Desembargador Nalini e o desafio de gerir o maior Tribunal do Brasil

27 de fevereiro de 2014

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jose renato“É preciso acertar o passo com a contemporaneidade e ser mais ousado. A sociedade brasileira não quer outra coisa de sua Justiça: que ela seja efetiva, eficaz e eficiente”, afirma o novo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 

Em dezembro do ano passado, em votação realizada no Palácio da Justiça, na capital paulista, o Desembargador José Renato Nalini foi escolhido por seus pares para ser o novo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJESP). Durante o biênio 2014/15, o magistrado terá ao seu lado os desembargadores Eros Piceli e Hamilton Elliot Akel, respectivamente os novos vice-presidente e corregedor-geral.

Eleito com 238 votos dos companheiros de colegiado (66,8% do total de 356 desembargadores que participaram da votação), o presidente Nalini substitui o Desembargador Ivan Sartori no comando do tribunal paulista.

Nascido em 1945, na cidade de Jundiaí, José Renato Nalini formou-se em Direito pela Universidade Católica de Campinas. Após atuar como Promotor de Justiça, ingressou na magistratura em 1976 como juiz substituto da 13a Circunscrição Judiciária, com sede em Barretos. Posteriormente, trabalhou também nas comarcas de Monte Azul Paulista, Itu, Jundiaí e na capital. Em 1993, foi promovido ao cargo de juiz do Tribunal de Alçada Criminal, no qual ocupou os cargos de vice-presidente e presidente.

Desembargador desde 2004, Nalini integrou a Primeira Câmara de Direito Público do TJESP e, cumulativamente, a Câmara reservada ao Meio Ambiente, desde sua fundação, em 2005, até ser eleito Corregedor-Geral da Justiça – cargo que ocupava até então. Dentro do Tribunal também integrou o Sexto Concurso de Outorga de Delegações, que são os cartórios extrajudiciais, e presidiu o 183o Concurso de Ingresso à Magistratura.

Nesta entrevista, além de sua carreira na magistratura e de suas metas à frente da administração do TJESP, Nalini também fala sobre sua paixão: a literatura. Autor de vários livros – entre eles A rebelião da toga, Ética ambiental, Constituição e Estado Democrático, Ética geral e profissional, e Por que Filosofia? –, desde 2003 o magistrado ocupa a cadeira de no 40 na Academia Paulista de Letras e mantém um blog sobre as sessões de APL, meio ambiente e Direito (http://renatonalini.wordpress.com/).

Justiça & Cidadania – Qual era sua expectativa em torno da eleição para a presidência do TJESP, já que havia muitos candidatos na disputa?
José Renato Nalini – Ofereci meu nome e minha experiência para os colegas. Na verdade, exerci todas as atribuições cometidas a um juiz durante a minha longa carreira. Fui promotor durante quase quatro anos, depois ingressei por concurso na magistratura em 1976. Passei pelo interior e morei nas comarcas onde judiquei. Fui juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça, juiz auxiliar da Presidência do Tribunal, substituto em segundo grau sem prejuízo da assessoria administrativa à cúpula do Tribunal, juiz do Tribunal de Alçada Criminal, no qual cheguei a presidir o Centro de Estudos, depois fui eleito vice-presidente e presidente. No Tribunal de Justiça, integrei a banca de concurso de ingresso, depois presidi a banca de concurso para outorga de delegações, a banca de concurso de ingresso à magistratura e fui eleito Corregedor-Geral da Justiça. Contei com a colaboração de muitos – 128 – desembargadores para visitas correcionais pelo interior. As comarcas não visitadas, visitei-as pessoalmente. Percorri 70 mil quilômetros por todo o Estado de São Paulo. Embora fossem quatro os candidatos, todos os demais excelentes, nenhum dos outros possuía essa experiência. Foi isso que talvez tenha levado quase 70% do Tribunal a sufragar meu nome. Fiquei feliz por vários motivos: por terminar minha carreira conduzindo o Tribunal a que sirvo há quase 40 anos e pela prova de maturidade dos meus pares ao escolher a experiência e a disponibilidade de continuar a honrar a Justiça.

