Constituição de 1988 – Um sonho democrático realizado

13 de outubro de 2008

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(Editorial originalmente publicado na edição 99, 10/2008)

Tinha razão o presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, quando, em 27 de julho de 1988, proferiu em seu discurso, as seguintes palavras: “Esta Constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo”.

Dentre todas as constituições, promulgadas democra­ticamente ou  impostas pelo poder ditatorial, nenhuma foi tão verdadeiramente republicana como a atual.

Para quem, como este editor, vivenciou as várias cartas constitucionais desde a de 1934 até a derradeira de 1988, vale reconhecer e dar louvores aos constituintes de 1988, destacando-se indubitavelmente os grandes embates e confabulações parlamentares, assim como as grandiosas figuras do feito histórico: o timoneiro, Ulysses Guimarães, e o condutor principal, Bernardo Cabral.

A Constituição brasileira encontra-se entre os melhores textos do mundo, apesar da teimosia em desrespeitá-la, quando o interesse governamental está em jogo.

O mérito destes 20 anos é que, apesar de ter permitido um excessivo custo político e burocrático sobre o povo – com as estruturas públicas constantemente alargadas em função dos humores dos detentores do poder para acomodar aliados e amigos –, tem resistido.

Norberto Bobbio no “A Era dos Direitos”afirmava que o século XX permitiu a descoberta para toda a humanidade de uma grande gama de direitos. Afirmava, todavia, que o grande desafio para o século XXI consistia em ofertar a garantia necessária para que estes direitos pudessem ser exercidos pela sociedade.

A luta pelo exercício da cidadania é fazer com que tais direitos sejam  efetivamente garantidos neste século.

Decorridos os 20 anos da sua promulgação, podemos com certeza afirmar que politicamente ela fez bem à Nação. Completou a transição, já que profundamente democrática, e assegurou o Estado de Direito. Tem muitas virtudes; a mais abrangente de todas, é ter trazido avanços notáveis em campos como os dos direitos e das garantias individuais, liberdades públicas, meio ambiente, fortalecimento do Ministério Público, regras de administração pública, planejamento e orçamento, dentre as cláusulas pétreas.

No cerne de sua feitura, constituído de democracia, de cidadania e de esperança, manteve os princípios que foram impostos e deixados pelos congressistas.

Essa Carta Magna que nos foi legada pelos constituintes não apenas declarou direitos, ela os assegurou ao criar novos instrumentos de proteção contra o arbítrio, tanto do Estado, como de cada um de seus agentes políticos e administrativos.

Acresce-se que na sua formação houve intensa participação popular, com 4 milhões de cidadãos apresentando emendas populares. Isto foi algo inusitado; nunca houve nada igual no Parlamento brasileiro. O número de propostas apresentadas foi maior do que em qualquer outra Constituinte da história; mais de 66 mil proposições foram apresentadas e discutidas. Foi um momento histórico nunca antes havido no Brasil, e que, indiscutivelmente, marcou o encontro entre o Estado e a  sociedade, no qual todos os segmentos foram contemplados com alguma referência muito importante para o seu interesse ou valores pessoais.

O comportamento dos congressistas durante a Constituinte, refletiu um momento especial da história brasileira: a redemocratização. Os diversos setores da sociedade acompanharam de perto os debates e pressionaram para incluir suas teses no texto constitucional. Na época, Ulysses Guimarães não fazia restrições à presença da sociedade nos corredores da Câmara, que tinha as galerias tomadas em dias de votações importantes.

A laboriosa, acurada e excepcional percepção dedicada ao exame do conteúdo das propostas apresentadas pelos atentos e combativos constituintes, além da responsabilidade inerente às complicadas e complexas emendas populares – produzidas pelo incansável Relator na formatação da Carta Magna – fizeram de Bernardo Cabral o credor inconteste da admiração e respeito da sociedade brasileira.

As palavras candentes do exuberante discurso, pronunciadas por Ulysses Guimarães no dia 05 de outubro de 1988, na promulgação da Constituição Federal, perante a Assembléia Nacional Constituinte, soam ainda e por todo o sempre, como se tivessem sido forjadas no bronze, e são reproduzidas nesta edição, como homenagem comemorativa aos 20 anos, para que os pósteros daquela data memorável possam conhecer e usufruir da magniloqüência do inexcedível tribuno e honrado patriota.

Em tempo:
Compareci, na qualidade de jornalista, à festividade programada pela Presidência da República, no Palácio do Planalto, em louvor aos 20 anos da promulgação da Carta Magna e em homenagem aos constituintes de 1988, tendo comparecido cerca de 250 homenageados. Falaram na solenidade, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, o presidente do Congresso Nacional, Garibaldi Alves, o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, o deputado federal Mauro Benevides, o chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, o presidente da União Planetária, Ulisses Riedel, e, finalmente, o presidente Lula.

A grandiosidade da cerimônia teve destaque com o pronunciamento cáustico, mas oportuno, do senador Garibaldi Alves, que aproveitou a ocasião para, perante o Presidente da República, desancar contra o abuso das medidas provisórias, comparando-as aos decretos-leis que eram usados pelos governos militares no período da ditadura.

Além desse fato que, apesar de causar estupefação, mereceu aplausos, outra imperdoável e incompreensível atitude ocorreu na citada comemoração: a principal personalidade dentre os constituintes presentes, quem, durante os trabalhos da Constituinte, aglutinou e formatou, sob a batuta de Ulisses Guimarães, a magnitude da Constituição Federal, o ex-senador Bernardo Cabral, apesar de participante da mesa, sequer foi chamado a se pronunciar, causando efetiva estranheza e decepção entre os presentes.