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Da inclusão do common law no sistema processual brasileiro

27 de novembro de 2015

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Captura de Tela 2015-11-27 às 18.02.30Introdução

Os julgamentos realizados pelo Poder Judiciário brasileiro têm causado bastante polêmica, ao haver diversas interpretações para a mesma lide. Uma mesma causa, dependendo do órgão julgador, da Turma Recursal, Câmara ou juiz, poderá ter diversas interpretações. Assim, não há lógica e racionalidade na prática do direito.

Destarte, tentativa para solucionar tal conflito foi a introdução, no Novo Código de Processo Civil, do julgamento fundamentado por precedentes das Cortes superiores.

Porém, inserir e mesclar este sistema com o praticado tem causado certa perplexidade como as fontes imediatas do direito e o conceito de precedente, bem como a sua aplicabilidade no sistema do civil law.

1. Do julgamento por precedentes e o desmoronamento da codificação

A Lei no 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o novo Código de Processo Civil, trouxe o sistema de julgamento por precedentes, conhecida pelo stare decisis. Esta forma de fundamentar a decisão judicial advém do sistema do common law, no qual a lide é julgada com fundamento em decisões anteriores sobre o mesmo assunto, tendo por obrigatoriedade seguir sua fundamentação. Sua finalidade é dar segurança aos jurisdicionados submetidos ao Poder Judiciário.

É possível analisar que o direito, desde seus primórdios, tem sido estudado a partir de uma lide submetida ao órgão jurisdicional. A codificação só surgiu com o Código de Napoleão de 1804, tendo por fim limitar e submeter o poder do Executivo à vontade do povo, por meio do movimento pandecteísta.[1]

A Revolução Francesa introduziu o princípio da igualdade perante a lei, que veio com o Código Civil de 1804, por meio de uma ordem racional do Direito. Foi elaborado por uma comissão de juristas formada por Napoleão em 1800, encarregada de abrandar os excessos racionalistas e jusnaturalistas da fase revolucionária e de conciliar as proclamações de um direito natural universal. Este Código representou a unidade e a universalidade do direito.

John Kelly, ao interpretar a codificação napoleônica, sugere que: “a ideia principal dos codificadores franceses era a de excluir a incerteza e a arbitrariedade da administração do direito e, para esse propósito, eles queriam reduzir tanto quanto possível a função interpretativa e criativa dos juízes em quem não confiavam”.[2]

O sistema adotado no Brasil foi o da codificação, totalmente influenciado pelo Código Civil francês. Assim, até antes da Constituição de 1988, tinha-se um sistema fechado no qual o único comando válido era a própria norma jurídica, que extraía seu fundamento da carta constitucional.

A ocorrência da transição é nítida com a promulgação da Constituição de 1988. O ordenamento jurídico pátrio é constituído por um conjunto de normas jurídicas, sendo livre o magistrado para interpretá-las na sua aplicação. Conforme o art. 5o, §1o, da Constituição Federal, os direitos fundamentais têm aplicação imediata. Portanto, na hipótese de inexistência de norma jurídica relacionados aos direitos e às garantias fundamentais, assegurados constitucionalmente, deverá o magistrado conceder tais direitos. Nesses termos, o sistema que era fechado passou a ser aberto.

Conforme Luiz Guilherme Marinoni:

[…] os direitos fundamentais têm função de mandamento de tutela (ou de proteção), obrigando o legislador a proteger um cidadão diante do outro. No caso de inexistência de norma ou insuficiência dessa tutela, o juiz deve tomar em conta essa circunstância, protestando o direito fundamental sobre as relações entre os sujeitos privados para conferir a proteção prometida pelo direito fundamental, mas esquecida pela lei.[3]

Com a Emenda Constitucional no 45, de 2004, foi introduzida a súmula vinculante, que são enunciados de julgamentos anteriores, vinculando o Poder Judiciário e os Órgãos da Administração Pública. Caso o magistrado julgue diferente ao prescrito, é cabível o instrumento da Reclamação Constitucional que cassará a decisão judicial ou, no caso da Administração Pública, anulará o ato.