JC – Quais são suas principais propostas de gestão e, dentre elas, o que pode ser considerado como prioridade? Qual será a principal preocupação da presidência?
JRN – Levar adiante, com intuito de continuidade, uma gestão exitosa, que foi a de meu amigo, o Desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, já se mostra um grande desafio. Ao lado disso, pretendo continuar o caminho da informatização, não apenas com aprimoramento do processo eletrônico, mas com a otimização do uso das tecnologias de comunicação e informação disponíveis, caminho salutar para conferir eficiência ao Poder Judi­ciário. A principal preocupação da presidência hoje é obter recursos financeiros para sustentar essa gigantesca máquina de 2.400 magistrados, quase 50 mil servidores, responsável por vinte milhões de processos. O Tribunal de Justiça de São Paulo é não só o maior tribunal do Brasil, mas a maior Corte de Justiça do mundo. Embora tenha um orçamento alentado, maior do que o de vários estados-membros da federação brasileira, seu gigantismo é insuficiente para fazer face aos compromissos. Pratica­mente 90% dos recursos são revertidos para o pagamento do quadro pessoal. É preciso conscientizar a sociedade de que, se ela quer solução rápida para as suas demandas, ela precisa investir mais na sua Justiça.

JC – Quais serão, do seu ponto de vista, os principais desafios do cargo?
JRN – Aumentar a produtividade para que os processos mereçam resposta jurisdicional de acordo com o direito fundamental explicitado no inciso LXXVIII do artigo 5o da Constituição da República; capacitar servidores para que o uso das tecnologias seja otimizado; conscientizar os parceiros – MP, advogados, defensoria, procuradorias – de que o Judiciário precisa de todos para se tornar eficiente. O projeto “Petição 10”, da Corregedoria-Geral da Justiça, foi um passo na tentativa de tornar mais concisa, objetiva, clara e direta qualquer peça processual. Não se vencerá essa excessiva demanda se a singeleza ceder lugar à complexidade em toda e qualquer ação judicial. É óbvio que assuntos específicos merecem um tratamento compatível. Mas há uma grande massa de demandas que poderia ser solucionada por alternativas ao juízo e, mesmo assim, continua a atravancar a capacidade de trabalho de juízes e servidores. Na verdade, esse projeto de renovação da cultura jurídica deveria ter início nas escolas de Direito, que replicam um ensino tipicamente adversarial, indicando o processo judicial como a única resposta para as controvérsias humanas. Enquanto não prosperar a cultura da pacificação e da resolução alternativa dos conflitos menores, a vocação do Judiciário será o cresci­mento vegetativo até o infinito. Já estamos no limite da capacidade estatal de aumentar a máquina da Justiça. Esse é um desafio não só do Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua dimensão, mas de todo o povo brasileiro.

JC – Ter trabalhado como juiz substituto e como corregedor o colocou em contato frequente com diversos municípios do interior. Qual a análise que faz da atuação do TJESP no Estado de São Paulo, como um todo, no que diz respeito ao acesso à Justiça por essa grande massa populacional, distribuída por mais de 600 municípios?
JRN – Houve considerável ampliação do acesso à Justiça em todo o Brasil a partir da Constituição de 1988, aquela que mais acreditou no Judiciário. O aumento das demandas é prova disso. O povo ainda acredita na Justiça. Assim não fosse, não recorreria tanto ao Judiciário. Mas ainda falta estrutura suficiente para um atendimento adequado, e não nos utilizamos ainda de todas as potencialidades de tecnologias de informação e comunicação – TIC. Temos de reconhecer o trabalho às vezes heroico de juízes e servidores, que se sacrificam para oferecer a prestação jurisdicional a despeito de ausência de condições favoráveis. Minha gestão na Corregedoria-Geral da Justiça priorizou a motivação do funcionalismo, para que ele continuasse a prestar bons serviços, a despeito de um período longevo de falta de reconhecimento de sua importância, embora justificável, ante as vicissitudes da Justiça Paulista com o advento da Emenda Constitucional 45/2004. Eram quatro Tribunais que tiveram de ser unificados, o que demandou imenso esforço da administração à época. Somente hoje o equacionamento das dificuldades pode ser encarado, após a consolidação desse corajoso projeto que converteu o TJESP no maior tribunal do mundo.

