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Contextos jurídicos ambientais

27 de abril de 2015

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O homem conscientizou-se de que só poderia atingir seus anseios mais profundos ao conciliar sua vida em sociedade com aquela de respeito ao ambiente em que pratica suas ações e vivências. A Natureza deixa de estar fora do ser humano para abrangê-lo na totalidade.j_b_franco_godoi

 Sua arrogância fê-lo agir como ser dominante, na certeza de que a Natureza estaria subordinada às suas vontades e necessidades, e não ao contrário.

A Natureza oferece-lhe ambiente saudável e adequado para que possa usufruir de seus elementos em prol de sua sobrevivência e evolução física, mental e espiritual.

As catástrofes naturais, por mais rotineiras que sejam, não esmorecem o ânimo da reconstrução e do recomeço que caracterizam os animais e em especial o ser humano. A Natureza é imponente mas não é má! Suas reações demoram séculos para ocorrer!

O repúdio aos elementos básicos da Natureza faz o homem perder sua sociabilidade bem como a essência de sua existência. Preocupado com a fragilidade da vida em todas as partes do globo terrestre, ele apreendeu os sinais de que a Natureza atingiu seu ponto de saturação e reage, agora, à desordenada empreitada suicida, objetivando modificá-la sem considerar os limites que lhe são próprios.

Separar o ser naturalmente social do ambiente que o cerca traz como corolário a negação de sua humanidade. O ser humano é social e natural!

Sociedade, Meio Ambiente e Natureza não mais se excluem em face dos interesses humanos. Conjugam-se todos os âmbitos de atuação em prol do desenvolvimento global.

Não se trata de adotar posturas naturalistas ou de puro naturismo, mas o homem se deu conta de que estava construindo seu futuro em bases arenosas, sujeitas ao esboroamento por simples ação de malfazejos ventos. O “em nome do progresso” deixa de imperar sobre os demais interesses existentes ou alardeados. O social e o natural se compõem para propiciar a viabilidade racional da vida humana.

A antropologia vincula a racionalidade à vida em sociedade e não mais a elemento inato. Ninguém nasce racional! A racionalidade é adquirida na interação com os semelhantes!

Supiot bem esclarece que: “O homem não nasce racional, ele se torna racional ao ter acesso a um sentido partilhado com os outros homens. Cada sociedade humana é assim, à sua maneira, o professor primário da razão.”1

Os desafios morais enfrentados pela humanidade nas últimas décadas abalaram convicções sedimentadas há séculos, questionando o natural e o construído. A tolerância traz a permissividade de pensamento e interfere nos relacionamentos sociais.

Tudo é normal! O conservador torna-se sinônimo do atrasado, do ultrapassado, daquilo que “já era” ou que “deixou de ser”.

O Direito, tendo seu habitat natural na sociedade, recebeu e sentiu todas essas vicissitudes, absorveu-as, após processá-las em seu âmago, construindo, extirpando ou modificando suas estruturas básicas.

Os conhecimentos relativos ao início da vida, à fecundação in vitro, à clonagem, à família não mais fundada no casamento, à união homoafetiva, ao aborto, ao transplante de órgão e muitos outros temas de formidável atualidade metamorfosearam as estruturas do Direito. Nenhum abalo sísmico! Apenas a constatação de urgentes e necessárias adaptações.

A transição da atitude natural para a atitude científica não é facilmente perceptível! Constatação feita por Ladrière.2

A ação do ser humano (conduta obviamente realizada em sociedade), ao modificar a Natureza com ou sem método, com ou sem finalidade, interfere mediata ou imediatamente em sua vida.

 O homem, depois de assaltar as riquezas aparentemente infindáveis da Natureza e ao perceber os profundos males produzidos pela degradação do meio ambiente, recorre ao Direito como tábua salvadora, busca a normatização para coibir condutas deletérias e dá ênfase a princípios até então esquecidos pela sociedade.

Deixa de ser o homem a única preocupação do desenvolvimento para integrar a Natureza na sustentabilidade exigida ante outros elementos naturais.

Os diplomas legais que elegeram o “direito à vida” como o bem maior a ser protegido alargaram seu espectro para “direito à qualidade de vida”. E o conceito desse “direito” é subordinado às condições da água, do solo, do ar, da flora, da fauna, do saneamento básico etc., que compõem o chamado “ambiente sadio”.

O Direito atende aos reclamos da sociedade e traça normas coercitivas e de regulamentação para que a Humanidade e a Natureza possam conviver em um ecossistema que propicie o progresso harmônico, mudando o caminho da destruição para uma evolução permanente que preserve as formas de vida que povoam a biosfera terrestre.

A discussão enfática iniciada no século passado sobre os efeitos dos poluentes na qualidade de vida dos seres vivos, não só humanos, não demonstra objetivos vagos ou pouco realistas, como afirmam alguns (George Kennan). A importância do tema ultrapassa o interesse humano, atingindo em cheio a perpetuação natural das espécies.

A biosfera saturada, formada no decorrer de dezenas de milhões de anos, fraqueja principalmente na manutenção de condições para permitir a existência da espécie humana, por força de sua atuação irracional.3

A racionalidade adquire outro enfoque, suscitando discussões acaloradas, impregnadas de emoção e de sensibilidade na defesa do “direito dos animais” e recusa com denodo e virulência ao tratamento violento infligido a seres que, desprovidos de capacidade racional similar a dos humanos, experimentam afetos, prazeres e sofrimentos, providos da faculdade da “senciência”.