Este modelo nada mais é do que uma norma jurídica com vigor maior que o da própria lei. Se uma lei é violada, o cidadão deverá propor uma ação judicial, perante o juízo de primeira instância. Caso esse magistrado não conceda a tutela específica, caberá recurso ao Tribunal de Justiça a que está vinculado. Contudo, havendo decisão judicial que afronte súmula vinculante, esta decisão será cassada pela Suprema Corte brasileira, suprimindo as instâncias recursais.

Portanto, é nítida a força vinculante da súmula sendo, de modo prático, a sua exigibilidade sistêmica superior ao da lei.

2. Súmula e precedente

Súmulas não se confundem com precedentes. Enquanto a súmula é o enunciado da decisão proferida por um Tribunal, precedente é a fundamentação e categorização da decisão.[4] Trata-se de uma forma de argumentação e de justificação.[5]

A ideia do stare decisis é a de um julgamento colegiado e deliberado. No Brasil, as súmulas não são deliberadas, mas, sim, votadas. Assim, não há um acordo sobre o julgado e sobre o seu estabelecimento como precedente.

Essa deliberação é importante para que possa ser definida a sua aplicação, e não um mero enunciado, aplicando-se em casos distintos.

3. Precedente: um problema de fonte do direito

Brevemente, foi analisado o sistema de julgamento pátrio vigente e a introdução do precedente no Código de Processo Civil de 2015. Porém, é difícil aceitar um julgamento com base na argumentação de outra decisão, até porque não existe a sua fonte.

A Constituição Federal dispõe, em seu art. 5o, inciso II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei”. Portanto, a fonte imediata de todo o ordenamento jurídico é a lei vigente.

Ao dispor que os direitos e as garantias fundamentais têm aplicação imediata, esta norma somente poderá ser expandida em sua aplicação em conceder direitos, mas jamais para restringi-los.

O precedente disposto pelo Código de Processo Civil de 2015 tem status e força de lei ordinária. Com efeito, se o art. 332 da Lei no 13.105/2015 dispõe sobre a improcedência liminar do pedido com base no precedente e não se tratando sobre direito e garantia fundamental não legislado, o cenário será de nova norma jurídica não criada pelo Poder Legislativo, mas, curiosamente, pelo Poder Judiciário.

Portanto, a busca pela segurança jurídica poderá causar maior insegurança ao jurisdicionado, uma vez que estará obrigado a seguir não só a lei, mas os precedentes que o Poder Judiciário entender vinculantes. Além do mencionado, o juiz de primeiro grau está em contato com as partes e as provas pessoais, mas sua decisão estará sempre vinculada às cortes superiores, por mais que se tente aplicar a solução justa no caso concreto. Por fim, com a arquitetura presente no Código de Processo Civil projetado para vigência em 2016, há uma quebra na tripartição de poderes, sendo que o Poder Judiciário, além de aplicar o direito, poderá criar norma jurídica geral e abstrata. E o que é mais preocupante, esta autorização não decorre da Constituição Federal, mas por uma Lei Ordinária.

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NOTAS

1 ROCHA, José Manuel Sacadura. A História do Direito no Ocidente. São Paulo: Atlas, 2015.

2KELLY, John Maurice. Uma Breve História da Teoria Geral do Direito Ocidental. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 411.

3MARINONI, Luiz Guilherme. A Ética dos Precedentes. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 57.

4 SILVA, Ivan de Oliveira; FRANZOLIN, Cláudio; CARDOSO, Roberta. Lições de Teoria Geral do Direito. São Paulo: Atlas, 2014.

5 DIDIER JR. Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro; ATAIDE JR., Jaldemiro Rodrigues; MACÊDO, Lucas Buril (Coord.). Precedentes. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 49.