JC – Em seu blog, o senhor comentou sobre a contribuição dada à morosidade da Justiça pelos feitos de execução fiscal. Seu trabalho como corregedor, aliás, foi marcado por essa meta de reduzir as execuções fiscais, mais lentas e custosas aos cofres públicos. Como está essa situação no momento? O quê de concreto foi feito para ajudar as prefeituras nesse sentido?
JRN – Dos 20 milhões de processos em curso por São Paulo, 12 milhões são execuções fiscais. A rigor, a cobrança de dívida estatal não é missão do Poder Judiciário. Este existe para solucionar conflitos. Uma cobrança de IPTU, por exemplo, não contém controvérsia, ao menos enquanto não houver impugnação do devedor. Ocorre que, por observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, os gestores públicos arremessam à Justiça milhares – senão milhões – de CDA – Certidões de Dívidas Ativas, que ficam sob a responsabilidade do Poder Judiciário. Na Corregedoria, incentivei a utilização dos tabelionatos de protesto, após contato com o Tribunal de Contas, e também a adoção de estratégias de cobrança administrativa, a cargo da própria entidade credora, sem prejuízo de edição de leis que estabelecessem um piso para a cobrança judicial. Cada processo custa de 1.300 a 1.500 reais se tramitar em juízo. Não se justifica a cobrança de dívida fiscal inferior a esse patamar. Houve aceitação por parte de inúmeros municípios e também colaboração da Procuradoria-Geral do Estado em relação às execuções fiscais estaduais. Mas a luta continua. Tanto que o CNJ discute a desjudicialização das execuções fiscais em audiência pública e é urgente rever a vedação de funcionários municipais atuando nos Serviços Anexos Fiscais. Se isso ocorrer, a Justiça paulista entrará em caos. A lógica seria a utilização de recursos municipais para o funcionamento da Justiça estadual. O município é entidade da Federação e não tem Justiça municipal. Ele precisa arcar com o custo da Justiça no limite de suas possibilidades. E se quiser arrecadar com as execuções fiscais, precisa contribuir efetivamente com o Judiciário de seu estado.

JC – E por falar em morosidade da Justiça, agora que o senhor assume a presidência do Tribunal, quais são suas propostas para buscar soluções para esse problema?
JRN – Continuar a informatização e a otimização dos recursos tecnológicos disponíveis e já exitosos em outras atividades; intensificar a instalação dos CEJUSC – Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania –, que funcionam perfeitamente conforme se comprovou na gestão passada; capacitar servidores para eliminar trâmites ou fluxos desnecessários; otimizar a gestão de pessoal; instituir sanção premial para retribuir o acréscimo de produ­tividade, tudo sem prejuízo de estimular a criatividade e emular saudável competição para detectar as melhores práticas; compensar Varas ou funcionários–padrão, etc. O Judiciário permaneceu durante muito tempo em um hermetismo pernicioso. É preciso acertar o passo com a contemporaneidade e ser mais ousado. A sociedade brasileira não quer outra coisa de sua Justiça: que ela seja efetiva, eficaz e eficiente.

JC – A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou, em dezembro do ano passado, projetos que regulam as mediações judicial e extrajudicial e outro que atualiza as leis que tratam da arbitragem. O senhor acredita que a proposta de facilitar a resolução de conflitos e desafogar a Justiça será atendida?
JRN – Sim. Sempre fui adepto das ADR – Alternative Dispute Resolution do direito anglo-saxão e penso que fomos tímidos, durante muito tempo, em adotá-las. São Paulo avançará nesse campo, já que a coordenadoria responsável por conciliação, mediação e outras práticas foi entregue ao Desembargador José Roberto Neves de Amorim, que, durante sua gestão no CNJ, foi um impulsionador do tema e emprestará sua expertise e seu entusiasmo para sua intensificação em São Paulo. Tenho a maior esperança de que o tema produzirá mais ambiciosos resultados durante os próximos anos.

JC – Também no final de 2013, foi realizada a 8a Semana Nacional de Conciliação, que atendeu a 42,5 mil pessoas. Qual sua opinião sobre os mutirões e de que maneira isso vem contribuindo para desafogar o Judiciário?
JRNO “mutirão” é uma instituição da cultura brasileira. Serviu para a edificação de moradias em um regime de cooperação solidária. Embora talvez não seja exatamente adequado para esses “tours de force” realizados na Justiça, tem servido para evidenciar a intenção de um enfrentamento diferenciado quando a situação reclama certa audácia. Há inúmeros campos em que esse esforço pode amenizar a situação: o julgamento pelo tribunal do Júri, o setor das execuções fiscais – nessa área, a Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo atuou efetivamente na última gestão –, o nevrálgico problema das execuções criminais e tantos outros. Tudo é válido quando se cuide de reduzir o espaço entre o ingresso da pretensão e a sua solução definitiva pelo Judiciário. Mas isso não inibe a sociedade brasileira de rediscutir a sua Justiça. Vamos continuar a crescer ou procurar outros caminhos para a eficiência? É uma discussão da qual ninguém está liberado, porque o equipamento estatal é sustentado pelo povo, e este – por suas lideranças e pelos grupos intermediários – tem mais do que o direito de rediscutir o modelo de Justiça, tem a obrigação de fazê-lo para que as futuras gerações não sejam severas ao avaliar a disfunção do esquema de solução judicial de seus conflitos.

