Edição

Criptoativos e a sua regulamentação

1 de julho de 2022

Compartilhe:

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça

Em novembro de 2021, logo após as moedas digitais alcançaram o pico de seu valor de mercado, houve a primeira explosão da chamada bolha especulativa dos criptoativos. Em maio passado, quando estourou a segunda bolha, esses ativos perderam dois terços do seu valor. Cada bitcoin – que é a principal das criptomoedas – valia US$ 64 mil em novembro, hoje vale US$ 19 mil, e o mercado total de criptoativos, antes estimado em US$ 3 trilhões, hoje vale US$ 1 trilhão 

“É um momento de crise profunda do mercado de criptoativos, em que a maré alta está baixando e os banhistas nus estão visíveis. Hoje você sabe quem é quem e começam a aparecer as fraudes e os esquemas de manipulação de mercado com mais clareza”, comentou o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), durante didática palestra no seminário “Criptoativos e sua regulamentação”, realizado em São Paulo (SP), em 21 de junho, pela Revista Justiça & Cidadania.

Ao apresentar uma visão da magistratura sobre o assunto, o Ministro Cueva disse considerar a regulamentação urgente, tanto para reduzir os riscos que as moedas e títulos virtuais podem representar contra a estabilidade da economia, quanto para diminuir a possibilidade de seu uso por atividades ilegais e para proteger o consumidor de eventuais abusos. Segundo ele, apesar dos benefícios da adoção dessa tecnologia –  simplicidade, redução dos custos de transação e a segurança jurídica proporcionada por registros “não falsificáveis” – há questionamentos quanto a natureza jurídica dos criptoativos que “clamam por uma regulação”. 

Nesse sentido, a principal referência apontada pelo Ministro – que integra o Conselho Editorial da Revista JC – é o chamado Markets in Crypto-Assets Regulation Act (MiCA), em discussão no âmbito da União Europeia, que reconhece os riscos à estabilidade dos mercados e a possibilidade de uso da criptomoedas em crimes financeiros, e propõe como ferramentas básicas de regulação, transparência, sistemas de autorização e supervisão.

Em tramitação – No Brasil, conforme informou o Ministro Cueva, o primeiro projeto de lei voltado à matéria surgiu em 2015, de autoria do Deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), “que equiparava criptomoedas e milhas de companhias aéreas, não sei porque, e aplicava indistintamente o Código de Defesa do Consumidor a elas”. Na sequência, foi apresentado substitutivo do Deputado Expedito Netto (PSD-RO), que simplesmente proibia as criptomoedas. Em 2019, Aureo Ribeiro apresentou novo projeto, com avanços na conceituação dos tipos de criptoativos, na disciplina de seus intermediadores e na classificação de alguns crimes, como pirâmides financeiras, evasão de divisas e sonegação fiscal. No Senado, também 2019, surgiram outros projetos para criar requisitos mínimos para as corretoras e medidas rigorosas para evitar a lavagem de dinheiro. Finalmente, em abril passado, o Senado aprovou o PL no 4.401, inspirado no segundo texto de Aureo Ribeiro, com o substitutivo do Senador Irajá (PSD-TO).

“É possível, com o ritmo acelerado que tem sido adotado pela Câmara, que tenhamos um projeto aprovado mais rápido do que se poderia esperar. É imprevisível, mas diante da crise e da explosão dessa bolha especulativa, é possível que tenha um andamento mais rápido“, comentou o Ministro Ricardo Cueva, que antes de integrar o STJ foi procurador da Fazenda Nacional e membro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Visão dos bancos – O seminário, que faz parte do programa Conversa com o Judiciário, da Revista JC, foi prestigiado pelo Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Desembargador Ricardo Anafe, pelo Vice-Presidente, Desembargador Guilherme Strenger, e pelos desembargadores do TJSP Jacob Valente, Edison Brandão, Marcelo Fortes, Heraldo de Oliveira e Alexandre Lazzarini. Compareceram ainda, dentre outras autoridades da magistratura, a Presidente da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis), Vanessa Mateus, e a Presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp), Marcelle Ragazoni.

Em sua participação, o Presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney, apresentou uma visão sob a perspectiva do mercado. Trouxe dados de pesquisa realizada entre investidores pela Fundação Getúlio Vargas, que mostrou que de setembro de 2020 aos dias atuais, os números de fundos de criptoativos, cotistas e patrimônio saltaram, respectivamente, de nove para 19, de 14 mil para 200 mil e de R$ 230 milhões para R$ 3 bilhões. No mesmo período, o volume investido por brasileiros em criptoativos no exterior alcançou US$ 4,3 bilhões.

“Há muito interesse por parte do setor bancário, que integra a indústria financeira, que o Estado possa se apressar e ter de fato uma regulação com princípios mínimos”, comentou o dirigente, que acrescentou: “Estamos convencidos de que o projeto aprovado pelo Senado, que retornou à Câmara, traz avanços significativos. O pior dos mundos é o País ficar com esse assunto à margem de um marco legal, o que só contribui para a insegurança jurídica e para os ataques especulativos”.

Regulação das corretoras – Especializado em criptoativos, o advogado Pablo Cerdeira – sócio do escritório Galdino e Coelho Advogados – trouxe ao debate uma visão sobre aspectos tecnológicos e jurídicos envolvidos na regulação. Ele apontou como a medida mais importante a regulamentação das corretoras de moedas virtuais, conhecidas como exchanges, o que segundo ele foi contemplado no projeto de lei aprovado no Senado.

“Embora não seja preciso nenhum servidor central para fazer a emissão de criptoativos, precisamos de alguém para fazer a troca de dinheiro real por criptomoedas. Esse é o papel das exchanges. Quando os recursos estão dentro da corretora, ficam sujeitos ao enforcement legal. É fácil que por meio de uma ordem judicial uma corretora seja obrigada a transferir determinada quantidade de criptoativos numa ordem de penhora, por exemplo. Agora, se os criptoativos tiverem sido transferidos para uma carteira particular, não tem como o Judiciário determinar sua apreensão”, explicou Cerdeira.