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A justiça por si só, e só para si, não existe

19 de dezembro de 2012

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Discurso proferido pelo Ministro Joaquim Barbosa, na ocasião de sua posse na presidência do STF

“Excelentíssima Senhora Presidente Dilma Roussef, em nome de quem cumprimento todas as autoridades aqui presentes. Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal. Minhas senhoras, meus senhores.

O Brasil é um país em franca e constante evolução. Um olhar retrospectivo e generoso sobre o nosso pacto sócio-político e sobre a nossa história como nação nas últimas cinco ou seis décadas, revelará sem dúvida a trajetória vitoriosa de um povo que soube desvencilhar-se da nada confortável posição de quase pária no concerto das nações livres. Esta posição, evidentemente, decorrente das graves iniquidades pelas quais éramos caracterizados. E passou a ingressar no seleto grupo das nações respeitáveis cujas instituições políticas podem, sem a menor sombra de dúvida, servir de modelo a diversos Estados cuja institucionalidade ainda está em vias de construção.

Embora todos nós estejamos frequentemente prontos a exercer o nosso sagrado direito de crítica quanto ao funcionamento dessa ou daquela engrenagem estatal, que às vezes teimam em expor as suas mazelas e as suas debilidades intrínsecas, hoje, pode-se dizer que temos instituições sólidas, submetidas cada vez mais à observação e ao escrutínio atento da sociedade, de outras nações e da comunidade jurídica internacional.

Tudo isso é extremamente positivo e não temos porque nos queixar, sobretudo se comparar o estado atual de nossa institucionalidade com aquela que tínhamos cinco décadas atrás. Não se pode falar em instituições sólidas sem o elemento humano que as impulsiona. Uma vez que estamos em uma casa de justiça, tomemos como objeto de reflexão o Homem, o Homem Magistrado.

O bom Magistrado é aquele que tem plena e total consciência de seus limites e das limitações que lhe são impostas pela sua condição funcional. Não basta ter uma boa formação técnica, humanística e forte apego a valores éticos, que, em realidade, devem ser guias comportamentais de qualquer agente estatal e mesmo de agentes privados.

O Juiz deve ter presente o caráter necessariamente laico da missão constitucional, da missão constitucional que lhe é confiada, e velar para que as suas convicções e crenças mais íntimas não contaminem a sua atividade, que é uma das mais relevantes para o convívio social, além de fator de fundamental importância para o bom funcionamento de uma economia moderna e de uma sociedade dinâmica, inclusiva e aberta a toda e qualquer mudança que traga melhorias para vida a de todas as pessoas.

Pertence definitivamente ao passado a figura do Juiz que se mantém distante e indiferente, para não dizer inteiramente alheio, aos valores fundamentais e aos anseios da sociedade na qual ele está inserido. Se é certo que a noção de liberdade, comumente aceita entre nós, impede que se exija do Juiz a adesão cega a todo e qualquer clamor da comunidade a que serve, mais certo ainda é o fato de que, no exercício da sua missão constitucional, o Juiz deve, sim, sopesar e ter na devida conta os valores mais caros à sociedade na qual ele opera. Em outras palavras, o Juiz é um produto do seu meio e do seu tempo. Nada mais ultrapassado e indesejável do que aquele modelo de Juiz isolado, fechado, como se estivesse encerrado em uma torre de marfim. Evidentemente, depois de abordar nessas rápidas palavras a figura do Juiz, penso que é imperioso emitir umas poucas palavras sobre a instituição que o congrega, a Justiça, ou, mais precisamente, o Poder Judiciário, já que essa instituição estatal simboliza um dos poderes da República.

A justiça por si só, e só para si, não existe. Só existe na forma e na medida em que os homens a querem e a concebem. A justiça é humana, histórica. Não há justiça sem leis, nem sem cultura. A justiça é alimento ínsito ao convívio social, daí porque a noção de justiça é indissociável da noção de igualdade. Vale dizer, a igualdade material de direitos, sejam eles direitos juridicamente estabelecidos ou direitos moralmente exigidos. Em outras palavras, quando se associam justiça e igualdade, emerge na sua inteireza o cidadão reivindicar o mais sagrado dentre os seus direitos, qual seja, o direito de ser tratado de forma igual, de receber igual consideração, a mesma que é conferida ao cidadão “A” ou ao cidadão “C” ou “B”.

