Edição

Considerações sobre a conferência de Copenhague – COP15

30 de abril de 2010

Compartilhe:

I
Atendendo a convite oficial do Sr. Ministro de Estado do Meio Ambiente, Carlos Minc, para compor a Delegação brasileira na 15ª Conferência das Partes da Convenção — Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do CLIMA (COP-15), que se realizou em Copenhague (Dinamarca), entre os dias 7 e 18 de dezembro de 2009, ali estive representando o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que, em sua dimensão continental, responsabiliza-se, em grau de apelação, pela mais ampla tutela jurisdicional do meio ambiente no território nacional, abrangendo quatorze das mais representativas Unidades da Federação, onde se situam os mais importantes biomas e mais expressivos ecossistemas do planeta, bem assim as mais significativas Unidades de Conservação da Natureza.
Naquele histórico e grandioso evento, tive a honra de representar também, oficialmente, a Universidade Católica de Brasília como membro integrante de seu quadro docente da graduação e da pós-graduação do curso de Direito, por delegação de seu magnífico Reitor, o Prof. MSc. Pe. José Romualdo Degasperi, e ainda, no mesmo evento, a conceituada Revista Justiça & Cidadania, como membro integrante de seu Conselho Editorial, por delegação expressa de seu nobre editor, Dr. Orpheu Santos Salles, e de seu Diretor-Executivo, Dr. Tiago Santos Salles, tudo como recomenda o princípio da ampla participação democrática, em defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