JC – Outra de suas metas enquanto corregedor referia--se à regularização fundiária, tendo desenvolvido um trabalho com as prefeituras do interior do estado. Qual sua opinião sobre isso quando observamos a situação da capital paulista, com tantas ocupações irregulares – e até considerando os recentes episódios de incêndios e reintegração de posse?
JRN – A regularização fundiária é uma política pública das mais importantes para a República Federativa do Brasil. A vontade do constituinte fez com que a moradia fosse explicitada como direito fundamental. O Estatuto da Cidade, o programa “Minha Casa, Minha Vida”, tudo evidencia a intenção de o Estado Brasileiro resgatar essa mácula: permitir que seres humanos ocupem as ruas, sejam transitórios moradores de glebas que muita vez chegaram a adquirir, mas que, em virtude de empreendedores ines­cru­pulosos ou ignorantes, não se convertem na ambi­cionada propriedade. O programa de regularização fun­diária levado a efeito pela Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo foi um tento histórico e cívico. Mercê da colaboração de muitos parceiros, notadamente as Secre­tarias da Habitação, o Itesp, as associações de classe extrajudiciais, como a Arisp, conseguiu-se regularizar um número recorde de situações fundiárias. Com isso, não foi apenas uma inclusão cidadã, que permitiu ao ocupante, considerado até invasor, tornar-se titular de domínio, mas uma alavanca para a economia doméstica. O dono da casa pode obter financiamento para reformá-la. Há um sopro de entusiasmo que sacode as comunidades e resgata uma dívida social contraída há séculos. É importante que esses projetos continuem e se aperfeiçoem rumo à democracia participativa de que o Brasil tanto necessita.

JC – Além dos assuntos que estão na pauta do dia a dia de seu trabalho como magistrado – a exemplo das questões ambientais –, o seu blog na internet também traz temas do cotidiano, observações humanísticas com viés de crônica. Quantos livros o senhor já lançou nos segmentos de ficção e de não ficção?
JRN – Sou muito escrupuloso em relação à ficção. Só escrevi alguns contos, um deles com a participação de outros amigos da área jurídica e lançado no ano passado. Fiz uma biografia de certa forma ficcional de minha mãe, logo após sua morte. Sou fruto de uma afeição profunda pela filosofia e escrevi Pronto para partir?, que a RT-Thomson Reuters preferiu chamar Reflexões jurídico-filosóficas sobre a morte, lancei a 3a edição de Por que Filosofia?, Direitos que a cidade esqueceu, Ética da magistratura, Ética ambiental, estou reescrevendo A rebelião da toga, que é uma revisita à minha tese de Doutorado na USP sobre “Perspectivas do Poder Judiciário e do juiz no limiar do século XXI”, e estou para lançar a 11a edição de Ética geral e profissional. Gosto muito de história também. E leio como verdadeiro devorador de livros. Uma de minhas angústias é a impossibilidade de ler tudo aquilo de que gostaria. Não haverá tempo suficiente!

JC – O senhor tem uma relação muito forte com a literatura, inclusive como membro da Academia Paulista de Letras desde 2003. O que significa a literatura para o senhor, até pelo fato de ter criado um projeto de ressocialização do apenado por meio da leitura? Aliás, quais são os resultados e o status desse programa hoje?
JRN – A leitura é mágica. Permite uma viagem sem custos. Propicia conhecer pessoas que nunca teremos oportunidade de contatar, até porque já são falecidas. Muda a forma de pensar. Todo livro ajuda você a crescer. Meu maior prazer é a leitura. Por isso apoiei a proposta de estimular os reeducandos a um projeto consistente de leitura. Ideia que não foi bem compreendida e que gerou algumas controvérsias. Mas precisamos acreditar no sistema penitenciário conforme concebido. A sanção é um castigo, mas é também pedagógica. É a oportunidade de repensar as opções, de reformular trajetórias. E os livros podem fazer com que as pessoas reflitam sobre as suas escolhas. Bons livros, em uma leitura orientada, consistente, mais o dever de exprimir o que se extraiu dela, poderão auxiliar na regeneração. O projeto continua e, por seu ineditismo, ainda não há condições de uma conclusiva análise sobre o seu êxito. Mas todas as tentativas são válidas em relação a esse tema complexo que é o sistema penitenciário. Já fizemos, também, uma experiência com as reeducandas que tiveram curso de gastronomia com a equipe de Alex Atala e David Hertz, e foi um sucesso. Também levamos a Orquestra Bachiana, regida por João Carlos Martins, à penitenciária no final do ano de 2013, no encerramento do projeto “Qualidade de Vida”. Costuma-se dizer que só não erra quem nada faz. Mas, ao não atuar quando deveria agir, já está errando. Todos temos a obrigação de contribuir para que o mundo seja um pouco melhor porque nós estamos nele. Se nascemos e não modificamos a realidade, não terá valido a pena ter nascido.

