Edição 274
E S G. o que essas três letras têm de tão poderosas?
22 de junho de 2023
Alexandre Gonçalves Árbitro e Advogado
O mundo se curvou ao poder do ESG, que nos últimos anos vem transformando o ambiente corporativo e a sociedade, imprimindo sua marca no DNA das companhias. As questões ambientais, de inclusão, de diversidade e de governança sustentável, que por muito tempo tiveram papéis secundários, num par de anos tornaram-se onipresentes no core dos negócios.
O mercado evoluiu em função das crescentes exigências, tanto dos consumidores quanto dos órgãos reguladores, que subitamente tornaram-se muito mais atentos à conduta social e ambientalmente responsável.
Na esteira do desenvolvimento dessa nova consciência socioambiental do mercado, a agenda ESG tem se consolidado como forte instrumento gerador de crescimento econômico sustentável, com a promoção de mudanças de padrões e comportamentos que subvertem a lógica liberal. Além da maximização dos lucros, operam outros aspectos igualmente valorosos – como a preservação ambiental, a inclusão social e a governança responsável – no âmbito das companhias e de seus negócios.
De dentro para fora – Aderir à agenda ESG é uma questão de tempo e não mais de escolha. Buscar o fortalecimento das marcas por meio de ações e atitudes concretas em respeito às políticas ambientais, sociais e de boa governança está na ordem do dia.
Porém, não é uma mudança instantânea. Leva-se tempo para construir confiança e fazer com que todos os stakeholders se envolvam. É um trabalho que precisa ser executado em etapas, que se inicia por um profundo processo interno de reflexão, pois, para que seja legítima e de fato agregue valor aos negócios, a mudança precisa estar totalmente alinhada com a razão de ser da companhia.
É preciso compreender que incorporar a agenda ESG não é apenas um olhar para o planeta e para os outros, mas sim e fundamentalmente um olhar para si próprio. Ela está intrinsecamente ligada às razões de ser das companhias, seus valores, suas estratégias, aos papéis que ocupam na sociedade e ao que realmente desejam deixar como legado para o mundo, o meio ambiente, a sociedade e seus stakeholders.
De cima para baixo – As efetivas transformações de cultura empresarial tendem a começar de cima para baixo. Por ser uma aposta de longo prazo e que exige mudanças de paradigma na cultura organizacional, a agenda de sustentabilidade deve emanar da alta direção – gestores e conselho de administração – responsável por estabelecer políticas, diretrizes e objetivos estratégicos, além de fornecer liderança e direção para a gestão de qualidade da organização.
É importante considerar neste processo que tal qual a sociedade está em permanente evolução, a agenda ESG segue sua corrida sem linha de chegada, aperfeiçoando-se ao longo do percurso diante dos múltiplos desafios, observando que seus conceitos são intrinsecamente ligados e interdependentes, de modo que é difícil desenvolver um tema: ambiental, social ou governança, sem que um não afete o outro e vice-versa.
Falta de métricas – O ESG avança no mundo, no entanto, cada continente e cada país tem sua singularidade, e, por vezes, a uniformização de métricas – regulação linear – torna-se díspar, irregular, desequilibrada, devendo muitas vezes ser recalibrada e alinhada de acordo com as peculiaridades de cada país, o que se torna um desafio constante.
Em seu esforço de adaptação, as empresas precisam ainda lidar tanto com as exigências feitas pelos Estados e estruturas supranacionais de governança (ONU, OCDE, UE, Mercosul etc.), quanto com aquelas que vêm do mercado (investidores, bolsa de valores, CVM e outros entes). Nesse cenário complexo, definir quais políticas aplicar e de que forma publicizá-las pode ser outra grande dificuldade, pois os últimos anos também têm sido marcados pelo vertiginoso crescimento dos mecanismos de avaliação e monitoramento ESG, bem como de padrões de sustentabilidade, iniciativas empresariais, políticas corporativas, códigos de conduta voluntários e mecanismos de autorregulação.
Então, quais parâmetros e métricas aplicar?
Regulação sob medida – A maioria desses instrumentos citados não são vinculantes. No entanto, os Estados e a sociedade civil podem e devem fornecer referências de sustentabilidade – o que pode ser feito por meio de uma regulação mínima, estabelecendo padrões, fornecendo diretrizes, propondo frameworks e combatendo o greenwahing e o socialwashing – com incentivos e políticas públicas que estimulem as práticas ESG para que as empresas sejam responsáveis em toda a sua cadeia produtiva.
As mudanças se materializam na multiplicação de obrigações das companhias, com exigências que vão além dos relatórios financeiros, das obrigações de compliance e do devoir de vigilance, sem que tais regras restrinjam as empresas de avançar, de manter-se competitivas e que o livre mercado se incumba de fazer a sua parte. As exigências devem ser no sentido de associar as empresas a negócios sólidos, de baixo custo de capital e com melhor resiliência contra riscos relacionados às mudanças climáticas e às transformações da chamada Era Digital.
Conclusão – O ESG é um caminho sem volta, que representa ganho de força e competitividade para as organizações, além de ampliar a aceitação de seus produtos e serviços no mercado. O risco é ficar de fora dessa tendência global. O crescimento consciente envolvendo toda a cadeia produtiva e o fortalecimento da marca – tangível e intangível – por meio de ações e atitudes concretas respeitando políticas ambientais, sociais e de boa governança é o mínimo a ser praticado.
Parece ser crucial encontrar novas direções que afastem as dificuldades iniciais e, ao mesmo tempo, tragam maior previsibilidade ao percurso. Isto aponta para a necessidade de ganhos de normatividade, para que as companhias, os investidores e a sociedade como um todo possam afastar de vez as sombras das incertezas ainda projetadas pela autorregulação.
O Brasil, por sua dimensão – ocupa mais da metade da América do Sul – por sua biodiversidade – a maior do mundo, espalhada pelos seus seis biomas terrestres e três grandes ecossistemas marinhos – e pela diversidade do seu povo tem um enorme potencial para desenvolver políticas públicas e privadas que privilegiem o crescimento ordenado respeitando o ambiente que vivem. Como país mais megadiverso do mundo, deve ter papel fundamental e de destaque nas discussões relacionadas ao tema.
Quem somos? O que queremos? O que buscamos? Aonde chegaremos? Essas são indagações abertas, mas que talvez possam nos ajudar a encontrar respostas mais simples do que imaginamos. Pensar coletivamente, pensar no outro, com empatia, com maior participação da sociedade e do indivíduo lato sensu, em detrimento de atitudes individualistas, tornou-se um estado de espírito para se alcançar uma sociedade mais justa, mais serena e mais equilibrada. Afinal, “todo mundo é uma pessoa apenas através de outras pessoas”.