação brasileira”, já que o modelo de hoje tem origem em países que já trabalhavam há tempos com mediação e conciliação. “Existem várias escolas de mediação no mundo. São maneiras diferentes de trabalhar e modelos distintos, como a mediação transformativa reflexiva, a circular narrativa, a Harvard negocial (que é muito mais uma negociação do que mediação em si). Todas essas escolas têm peculiaridades e funcionam em determinados países. Então, os métodos vão sendo adaptados às realidades, o que é bom. Eu sempre fui contra trazer um modelo pronto e ensinar aqui como se fosse a forma correta. Temos realidades diversas de estado para estado”, afirma Valéria.

Uma das vantagens da mediação, de acordo com a juíza, é permitir a continuidade de uma relação amigável, por exemplo, nos casos de divórcio, quando há filhos envolvidos. Ela cita a mediação transformativa como o modelo mais indicado para conflitos de família. “Porque nela a ideia é fazer com que as partes voltem a dialogar, que consigam identificar as causas do conflito, para que elas mesmas consigam remover esses problemas e chegar a uma solução”.

A magistrada, que também trabalhou na implantação da Resolução no 125, pode observar de perto o cotidiano de diferentes comunidades, de norte a sul do Brasil. “Você verifica, por exemplo, que entre algumas populações ribeirinhas do norte do País os líderes comunitários têm uma determinada forma de lidar com os conflitos. São métodos que podem ser aproveitados por nós. Então não dá para jogar tudo fora e simplesmente importar um modelo”, declara.

As duas obras vêm sendo utilizadas como material didático em escolas judiciais de todo o País, incluindo a própria Enfam, no cursos de formação de novos magistrados. “Este conteúdo vem sendo utilizado também em outros cursos mais extensos de aperfeiçoamento de magistrados, bem como em programas de capacitação de conciliadores e mediadores, em faculdades ou instituições como a Escola Superior de Advocacia, da OAB; o Instituto dos Advogados de São Paulo; e a Associação dos Advogados de São Paulo.”

A magistrada comenta que muito ainda precisa ser feito para fazer avançar a disseminação de conhecimentos sobre as técnicas da mediação propriamente dita. “Antes da Resolução no 125 e das leis, a conciliação ocorria muito mais por iniciativa de um juiz aposentado ou alguém com vocação e reputação ilibada. Depois da Resolução começou a ser exigida a capacitação que deveria também, em tese, formar mediadores. Mas o que está acontecendo hoje é que a maioria dos estados trabalha, na verdade, com uma conciliação melhorada. Uma mistura das técnicas de mediação e conciliação que aprenderam com um pouco das suas próprias experiências”. A tendência, no entanto, é que este cenário mude em médio prazo, especialmente em razão da novas leis.

Mas há uma outra questão embutida importante. De acordo com a magistrada se a mediação foi realmente aplicada com as técnicas corretas, dificilmente funcionará em uma sessão de 20 minutos, como está na lei. “Nesse tempo, quando muito, dá para fazer uma conciliação”, comenta.

Além das leis e da capacitação é necessário uma mudança social mais profunda para que a população brasileira entenda que o litígio nem sempre é o melhor caminho. “A professora Ada e o professor Kazuo sempre falaram que é uma questão de mudança da cultura brasileira, que ainda é uma cultura de sentença. Aprendemos a litigar na faculdade e as pessoas procuram o advogado não para fazer uma conciliação, mas para abrir o processo e brigar até o fim. Nos Estados Unidos é diferente, pois há anos eles adotam vários métodos de conciliação. No Japão, então, é uma vergonha procurar o judiciário, porque significa que esta pessoa não teve a capacidade de resolver seus conflitos. No Brasil, parece até uma vantagem que temos sobre o outro quando existe essa possibilidade de abrir um processo judicial. As pessoas têm que conhecer os métodos consensuais e descobrir que, se o acordo for realmente justo para as partes, é muito mais vantajoso”.

Dados divulgados pela juíza Valeria Lagrasta revelam que, em onze anos de monitoramento do sistema de gestão implantado na Vara da Família e Sucessões de Jundiaí e no Cejusc da Comarca, houve diminuição de 34% no número de processos distribuídos. É igualmente reduzido o número de execuções oriundas dos acordos obtidos em sessões de conciliação e mediação: na fase pré-processual (7%) e na fase processual (21%), havendo diminuição da pauta de audiências para 30 dias. O tempo de duração dos processos na Vara, com necessidade de instrução, são de, em média, seis meses, e, no caso de julgamento antecipado e de extinção, de dois a três meses.