Singer afirma que o especismo, por analogia com o racismo, deve ser igualmente condenado. Os escravos, as mulheres, durante milhares de anos, foram seres sofredores, sem voz nem visibilidade, até conquistarem o reconhecimento de seus direitos e a inserção na esfera da cidadania. Assim, por aproximação analógica, os animais (ou pelo menos parte deles, consoante os critérios considerados válidos pelas diversas correntes) vislumbram chegar a sua hora do reconhecimento e do respeito.4

Diversos tribunais têm enfrentado o tema dos “direitos de não humanos”, especialmente de chimpanzés (Tribunal de Recurso de Nova Iorque e Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro). Habeas corpus são impetrados tendo-os como pacientes!

Entretanto, o atributo básico da personalidade (possibilidade jurídica de adquirir direitos e contrair obrigações) é unicamente apanágio do ser humano.

Na feliz expressão de Luiz Otávio de Oliveira Amaral, os animais são objeto de direito sendo titular a própria humanidade, a sociedade, o que não significa desproteção e desrespeito. Quaisquer maus-tratos ofendem o sentimento de piedade do homem, pois somos todos animais, partes de uma unidade universal, a vida sensível.5

Ser racional e ser ético são traços únicos que distinguem os humanos como uma entre outras espécies animais – posição aristotélica.

Simone Goyard-Fabre afirma que o corpo do ser humano é seu primeiro bem: Assim o direito de habeas corpus constitui a superioridade do homem sobre o animal como instrumento de defesa da vida, que se vincula à existência da liberdade e para opor-se a toda violência existente.6

Movidas por piedade, por intenso amor às criaturas e seguindo princípios cristãos, pessoas abnegadas dedicam-se à nobre causa da defesa dos animais e recebem cada vez mais o apoio do meio social onde vivem e da sociedade como um todo.

Lembra-nos G. Lumia que os ordenamentos jurídicos antigos negavam aos escravos e às vezes aos estrangeiros a subjetividade jurídica. Em contrapartida, essa subjetividade era reconhecida também a seres sub-humanos e supra-humanos, haja vista os numerosos processos ajuizados contra os animais e até objetos inanimados e os vários “pactos” estipulados com a Divindade.7

Entretanto, enfaticamente argumenta a jusfilósofa de Caën: “Se, por todo o sempre, o animal ignora o direito, é porque ele é totalmente governado pelo instinto natural; no homem, o direito é um procedimento ‘in-finito’ da razão e, nessa busca infinda, evidentemente nenhum sistema jurídico tem um perfil definitivo (ob. cit., p. 369).

Discussão que estremece as bases antropocêntricas do Direito!

Podemos dizer, sob o ponto de vista da fenomenologia de Scheler e até mesmo, do existencialismo de Heidegger, que o animal só tem meio, entorno, mas o homem como espírito tem mundo.

E, para complicar ainda mais o panorama que a polêmica evidencia, surge em 1977, nos Estados Unidos da América, o movimento do Critical Legal Studies – Movimento dos Estudos Jurídicos Críticos (CLS) que, por seus corifeus norte-americanos e pelo brasileiro Mangabeira Unger, trazem desconfiança a todas as teorias e ideias que fazem o mundo social parecer natural e inevitável.

“Devolva-se a humanidade à razão!”, eis o grito de guerra dos CLS.

Hobbes, no “Leviatã”, afirma que o homem se distingue dos outros animais não só pela razão, mas também pela Curiosidade, denominando-a de “singular paixão”.8

“O desejo de saber o porquê e o como chama-se Curiosidade e não existe em nenhuma criatura viva a não ser no homem” – enfatiza o jusfilósofo.

Direito Ambiental, Direito do Meio Ambiente, Direito Ecológico, Direitos da Natureza ou outra qualquer denominação que se queira outorgar ao conjunto de normas que cuidam da proteção e restauração de ecossistema condizente com a esperada “qualidade de vida”, demonstram verdadeira preocupação com o futuro da humanidade e, como consequência, com as espécies ditas naturais.

O Brasil segue na vanguarda das legislações ambientais em todo o mundo! Cânones constitucionais, leis complementares e ordinárias povoam o universo jurídico pátrio!

 Leis, temos às mãos cheias, precisamos aplicá-las! Diversos Tribunais de Justiça Estaduais criaram Varas e Câmaras Especiais para a apreciação de tais questões.

Alguns julgados têm demonstrado que conscientes da importância da preservação de ecossistemas, os julgadores olvidam que devem ser guardiões do Direito e passam a ser guardiões de uma Moral Ambiental ainda não absorvida pela normatividade jurídica.

Entre os ramos do Direito, o Ambiental, segundo a doutrina de Garcia Maynes, a mais aceita – a da natureza da relação estabelecida entre os sujeitos – insere-se no Público, pois intervém o Estado com seu caráter de entidade soberana, subordinando o particular.9

Sem dúvida, nesse contexto surge o Direito com proeminência sobre outros ramos da Ética como instrumento para a manutenção da espécie humana e resguardando como consequência todas as espécies vivas existentes no planeta Terra.