Edição 274
Desafios tributários na era da economia digital
30 de junho de 2023
Beto Simonetti Presidente do Conselho Federal da OAB
O tema da tributação na economia digital é central para o Poder Público e a sociedade civil em nações democráticas. Os sistemas tributários tradicionais, em regra, não estão totalmente adaptados à complexidade e à dinamicidade do novo ambiente econômico, desenvolvido primordialmente na esfera tecnológica. No Brasil, a discussão é ainda mais urgente devido aos percalços do País em promover uma reforma tributária que simplifique nosso sistema, sem elevação da carga tributária.
A tributação digital tem como um de seus principais desafios a identificação dos locais em que as empresas do setor estão gerando valor – já que, com frequência, operam simultaneamente em vários países. Além disso, é difícil estabelecer uma base tributável clara, pois muitos negócios digitais são intangíveis e não envolvem a transferência física de bens, nem a prestação de serviços propriamente dita.
Outro desafio relevante é a eventual assimetria fiscal imposta aos negócios digitais, na comparação com a carga tributária exigida de empresas tradicionais. A verdade é que a tributação na era digital é complexa e requer uma coordenação internacional eficaz para garantir a justiça e a equidade.
Sabemos que as empresas digitais operam globalmente – e cada país depende da cooperação internacional e do estabelecimento de acordos entre governos para reivindicar sua parcela justa de impostos. Para enfrentar esses desafios, é necessário repensar o modelo tributário atual e desenvolver novas soluções adaptadas à era digital. Isso exige uma abordagem coordenada e colaborativa entre governos, empresas e sociedade civil.
As plataformas digitais, como as redes sociais e os aplicativos de compartilhamento de transporte, apresentam grandes desafios, uma vez que as autoridades fiscais precisam determinar como tributar as atividades dessas plataformas. É fundamental que os governos trabalhem juntos para estabelecer normas globais de tributação que sejam aplicáveis a empresas digitais, visando evitar conflitos de jurisdição e assimetrias fiscais.
Nossos governos devem estabelecer critérios claros para tributar empresas digitais, como a definição de presença econômica significativa, para determinar em quais nações as empresas devem pagar impostos. Sabemos que a tributação de dados pode ser uma solução para tributar as empresas que geram grandes quantidades de dados, definindo um valor para essas informações e tributando com base nesse montante.
Alguns países – como a Itália, a França e a Espanha – começaram a adotar impostos específicos para empresas digitais, que visam tributar a atividade econômica, independentemente de sua presença física no país. Nós devemos aprender com essas experiências.
No Brasil, vivenciamos um processo de reforma tributária que terá de dar conta dessas transformações. Por diversas vezes, o parlamento se debruçou sobre o tema. Essas diversas tentativas de modificação do arcabouço legislativo resultaram em mais complexidade do sistema.
Nós temos leis federais, estaduais e municipais, além de soluções de consulta e instruções normativas – que, com frequência, além da burocracia, trazem mais dificuldades para os contribuintes, sejam pessoas físicas ou empresas.
Nesse contexto, a reforma tributária surge como condição necessária para o tão almejado desenvolvimento do País, fazendo com que ele se torne mais atrativo para investimentos. Nesse debate, é imprescindível evitar o aumento da carga tributária – que, no Brasil, já é uma das mais elevadas de todo o mundo. Do contrário, o crescimento econômico encontrará ainda mais entraves. Além disso, a majoração de impostos, dado caráter regressivo de nosso sistema, poderá penalizar os indivíduos de menor renda, que pagam a maior parte dos impostos, proporcionalmente.
Outra consequência do crescimento da carga tributária será o desestímulo aos investimentos e ao empreendedorismo, com impactos negativos sobre a geração de novos negócios e a criação de empregos. Também precisamos considerar, na hipótese indesejável do incremento da tributação, a acentuação da evasão fiscal e a elevação da informalidade, que prejudicam exatamente a arrecadação que se busca incrementar. Uma carta tributária excessiva também afeta a competitividade e diminui o consumo, levando a prejuízos sociais incalculáveis.
Nesse contexto, qualquer discussão sobre a carga tributária deve levar em conta a qualidade do gasto público e a eficiência na alocação dos recursos arrecadados, por meio de uma abordagem ampla – e, eventualmente, de ajustes fiscais.
Em relação à advocacia, a OAB defende ainda a manutenção da classe no Simples Nacional. Por meio da adesão ao modelo, milhares de advogados puderam regularizar sua situação tributária – o que beneficiou sobretudo as menores bancas, dos locais mais distantes dos grandes centros urbanos. A manutenção da advocacia no Simples Nacional é uma forma de garantir que pequenos escritórios possam continuar operando no mercado e competindo com grandes bancas, promovendo maior diversidade e equilíbrio no setor jurídico.
Os debates recentes comprovam que somos capazes de criar uma comunidade de excelência em torno da tributação na economia digital, bem como promover consensos para aperfeiçoar a legislação brasileira de acordo com o cenário que se apresenta. A nossa comunidade jurídica permanecerá viva, unida e comprometida com a condução ética desse tema.