Cooperação judiciária na Justiça do Trabalho: eficiência e acesso à justiça

8 de novembro de 2024

Guilherme Guimarães Ludwig Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região /Diretor de Comunicação Social da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

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Na atualidade, a cooperação judiciária corresponde a uma ferramenta fundamental para o Poder Judiciário como um todo promover a otimização dos recursos disponíveis para sua atuação e, por consequência, entregar de forma mais eficiente uma prestação jurisdicional de qualidade. De início, mostra-se como um de seus principais objetivos alcançar celeridade e efetividade na tramitação de processos,  especialmente em um contexto em que a demanda pela resposta do Poder Judiciário é crescentemente necessária.

Na medida em que o princípio da eficiência administrativa é de aplicação necessária no âmbito do Poder Judiciário, há o dever de potencializar os meios adequados para alcançar a melhor solução em prol do interesse público e da concretização de direitos fundamentais, o que se traduz inclusive no imperativo de cooperação. Parte-se do argumento essencial de que a repartição do exercício da jurisdição entre distintas competências judiciais – que se fundamenta justamente em razões de ordem prática de sistematização de atribuições e especialização de conhecimento – não pode se tornar, por si, paradoxalmente, um embaraço à concretização do acesso à justiça.

Neste movimento, a partir da Recomendação 78/2011 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), posteriormente incorporada, em boa medida, no Código de Processo Civil (CPC) de 2015; e por fim, chegando-se à Resolução 350/2020 do CNJ, observa-se que a cooperação judiciária passou a não se restringir apenas ao cumprimento propriamente dito de determinados atos judiciais, mas estendeu-se para além, na promoção da harmonização e da agilidade nas rotinas e procedimentos forenses, tendo em mira a efetividade processual.

No entanto, é necessário fixar primeiramente a distinção quanto ao princípio da cooperação (CPC, art. 6o), que é de natureza preponderantemente endoprocessual. Ou seja, diz respeito à interação entre os sujeitos de determinado processo, no qual todos os envolvidos colaboram entre si para a construção dialogada da decisão jurisdicional. A cooperação judiciária, por outro lado, e embora possa ser vista como uma extensão desse princípio, possui natureza exógena, envolvendo distintos órgãos do Poder Judiciário ou a interação entre este e entidades extrajudiciais. Certo é que, ao se permitir que diferentes órgãos trabalhem conjuntamente, é possível evitar o desperdício de recursos e tempo do aparato judicial.

O CPC de 1973 já contemplava a cooperação judiciária, porém de forma mais restrita e fragmentada, focando principalmente em atos de comunicação, instrução e execução. Nesse contexto, existiam a carta precatória, que representava uma cooperação por solicitação, e a carta de ordem, que se caracterizava como uma cooperação por delegação, pela qual o tribunal delegava a realização de atos aos juízes de sua jurisdição. Com o CPC de 2015, no entanto, há robusta mudança de perspectiva na normatização.

O art. 67 do diploma processual de 2015 passa a estabelecer o dever de cooperação recíproca entre todos os órgãos do Poder Judiciário. Essa obrigação abrange todas as instâncias e graus de jurisdição, incluindo os tribunais superiores, e este compromisso expresso com a reciprocidade é fundamental para garantir um ambiente verdadeiramente colaborativo. Por outro lado, na medida em que se trata de um dever, qualquer recusa pelo órgão julgador de cooperar em uma situação específica há de ser devidamente fundamentada.

No art. 68, por seu turno, a nova regra passa a permitir que juízes formulem pedidos de cooperação para a prática de qualquer ato processual, representando flexibilidade fundamental para se alcançar a forma mais idônea de atender às demandas específicas de cada caso. Atendendo a um imperativo de instrumentalidade dos meios processuais, as formas se desenvolvem e se justificam aqui a partir da prática e das demandas concretas, visando sempre ao melhor resultado útil.