JC – Qual a influência da literatura no seu trabalho como magistrado? Quais são seus autores e livros favoritos?
JRN – A literatura auxilia na concatenação de ideias, na proficiência vernacular, a encontrar estilo que não seja a repetição enfadonha dos termos técnicos em construções sintáticas medíocres. Quem não lê não pensa, não escreve, não sabe falar. Ler é fundamental. E sempre existe o que aprender. Hoje, talvez o desafio seja a concisão. Temos tempo de menos e tarefas demais. Encontrar boas fórmulas de exprimir o pensamento, com clareza e sinteticamente, é um talento que deveria ser mais desenvolvido e estimulado nas carreiras jurídicas. Gosto muito de Cecília Meireles, Lygia Fagundes Telles, Paulo Bomfim, Norberto Bobbio, Umberto Eco, Machado de Assis, além dos meus favoritos franceses desde Montaigne a Jean Baudrillard, Luc Ferry, Gilles Lipovetsky e outros. Sou um aprendiz e continuo tentando crescer.

JC – Falando um pouco sobre a magistratura, um dos aspectos mais apontados pela classe na atualidade é a falta de estímulo à carreira. Em sua opinião, por que isso ocorre e qual a solução para reverter esse aspecto?
JRN – A magistratura já foi uma carreira bem atraente. Há algum tempo, ela foi perdendo sua aura e isso em virtude de múltiplas causas. Primeiro, houve um esgarçamento dos valores em geral. Dentre eles, o respeito, a reverência, a simbologia de algumas funções consideradas diferenciadas. Depois, o volume de trabalho é avassalador, e o Estado-juiz não tem condições de dar vazão à demanda. Isso faz com que as críticas recaiam sobre o profissional encarregado de oferecer soluções para os problemas humanos. Em seguida, houve uma dessacralização geral da Justiça, tão desacreditada em alguns setores, sobretudo em razão de sua invencível lentidão e ineficiência. Tudo isso faz com que as vocações se escasseiem e a magistratura passe a ser considerada emprego público, assim como qualquer outro. Para o vocacionado, ser juiz é algo que satisfaz, na medida em que o magistrado sabe ser capaz de resolver questões que atormentam o seu semelhante. Para quem procura emprego, a magistratura é sofrível. Vive cobrança contínua da sociedade, da mídia, dos parceiros, das corregedorias. Isso tudo precisa ser repensado para que o juiz do futuro volte a ser aquela pessoa plenamente realizada, feliz com sua opção, e, portanto, em condições de melhor oferecer a concreta Justiça humana a quem dela necessite.

JC – Em março de 2013, o presidente do Supremo Tribunal Federal instituiu a Comissão de Estudo e Redação de Anteprojeto de Lei Complementar para dispor sobre o novo Estatuto da Magistratura, tendo em vista que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) está em vigor desde 1975. O que esperar em relação a isso? A reforma do estatuto deverá atender às atuais necessidades dos magistrados?
JRN – Há 25 anos, a Constituição previu o Estatuto da Magistratura, por lei de iniciativa do STF, que substituirá a Loman, Lei Complementar Federal 35, de 14.3.1979, considerada à época fruto do autoritarismo. Espera-se que a magistratura mereça atualização e incorpore as profundas transformações do mundo desde a década de 1970/80 e que a reforma venha por partes, para permitir uma discussão tópica, e viabilize a aprovação de novo texto normativo. Uma Lei Orgânica que tivesse a pretensão de prever tudo o que é necessário para esse trato adequado do tema e não deixasse flanco algum teria uma tramitação lenta e sujeita a muitas discussões, o que inviabilizaria a sua aprovação pelos próximos anos. De qualquer forma, é saudável uma retomada de estudos e redação desse anteprojeto. A Justiça depende de seus integrantes. Um novo estatuto poderá estimular o recrutamento de pessoas vocacionadas e aptas ao desempenho de missão imprescindível ao fortalecimento da democracia brasileira.