Despedida a Paulo Ventura

28 de fevereiro de 2010

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Conheci Paulo Ventura quando, após o concurso, esperava a nomeação para ingresso na Magis­tratura. Na época, muito pouco ou quase nada eram os ensinamentos doutrinários sobre Júri, e ele, Juiz titular do 4º Tribunal da capital do Estado, se prontificou a ensinar a mim e a alguns colegas os meandros do Tribunal popular. Assim, eu, Denise Frossard, Suely Magalhães, Marcos Backer, a saudosa Ruth Vianna de Lins e outros que me fogem da lembrança fomos, pela mão daquele jovem Juiz, iniciados na real forma de participação popular do exercício jurisdicional.
A amizade iniciada não ficou só nos ensinamentos. Também nos abriu a porta do Tribunal para várias reuniões, e o grupo resolveu lhe prestar uma homenagem. No dia da posse, o orador, Orlando Secco, terminando o discurso, quebrou o protocolo e declarou que, por unanimidade, o grupo resolveu denominar-se “TURMA PAULO VENTURA”.
A emoção foi maior que suas técnicas de oratória, ele somente conseguiu abraçar o orador e dizer um quase choroso “muito obrigado”. Tamanha emoção já me transmitiu a sensibilidade daquele homem. Dentro de minhas observações, imediatamente identifiquei não só o brilhante magistrado, mas um pai especial, um excelente chefe de família, um grande homem e principalmente a potencialidade de um amigo sincero e confiável.
Fui para o interior, nos afastamos, mas, mesmo de longe, apreciava a carreira, posso dizer brilhante, do colega; ou melhor, do já amigo. Por vezes, em congressos e reuniões, nos encontrávamos e a amizade se fortificava.
Em julho de 2002 passamos em um SPA de Friburgo uma inesquecível e alegre semana. Na ocasião, me chamou atenção que aquele Magistrado, quanto mais galgava postos na carreira, mais se tornava sensível aos apelos e às necessidades humanas.
Mostrou-me, inclusive, na ocasião, que um Juiz Criminal, embora rigoroso como sempre foi, não podia se ater apenas à aplicação da pena nos moldes da  legislação penal. Disse-me mesmo, em verdadeiros ensinamentos dirigidos a um julgador do cível, como eu, que o essencial era ver e sentir o interior do réu e os reais motivos de vida que o levaram ao crime, condenando quando necessário, mas abrandando, sempre que possível, a aplicação da pena e nunca deixando de confiar na possibilidade de recuperação.
Dois anos depois o observei, embora de longe, como examinador do Concurso para Ingresso na Magistratura de Carreira. Ao rigor e às exigências de sua matéria ele mesclava, com uma característica somente sua, a bondade, a humanidade, o carinho com o próximo e principalmente um elogiável  e perfeito   entendimento dos limites hierárquicos entre examinador e candidato que somente ele sabia aplicar, ou, pelo menos, somente nele vi essa aplicação.
O ápice da mistura que conseguiu fazer entre sua sensibilidade, bondade, indiscutível liderança, qualidades e conhecimentos como magistrado e educador se deu quando Diretor-Geral da Emerj.
Observando e respeitando tudo aquilo que já fora feito pelos antecessores, conseguiu, com tranquilidade e  profundos conhecimentos das reações humanas, dar uma nova “roupagem’ para nossa querida escola de formação e aperfeiçoamento de Magistrados. O mínimo foi a  nova aparência física, mas o que toda magistratura vai lhe dever por ainda muitos anos foi o já citado entendimentos dos limites hierárquicos, agora não somente no concurso, mas na escola, entre professores e alunos.
Como foi bonita a sua vida, Desembargador Paulo Ventura. Assim como o seu nome, foi “venturosa”. E também alegre. Uma alegria contagiante, segundo nos lembrou seu filho, própria daquele que nasceu, conheceu sua amada, Cida,  e morreu no Carnaval.
Em razão dessa contagiante alegria e imensa bondade, “por deixar saudades e certezas”, nos foi transmitido, na manhã chuvosa do dia 19 de fevereiro, na capela do Colégio Santo Inácio, que:
“No tempo da vida nada acontece por acaso, ao contrário, tudo o que acontece somente a nós cabe o acontecido, ainda que seja fruto do imprevisível ou do inesperado, razão pela qual não devemos nos revoltar contra a caminhada da vida. Aceitação a tudo é o ponderável.
Vamos iniciar a vida de um novo tempo. Não sei se este novo tempo de vida é longo ou curto demais, mas sei que nada que viveremos de hoje para frente terá sentido se não tocarmos o coração das pessoas. Para que tal ocorra, basta que sejamos colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que compreende e respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E tudo isso é possível e está ao nosso alcance. Isso não é coisa do tempo que vai, mas do tempo que vem. Isso é o que dá o verdadeiro sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta nem longa demais, mas totalmente plena, intensa, verdadeira, pura … enquanto durar.”

Paulo, enfim,
Quero apenas lhe dizer,
Esperando próximo não ser,
Mas tenho certeza,
Que num dia celestial
Vou novamente o ver.

Quero ainda lhe dizer,
Pois você precisa saber,
Que após o beijo
Que lhe dei na testa,
No Natal ao almoçar,
O obrigado, Marquinho,
Transmitindo nossa amizade,
Quero também agradecer.

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