Por fim, o art. 69 prescreve que os pleitos de cooperação judiciária devam ser prontamente atendidos, sem a necessidade de formalidades excessivas. Essa agilidade é vital para um sistema habitualmente burocratizado, que com frequência enfrenta entraves relacionados à morosidade. Também são indicadas as formas mais amplas como a cooperação pode ser executada, incluindo o auxílio direto, o apensamento de processos, a prestação de informações e os atos concertados entre juízes – que não deixam de se configurar como espécie de negócio processual.

Houve ainda mudança quanto ao objeto da cooperação. Ou seja, o que pode ser cooperado. Anteriormente, a cooperação se restringia a atos de instrução, comunicação e execução, enquanto no novo formato qualquer ato processual pode ser objeto de cooperação, incluindo atos decisórios. Assim, um juiz pode cooperar com outro em diversas situações, como, por exemplo, na prática de citação, intimação ou notificação; na definição do juízo competente para questões comuns; na obtenção e apresentação de provas; na coleta de depoimentos; na facilitação da habilitação de créditos em falências e recuperações judiciais; na gestão de processos repetitivos; e na efetivação de tutela provisória; entre outros.

A já referida Resolução 350 do CNJ, de outra mão, é marco igualmente importante nesse cenário, estabelecendo diretrizes para a cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário e outras instituições. A cooperação ativa, passiva e simultânea entre juízos e tribunais é um dos destaques da norma administrativa. Além da cooperação entre tais órgãos, todavia é igualmente possível a interinstitucional, que se estende a outras entidades que possam contribuir para a administração da justiça, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil, as procuradorias públicas e a administração pública.

No âmbito da Justiça do Trabalho, um exemplo prático possível da cooperação judiciária é o acordo firmado entre órgãos julgadores para agrupar ações civis públicas que envolvem a mesma empresa. A um só tempo, é promovida celeridade no julgamento, ao passo que se garante maior segurança jurídica, evitando decisões conflitantes que possam surgir em ações paralelas. Por outro lado, a realização de atos concertados, como a coleta de provas comuns em reclamações trabalhistas, é outra aplicação prática da cooperação judiciária. Essa estratégia permite que os juízes colham testemunhos ou realizem perícias de forma conjunta, otimizando o tempo e os recursos envolvidos, além de garantir maior eficiência na produção de provas.

Também é possível a modificação da competência territorial em casos de conexão e continência. Ao se deparar com situações em que múltiplos processos estão interligados por uma causa comum relacionada à atividade de determinado empregador, os juízes podem decidir concentrar a análise em um único juízo, facilitando a tramitação do feito, a instrução e a prolação das decisões. Por outro lado, a reunião de execuções relacionada a um mesmo empregador é também mais um exemplo de como a cooperação judiciária pode ser aplicada na prática. Essa iniciativa visa a imprimir maior efetividade na execução de dívidas trabalhistas quanto ao alcance do patrimônio necessário à quitação dos créditos trabalhistas, mas também permitindo que os credores tenham tratamento mais isonômico no que tange à satisfação da pretensão.

Ressalte-se, por derradeiro, que a designação de magistrados de cooperação, que atuam como pontos de contato entre os tribunais da Justiça do Trabalho, pode ser reconhecida igualmente como medida que facilita a coordenação dos pedidos de cooperação. Esses magistrados têm a responsabilidade de identificar soluções para problemas que possam surgir, além de intermediar a comunicação entre diferentes juízes. A construção de sistema mais integrado é essencial para o enfrentamento das demandas contemporâneas e a garantia de uma justiça efetivamente acessível a todos.

Em conclusão, é possível entender que a cooperação judiciária não se afigura somente como estratégia de incremento da eficiência, pois a otimização do meio não se esgota em si mesma. Pelo contrário, ao se promover a efetiva cooperação entre os diferentes órgãos e instituições, a Justiça do Trabalho busca, ao final, concretizar o direito fundamental de acesso efetivo à justiça para todos os cidadãos, como garantia necessária do direito ao trabalho decente, em prol de toda sociedade.

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