A falácia sobre o direito à igualdade, sobre os direitos à igual consideração. É preciso ter a honestidade intelectual para reconhecer que há um grande déficit de justiça entre nós. Nem todos os brasileiros são tratados com igual consideração quando buscam o serviço público da justiça. Ao invés de se conferir ao que busca a restauração dos seus direitos, o mesmo tratamento, a mesma consideração que é dada a uns poucos, o que se vê aqui e acolá, não sempre, é claro, mas às vezes sim, é o tratamento privilegiado, o bypass, a preferência desprovida de qualquer fundamentação racional. Gastam-se bilhões de reais anualmente para que tenhamos um bom funcionamento da máquina judiciária, porém, é importante que se diga, o Judiciário que aspiramos a ter é um Judiciário sem firulas, sem floreios, sem rapapés – pelo menos na minha concepção.

O que buscamos é um Judiciário célere, efetivo e justo. De nada valem as edificações suntuosas, os sofisticados sistemas de comunicação e informação se naquilo que é essencial a justiça falha. Falha porque é prestada tardiamente e, não raro, porque presta um serviço que não é imediatamente fruível por aquele que o buscou. Necessitamos com urgência de um maior aprimoramento da prestação jurisdicional, especialmente no sentido de tornar efetivo o princípio constitucional da razoável duração do processo.

Esta razoável duração do processo, se não observada em todos os quadrantes do Judiciário nacional, suscitará em breve um espantalho capaz de afugentar os investimentos produtivos de que tanto necessita a economia nacional. O grip lock econômico, resultante da ineficácia dos mecanismos de solução rápida dos conflitos de natureza econômica, é o tipo de entrave que nós, pessoas portadoras de grande responsabilidade, devemos a todo custo evitar. E nesse ponto, a responsabilidade que recai sobre o Judiciário não é nada desprezível.

E o que é razoável duração do processo? Apenas para ser ilustrativo, permito-me dizer o que não é:

– Não são os processos que se acumulam nos escaninhos das salas dos magistrados;

– Não é a pretensão de milhões que se arrastam por dezenas de anos;

– Não é a miríade de recursos de que se valem aqueles que não querem ver o deslinde da causa;

– Não são, em absoluto, os quatro graus de jurisdição que o nosso ordenamento jurídico permite;

Justiça que falha e que não tem compromisso com a sua eficácia, é justiça que impacta direta e negativamente sobre a vida do cidadão.

Por fim, eu gostaria de arrematar essa breve exposição com umas poucas palavras sobre um personagem chave para toda e qualquer tentativa que se queira implementar no nosso país na esfera do Poder Judiciário. Falo da figura do Juiz, esta figura tão esquecida às vezes. É preciso reforçar a independência do Juiz. Afastá-lo, desde o ingresso na carreira, das múltiplas e nocivas influências que podem paulatinamente lhe minar a independência. Essas más influências podem se manifestar tanto a partir da própria hierarquia interna a que o jovem Juiz se vê submetido, quanto dos laços políticos de que ele pode, às vezes, se tornar tributário na natural e humana busca por ascensão funcional e profissional. Nada justifica, a meu sentir, a pouco e edificante busca de apoio para uma singela promoção do Juiz do primeiro ao segundo grau de jurisdição. O Juiz, bem como os membros de outras carreiras importantes do Estado, deve saber de antemão quais são as suas reais perspectivas de progressão, e não buscar obtê-las por meio da aproximação ao poder político dominante no momento.

O Poder Judiciário passa por grandes transformações e por uma inserção sem precedentes na vida institucional brasileira, como bem salientou ainda há pouco o ilustre Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Nesta casa, e nos demais tribunais deste país, são discutidas cada vez mais as cada vez mais centrais questões de interesse da vida do cidadão comum brasileiro. Isso é muito bom, é muito positivo.

Antes de encerrar, eu não poderia deixar de mencionar umas poucas palavras a algumas pessoas queridas que se fazem aqui presentes. Em primeiro lugar, à minha querida mãezinha, senhora Benedita da Silva Gomes. Ao meu querido filho, Felipe Barbosa Gomes, aos meus irmãos Gualberto, Efigênia, Elda, Edna, Aparecida, todos os que aqui se encontram presentes. Aos meus queridos amigos estrangeiros que se deram o trabalho de se deslocar de suas ocupações habituais para vir ao Brasil me prestar esta homenagem, prestigiar esta minha investidura [nomes], agradeço a honrosa presença de todos.”