II
No guia rápido da COP15, colhem-se estas informações importantes:
1 – As Conferências das partes sobre Clima (COPs) já existem desde 1995, quando os representantes dos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas passaram a se reunir anualmente. E essas reuniões são o foro permanente de tomadas de decisão sobre a Convenção-Quadro. Nesses encontros internacionais, as deliberações são operadas por meio de consenso entre os representantes dos governos de todos os países que ratificaram os acordos firmados e, por isso, o procedimento de negociação exige muito esforço de seus participantes e se torna lento.
2 – Atualmente, 192 países participam dessas negociações de interesse global. No final de cada COP, uma série de decisões deve ser adotada, encaminhando os trabalhos do ano seguinte, que culminam na próxima COP. Ressalte-se ainda que a Convenção segue uma agenda durante o ano, com vários encontros e sessões de seus órgãos subsidiários. Vale dizer que a COP não é um evento isolado que ocorre uma vez por ano, mas faz parte de um procedimento complexo e dinâmico, guiado pelos princípios da participação democrática e do progresso ecológico.
3 – A linha do tempo das COPs registra que a COP1, realizada em 1995, em Berlim (Alemanha), iniciou o processo de negociação de metas e prazos específicos para a redução de emissões de gases de efeito estufa pelos países desenvolvidos, sugerindo-se a constituição de um Protocolo. Firmou-se ali o Mandato de Berlim. A COP2 realizou-se em 1996, em Genebra (Suíça), onde se firmou acordo sobre a criação de obrigações legais de metas de redução, por meio da Declaração de Genebra. A COP3, realizada em 1997, em Quioto (Japão), culminou com a adoção do Protocolo de Quioto, que estabelece metas de redução de gases de efeito estufa para os principais emissores, conhecidos como “Países desenvolvidos”, em que se comprometem a reduzir as emissões de gases nocivos em pelo menos 5%, no período entre 2008 e 2010. A COP4 ocorreu em 1998, em Buenos Aires (Argentina), quando se elaborou o Plano de Ação de Buenos Aires, visando implementar e ratificar o Protocolo de Quioto. A COP5 realizada em 1999, em Bonn (Alemanha), deu continuidade aos trabalhos iniciados em Buenos Aires. Na COP6, realizada no ano 2000, em Haia (Holanda), as negociações foram suspensas pela falta de acordo entre, especificamente, a União Europeia e os Estados Unidos, em assuntos relacionados a sumidouros de carbono e às atividades de mudança do uso da terra. A COP6 ½ e a COP7 realizaram-se em 2001. A 2ª fase da COP6 foi feita em Bonn (Alemanha), e a COP7, em Marrakech (Marrocos). As negociações foram retomadas, porém, com a saída dos Estados Unidos do processo, sob a alegação de que os custos para a redução de emissões seriam muito elevados para a economia americana, contestando ainda a inexistência de metas para os países em desenvolvimento. A COP8 realizou-se em 2002, em Nova Delhi (Índia), onde se iniciou discussão importante sobre o estabelecimento de metas para o uso de fontes renováveis na matriz energética dos países. A COP9, realizada em 2003, em Milão(Itália), colocou em destaque a questão da regulamentação de sumidouros de carbono no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MD2). NA COP10, realizada em 2004, em Buenos Aires (Argentina), aprovaram-se as regras para a implementação do Protocolo de Quioto e foram discutidas questões relacionadas à regulamentação de projetos de MD2 de pequena escala de reflorestamento/florestamento, o período pós-Quioto e a necessidade de metas mais rigorosas. A COP11, que ocorreu em 2005, em Montreal (Canadá), foi a primeira conferência realizada após a entrada em vigor do protocolo de Quioto. Pela primeira vez, a questão das emissões oriundas do desmatamento tropical e mudanças no uso da terra foi aceita oficialmente nas discussões no âmbito da Convenção. Na COP12, realizada em 2006, em Nairóbi (África), estiveram presentes representantes de 189 nações, que assumiram o compromisso de revisar o Protocolo de Quioto e estipularam regras para o financiamento de projetos de adaptação em países pobres. Naquela oportunidade, o governo brasileiro propôs oficialmente a criação de um mecanismo que promova efetivamente a redução de emissões de gases de efeito estufa, oriundos do desmatamento em países em desenvolvimento. Na COP13, realizada em 2007, em Bali (Indonésia), registra-se que, pela primeira vez, a questão das florestas é incluída no texto da decisão final de uma conferência, com recomendação para que seja considerada no próximo tratado climático. Nessa reunião, foi criado o Bali Action Plan (Mapa do Caminho de Bali), no qual os países passam a ter prazo até dezembro de 2009 para elaborar os passos posteriores à expiração do primeiro período do Protocolo de Quioto. Na COP14, realizada em 2008, em Poznan (Polônia), países em desenvolvimento, emergentes, como Brasil, China, índia, México e África do Sul sinalizaram uma abertura para assumir compromissos na redução das emissões de carbono, embora não tenham falado em números. Naquela conferência, os países desenvolvidos não colocaram nenhuma proposta concreta na mesa e os Especialistas consideraram que as discussões foram lentas diante da urgência de se estabelecer um novo acordo global. A COP15 realizou-se no período de 7 a 19 de dezembro de 2009, em Copenhague (Dinamarca). Após desgarradas discussões de ordem política e econômica, encerrou-se aquela importante Conferência com o questionado “Acordo de Copenhague”. Nesse texto, elaborado às pressas, os países ricos se comprometem a doar US$ 30 bilhões, nos próximos três anos, para um fundo de luta contra o aquecimento global, estabelecendo uma previsão de US$ 100 bilhões por ano, em 2020. Sem caráter vinculativo, esse Acordo também estabelece um aumento limite de temperatura de dois graus Celsius, não especificando qual deve ser o corte de emissões necessário para alcançar essa meta. Registra ainda que os países desenvolvidos se comprometem em cortar 80% de suas emissões até 2050, propondo reduzir até 20% dessas emissões já em 2020, o que se apresenta inferior ao recomendado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que sugere uma redução entre 25% e 40% até 2020. Esse Acordo também estabelece que os países participantes deverão providenciar “informações nacionais” sobre a forma como estão combatendo o aquecimento global, por meio de “consultas internacionais e análises feitas sob padrões claramente definidos”. Ordena ainda que “os países desenvolvidos deverão promover, de maneira adequada, recursos financeiros, tecnologia e capacitação, para que se implemente a adaptação dos países em desenvolvimento”, e reconhece a importância de “reduzirem-se as emissões produzidas pelo desmatamento e degradação das florestas”, promovendo-se o manejo florestal sustentável, a conservação e o aumento dos estoques de carbono (REDD+), com “incentivos positivos” para financiar tais ações com recursos do mundo desenvolvido.
Observe-se que esse acordo sobre mudanças climáticas não logrou atingir às expectativas de líderes bem intencionados como o nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, durante a sessão plenária de encerramento da Conferência de Copenhague, em discurso inflamado, afirmou:

