Defensoria Pública

25 de julho de 2014

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Patricia-KettermannEmenda à Constituição promulgada recentemente estabeleceu o prazo de oito anos para a instalação completa da instituição no País. Quase 73% das comarcas brasileiras ainda não têm defensores

Oito anos é o prazo para a completa instalação da Defensoria Pública no Brasil. É o que estabelece a Emenda Constitucional 80/2014, promulgada pelo Congresso Nacional no início de junho. A fixação do prazo é comemorada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). A entidade lutou até o último minuto para aprovação do texto, contou a defensora pública Patrícia Kettermann, presidente da Anadep, em entrevista ao portal da Revista Justiça & Cidadania.

De acordo com Patrícia, um estudo produzido pela Anadep revelou que o déficit de defensores públicos é superior a 10 mil vagas. Além disso, quase 73% comarcas brasileiras ainda não seriam atendidas pela instituição. A defensora afirmou que o estabelecimento de um prazo para instalação da Defensoria Pública em todo o País é extremamente importante, pois “sinaliza que a Lei Maior trata a Defensoria Pública como prioridade, razão pela qual as demais instâncias políticas e mesmo jurídicas também deverão fazê-lo”.

Criada com a Constituição de 1988, a Defensoria Pública ainda está, segundo Patrícia, passando por um processo de consolidação no que se refere à melhoria da estrutura física e a valorização daqueles que escolhem se tornar defensores. “A carreira está em intenso processo de valorização, mas há muito a ser feito. Somos a mais jovem instituição do sistema de Justiça. Enquanto o Poder Judiciário e o Ministério Público são instituições centenárias, a Defensoria completará em outubro apenas 26 anos. Neste período, crescemos muito e hoje, com a entrada em vigor da EC 80/14, temos o mesmo desenho constitucional das demais instituições do sistema”, afirmou.

Confira a íntegra da entrevista:

Revista Justiça & Cidadania – Qual é a importância da EC 80/2014, que institui o prazo de oito anos para a instalação completa da Defensoria Pública no País?
Patrícia KettermannÉ um poderoso instrumento de garantia dos Direitos Humanos em nosso País e sinaliza que a nossa Lei Maior trata a Defensoria Pública como prioridade, razão pela qual as demais instâncias políticas e mesmo jurídicas também deverão fazê-lo, já que a instituição é, em si mesma, verdadeiro Direito Humano por garantir o direito a ter direitos. A existência de defensores e defensoras públicas em todas as comarcas garantirá o pleno acesso à Justiça, algo mais amplo do que acesso ao Poder Judiciário, aos 82% dos brasileiros que, seguindo dados do IBGE, são potenciais usuários dos nossos serviços.

Qual seria hoje os déficit de defensores? Há estados que ainda não tem Defensoria? Quais?
Segundo dados do Mapa da Defensoria Pública no Brasil, realizado pela ANADEP em parceria com o Ipea, faltam defensores públicos em 72% das comarcas brasileiras, ou seja, a Defensoria Pública só está presente em 754 das 2.680 comarcas distribuídas em todo o País. De acordo com a pesquisa, dos 8.489 cargos de defensor público criados no Brasil, apenas 5.054 estão providos. O déficit total do Brasil é de 10.578 defensores públicos. Hoje não há Defensoria Pública no Amapá, por isso a Anadep está ingressando com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF para enfrentar esta gravíssima omissão inconstitucional por parte daquele Estado. No Estado de Goiás também há apenas seis defensores públicos, mas verificamos concurso em andamento.

Na prática, qual é a consequência da ampliação estabelecida pela Emenda Constitucional quanto à definição da Defensoria Pública, que na Constituição passou a ser classificada como uma instituição permanente e um instrumento do regime democrático?
Se o desenho constitucional anteriormente em vigor demonstrava o caráter permanente da Defensoria Pública, tendo em vista que o modelo de prestação de assistência jurídica adotado pelo Brasil é o público e deve ser prestado pela instituição desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a alteração trazida pela EC 80/14 tornou esta posição expressa, assim como a atribuição ampla de defender todas as espécies de direitos através do manejo de todos os tipos de ações judiciais e extrajudiciais. Na prática isto já ocorre por força da LC 80/94, com as alterações trazidas pela LC 132/09. No entanto, havia alguns questionamentos acerca da amplitude da legitimidade da Defensoria Pública na defesa de direitos, que foram completamente afastados com a recente alteração. Agora é a Constituição Federal que estabelece que temos como atribuição a defesa dos Direitos Humanos e de tudo que esteja relacionado à manutenção do Estado Democrático de Direito, do qual somos expressão e instrumento, razão pela qual podemos manejar todos os instrumentos necessários ao exercício destas nobres missões constitucionais.

