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Contratos agrários

8 de julho de 2019

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Novos paradigmas do arrendamento e da parceria rural

Os contratos agrários de arrendamento e parceria rural foram implementados pela Lei n° 4.504/1964, denominada Estatuto da Terra, sancionada pelo então Presidente Castelo Branco, com o objetivo de responder aos anseios sociais do campo. Posteriormente, sobreveio o Decreto n° 59.566/1966 para regulamentar algumas disposições do Estatuto. Com intenso dirigismo estatal na relação entre as partes, somado a um olhar social-protecionista, foram instituídas cláusulas a respeito do objeto, prazo, preço e algumas limitações, objetivando a proteção das partes vulneráveis, quais sejam, o arrendatário e o parceiro-outorgado, de modo que as partes fragilizadas do negócio jurídico (vulnus), ficam protegidas pelas amarras deste microssistema. As principais benesses do Estatuto da Terra e do Decreto regulamentador são: a obrigatoriedade de fixação do preço em pecúnia, a necessidade de observância dos prazos mínimos e o direito de preferência.

Após mais de meio século da promulgação do Estatuto da Terra, em pleno Século XXI, com toda a evolução social, econômica, comercial, jurídica e tecnológica, o mundo e as relações evoluíram. Atualmente o arrendatário e o parceiro-outorgado não representam necessariamente a parte vulnerável do contrato, por vezes são as partes que mais detêm condições socioeconômicas na relação, vide os grandes players do setor, tais como as grandes empresas rurais, poderosos frigoríficos de bovinos e usinas de açúcar e álcool, que operam no setor e comumente figuram nestas modalidades contratuais.

Bassanelli já verificou, em 1948, em La crisi del contrato agrario, a necessidade de melhor regulamentação em razão da restrição da autonomia privada no âmbito do contrato agrário. Bem vistas as coisas, quando não há atualização da legislação, havendo descompasso entre os fatos atuais e as normas, as respostas ficam a cargo do Poder Judiciário, através da interpretação da legislação, neste caso, a infraconstitucional, cuja incumbência é do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio – segundo Larenz – dos precedentes judiciais como desenvolvimento do Direito. Cumpre informar que houve uma reforma da legislação em 2007, porém, não refletiu os anseios esperados.

A crise dos contratos agrários ocorre quando as próprias partes querem fixar o preço em produto, de acordo com os costumes locais, afastar os prazos mínimos e/ou o direito de preferência conforme o modelo de negócio, evitando a subutilização da terra em detrimento do princípio da função social da propriedade, pactuando conforme a sua autonomia privada, porém, a legislação não permite.

Desse modo, a partir da constitucionalização do Código Civil, no qual este está colocado como eixo central do sistema jurídico, e os microssistemas em seu entorno, verificamos o dirigismo estatal e contratual, o princípio da autonomia privada, da função social do contrato e da boa-fé objetiva em harmonia. Contudo, nenhum dos princípios é absoluto, devendo verificar-se o caso concreto para que se tenha sobrelevo de um deles, como ocorreu nas decisões proferidas pela 3ª Turma do STJ, no REsp n. 1.447.082/TO, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que afastou o direito de preferência à grande empresa rural, e no RESp n. 1.692.763/MT, de relatoria para acórdão da Ministra Nancy Andrighi, que validou a cláusula que fixava o arrendamento em produto para fins de liquidação, em razão da boa-fé objetiva e da proteção da confiança. São decisões que merecem efusivos aplausos, pois estão de pleno acordo com a realidade atual do campo.

Em síntese, espera-se que o Congresso Nacional crie uma comissão de alto nível para elaboração de novo diploma legal que substitua o Estatuto da Terra, trazendo-o para a realidade da atividade agrícola do nosso País, uma vez que, mantido o direito aos contratantes vulneráveis, deve ser dado aos empresários rurais a condição de estipularem cláusulas que permitam a realização plena do princípio da função social da propriedade em toda a sua extensão, com respeito às normas ambientais, prazos que atendam às especificidades da atividade a ser desenvolvida, preços estabelecidos conforme os costumes de cada região, a observância do exercício do direito de preferência e a livre pactuação dos percentuais entre parceiros, conforme a autonomia privada e de acordo com a função social da propriedade, ambos princípios elencados no Código Civil e na Constituição Federal. Essas medidas são compatíveis com o interesse útil do contrato, e objetivam maior equilíbrio e segurança jurídica aos contratantes, com reflexo direto no desenvolvimento econômico-social da atividade agropecuária, que é fundamental em um País continental como o Brasil.