“Confesso a todos vocês que estou um pouco frustrado, porque há muito tempo discutimos a questão do clima e, cada vez mais, constatamos que o problema é mais grave do que nós possamos imaginar. Pensando em contribuir para a discussão nesta Conferência, o Brasil teve uma posição muito ousada. Apresentamos as nossas metas até 2020, assumimos um compromisso e aprovamos no Congresso Nacional, transformando em lei, que o Brasil, até 2020, reduzirá as emissões de gases de efeito estufa de 36,1% a 38,9%, baseado em algumas coisas que nós consideramos importantes: mudança no sistema siderúrgico brasileiro; mudança e aprimoramento da nossa matriz energética, que já é uma das mais limpas do mundo; e assumimos o compromisso de reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% até 2020. E fizemos isso construindo uma engenharia econômica que obrigará um país em desenvolvimento, com muitas dificuldades econômicas, a gastar, até 2020, US$ 166 bilhões, o equivalente a US$ 16 bilhões por ano. Não é uma tarefa fácil, mas foi necessário tomarem-se medidas para mostrar ao mundo que, com meias palavras e com barganhas, a gente não encontraria uma solução nesta Conferência de Copenhague. (…) Todos nós sabemos que é preciso. Para manter o compromisso das metas e para manter o compromisso do financiamento, em qualquer documento que for aprovado aqui, a gente tem que manter os princípios adotados no Protocolo de Quioto e os princípios adotados na Convenção – Quadro. Porque é verdade que nós temos responsabilidades comuns, mas é verdade que elas são diferenciadas. (…) Agora, o que nós não estamos de acordo é que as figuras mais importantes do planeta Terra assinem qualquer documento, para dizer que nós assinamos documento. Eu adoraria sair daqui com o documento mais perfeito do mundo assinado. Mas se não tivemos condições de fazer até agora — eu não sei, meu querido companheiro Rasmussen, meu companheiro Ban Ki-moon —, se a gente não conseguiu fazer até agora esse documento, não sei se algum anjo ou algum sábio descerá neste plenário e irá colocar na nossa cabeça a inteligência que nos faltou até a hora de agora. Não sei.”

Na visão estratégica de Ivo de Bouer, Secretário-Executivo da Convenção do Clima, para que as negociações em Copenhague fossem consideradas bem sucedidas, quatro pontos essenciais deveriam ser destacados e estabelecidos: a) estabelecimentos de metas de redução claras e ambiciosas por parte dos países desenvolvidos; b) clareza a respeito do que os países em desenvolvimento emergentes irão fazer para limitar o crescimento de suas emissões; c) financiamento adequado dos países desenvolvidos para ajudar as nações em desenvolvimento a se adaptarem aos impactos das mudanças climáticas; d) e o estabelecimento de um mecanismo institucional para gerir os financiamentos.
Na avaliação conclusiva do Ministro do Meio Ambiente do Brasil, Carlos Minc, o Acordo de Copenhague mostrou-se insuficiente para que os países, principalmente os mais pobres, tenham condições de agir de forma efetiva. Contudo, reconhece que o Brasil está se convertendo na vanguarda ambiental, pois qualquer estratégia de contenção dos danos causados pelo aquecimento global passa obrigatoriamente pela adesão do Brasil, dono do maior tesouro verde do mundo.
O Brasil sem dúvida, sob a liderança do maior estadista global, Luiz Inácio Lula da Silva, exerceu papel de destaque na Conferência de Copenhague, revelando a todos os países envolvidos no combate ao aquecimento planetário que as nossas metas de redução das emissões de gases de efeito estufa estão vinculadas àquelas determinantes do artigo 2º do Protocolo de Quioto, que teve por base a Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, na Eco/92. Nesse propósito, editou-se, aqui no Brasil a Lei nº 12.187, de 29.12.2009, instituindo a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC.
A busca de um autêntico desenvolvimento sustentável marcou o discurso do Presidente Lula, em Copenhague, no alerta de que:

“A questão não é apenas dinheiro. Algumas pessoas pensam que apenas o dinheiro resolve o problema. Não resolveu no passado, não resolverá no presente e, muito menos, vai resolver no futuro. O dinheiro é importante e os países pobres precisam de dinheiro para manter o seu desenvolvimento, para preservar o meio ambiente, para cuidar das suas florestas. É verdade. Mas é importante que nós, os países em desenvolvimento e os países ricos, quando pensarmos em dinheiro, não pensemos que estamos dando uma esmola, porque o dinheiro que vai ser colocado na mesa é o pagamento pela emissão de gases de efeito estufa feita durante dois séculos por quem teve o privilégio de se industrializar primeiro.
Não é uma barganha de quem tem dinheiro ou quem não tem dinheiro. É um compromisso mais sério, é um compromisso para saber se é verdade ou não o que os cientistas estão dizendo, que o aquecimento global é irreversível. E, portanto, quem tem mais recursos e mais possibilidades precisa garantir a contribuição para proteger os mais necessitados.
(…) No Brasil têm muitos pobres, na África têm muitos pobres, na Índia e na China têm muitos pobres. E nós também compreendemos o papel dos países mais ricos. Eles também não podem ser aqueles que vão nos salvar. O que nós queremos é apenas, conjuntamente, ricos e pobres, estabelecer um ponto comum que nos permita sair daqui, orgulhosamente, dizendo aos quatro cantos do mundo que nós estamos preocupados em preservar o futuro do planeta Terra sem o sacrifício da sua principal espécie, que são homens, mulheres e crianças que vivem neste mundo.”

Nesse contexto, convém relembrar a oportuna advertência de Leonardo Boff: “Quando a última árvore for abatida, quando o último rio for envenenado, quando o último peixe for capturado, somente então nos daremos conta de que não se pode comer dinheiro”.
Esse discurso presidencial e de notável liderança global encontra respaldo na forma preambular Carta da Terra, aprovada pela UNESCO, em Paris, no dia 14.3.2000, em que se destacam os tópicos seguintes:

“Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações.
(…)
A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais, não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano.
Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções includentes.
Para realizar essas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre como com nossa comunidade local. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as dimensões local e global estão ligadas. Cada um compartilha da responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida e com humildade, considerando em relação ao lugar que ocupa o ser humano na natureza”.

III
Neste visor, podemos afirmar, com segurança, que a Conferência de Copenhague não foi um fracasso, mas, sim, um grande acontecimento histórico, numa notável tentativa de alcançarmos um modo de vida sustentável para todos os povos da Terra. Se o Acordo final, ali firmado, não atingiu os objetivos almejados pelos participantes do evento, certamente ensaiamos alguns passos importantes em direção ao progresso ecológico, com a consciência global de que necessitamos, com urgência, construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, solidárias e sustentáveis, assegurando, assim, que as comunidades em todos os níveis garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e proporcionem a cada um e a todos a oportunidade de realizar seu pleno potencial, aqui, na Terra, com a permanente celebração da vida.
Brasília (DF), em 26 de fevereiro de 2010