Edição 53
Crise de democracia: os políticos
5 de dezembro de 2004
Ives Gandra da Silva Martins Membro do Conselho Editorial, Professor emérito das universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e CIEE
Uma das características do estado mastodôntico da atualidade é a sua classe política. Quase todos os políticos têm projetos pessoais e utilizam-se de seus eleitores para realizá-los. A demagogia é a essência da sua pregação. Já não se importam em ser transparentes ou altruístas, mas apenas em impressionar bem. A imagem do político não é construída a partir de sua atuação como homem público, mas aquela que o assessor de imprensa, o homem da publicidade, denominado marqueteiro da mídia, constrói.
Nada é tão distante do político atual quanto a imagem dele que os homens de mídia por ele contratados edificam perante o público e que deve ser seguida à risca para que tenha viabilidade eleitoral.
Em outras palavras, o eleitor vota não no político como ele é, mas na imagem dele produzida por especialistas em ilusões. Criam um herói cinematográfico e vendem esta imagem, como se fosse de um idealista dedicado à pátria e aos interesses da comunidade.
Uma vez eleito, seu compromisso com o eleitorado deixa de existir e só o retomará, novamente, nos últimos meses de seu mandato para, novamente contratando os ‘’especialistas da ilusão’’ – muitas vezes ‘’especialistas da mentira’’-, venderem sua imagem de dedicado cidadão e agente público exemplar.
Em qualquer país do mundo democrático e especialmente no Brasil, os melhores marqueteiros são os que vencem as eleições e são disputados a peso de ouro.
À evidência, o compromisso do marqueteiro é com sua profissão, ‘’vender ilusões’’; não tem nenhuma vinculação com os ideais dos candidatos que ‘’produz’’.
Basta estudar a trajetória, por exemplo, de um dos mais bem sucedidos marqueteiros do país, que elegeu, em um pleito, um típico candidato da direita e, depois, tendo recebido proposta profissional melhor da esquerda, elegeu um típico candidato da esquerda.
Por esta razão, é que a democracia, no mundo, é uma singela democracia de acesso, tanto mais frágil quanto mais o regime vincular-se às soluções presidenciais e não parlamentares.
É que, no sistema parlamentar de governo, a alternância no poder é mais rápida e só nele permanece o político consistente. Margareth Thatcher governou a Inglaterra durante 11 anos e apenas perdeu por ter acreditado que o aumento de tributação seria irrelevante. O povo reagiu e ela foi derrotada.
Na democracia de acesso, todavia, o povo é ilu dido pelo político exclusivamente voltado a projetos pessoais; no exercício de mandato, é apenas o representante de si mesmo.
No Brasil, o estelionato eleitoral representado pela possibilidade de troca de partidos – quase todos os candidatos só foram eleitos pelo acréscimo dos votos de sua legenda – demonstra a absoluta falta de ética do regime e de cada eleito, que, apropriando-se dos votos dos não eleitos do seu partido, leva-os para o outro, apenas em função de seu exclusivo interesse pessoal. A pátria e os eleitores que se danem. A ética que se dane. O que prevalece é exclusivamente sua ambição pessoal de crescer, de ter cargos, de ser alguém e exercer o poder pro domo sua.
Há de se convir que esse é um mal necessário da democracia, pois, de tempos em tempos, deve correr novamente atrás de novos eleitores, mas, para tanto, conta sempre com os marqueteiros de ocasião.
Estou convencido de que a ditadura é forma dramática de se governar, sendo quase sempre os ditadores sanguinários, como Hitler, Stalin, Mussolini, Saddam Hussein, Pinochet ou Fidel Castro. A democracia, entretanto, está longe do retrato que os políticos da atualidade no mundo inteiro apresentam – decididamente um péssimo retrato. Ela é apenas menos ruim que a ditadura.