A aprovação da proposta era uma bandeira da Associação?
A proposta surgiu das inquietações das defensoras e defensores Públicos brasileiros, nas diversas reuniões realizadas na Anadep para tratar das imensas dificuldades que enfrentamos na prestação do serviço por causa do número reduzido de agentes e da estrutura ainda precária. A partir destas discussões, buscou-se o apoio de deputados federais ligados à defesa das pessoas em situação de vulnerabilidade, que assumiram a ideia da universalização dos serviços da Defensoria Pública e constitucionalização do perfil institucional que já estava previsto na LC 80/94, com as alterações trazidas pela LC 132/09, com o fito de reposicionar a instituição no cenário jurídico nacional para melhor garantir os direitos dos destinatários dos seus serviços. A Anadep esteve envolvida proativamente em todo o processo: desde o texto da proposta até toda a intensa articulação política indispensável à sua aprovação no Congresso Nacional.

Na sua avaliação, a carreira de defensor é desvalorizada? Quais são as principais dificuldades que os profissionais enfrentam no exercício da profissão?
A carreira de defensor está em intenso processo de valorização, mas há muito a ser feito. Somos a mais jovem instituição do sistema de Justiça. Enquanto o Poder Judiciário e o Ministério Público são instituições centenárias, a Defensoria completará em outubro apenas 26 anos. Neste período, crescemos muito e hoje, com a entrada em vigor da EC 80/14, temos o mesmo desenho constitucional das demais instituições do sistema, com agentes contando com as mesmas prerrogativas e garantias por força do que determina a própria Constituição Federal. No entanto, ainda estamos presentes em apenas 28% das comarcas brasileiras. Isso significa dizer que, além de 72% da população não ter acesso ao serviço, os colegas estão trabalhando muito além do limite aceitável para poderem absorver a parte mais urgente das demandas. Some-se a isto os graves problemas estruturais decorrentes de um orçamento ínfimo e temos um quadro de extremas dificuldades de trabalho para os colegas e, sobretudo, para a população. Mesmo as pessoas que residem nas comarcas que contam com o serviço, enfrentam inúmeros óbices para acessá-lo na forma como teriam direito, ou seja, de forma célere, continua, na plenitude de suas funções institucionais que incluem atendimento multidisciplinar, educação em direitos, solução extrajudicial de conflitos, etc. Excesso de trabalho, falta de estrutura para o exercício da função e remuneração mais baixa que a dos demais agentes que exercem funções congêneres em alguns estados são, portanto, as maiores dificuldades. E essas dificuldades decorrem da falta de compreensão, ainda por parte de alguns, acerca do fundamental papel desta instituição inovadora e revolucionária, que propõe novas formas de solução de conflitos a partir de uma compreensão muito mais completa dos fenômenos que causam e mantêm as situações conflituosas e, sobretudo, que oferece maneiras de equaciona-los a partir da escuta dos envolvidos e da ideia que a mera judicialização não resolve todos os problemas.

O que seria necessária para valorizar a carreira e a instituição?
Sob o ponto de vista legislativo, há algumas pequenas alterações a serem feitas para que toda a legislação seja simétrica ao que determina a Constituição Federal. A principal delas é a garantia de um percentual mínimo sobre a receita corrente líquida dos estados para o orçamento da instituição. A partir daí a Defensoria Pública poderá cumprir fielmente todas as suas atribuições constitucionais e legais, bem como garantir que a remuneração dos seus agentes seja a mesma dos demais atores do sistema de Justiça, já que hoje há uma disparidade muito grande em alguns estados, enquanto que em outros esta realidade isonômica ideal já se verifica.

Além da PEC há alguma outra proposta legislativa que a associação deseja a aprovação? Quais?
A Anadep acompanha atentamente inúmeros projetos de lei que tratam dos direitos dos usuários dos serviços da Defensoria, como por exemplo os Códigos Penal e de Processo Civil, que demandaram e demandam intensa atuação junto ao Congresso Nacional. Nestes casos, o objetivo é ampliar o leque de direitos e garantias, bem como impedir o retrocesso nos níveis de proteção já obtidos. Além de projetos ligados à garantia de direitos e tendo em vista que a CF determina tratamento paritário entre as categorias do sistema de justiça, a Anadep acompanha todos os projetos de interesse das carreiras jurídicas, como por exemplo, a PEC 63/13, que trata da parcela indenizatória de valorização por tempo de serviço.