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O arbitramento da indenização por dano moral e a jurisprudência do STJ

26 de abril de 2016

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Paulo de Tarso SanseverinoO dano moral constitui um dos temas mais importantes e controvertidos, na atualidade, no plano da responsabilidade civil não apenas pelos seus aspectos jurídicos, mas pelo interesse prático despertado em toda a sociedade.

A controvérsia estabelecida no Direito brasileiro deriva, em boa parte, da demora no pleno reconhecimento da indenizabilidade do dano moral, o que ocorreu apenas a partir da Constituição Federal de 1988.

Com efeito, no Brasil, até 1988, havia grande polêmica entre a doutrina e a jurisprudência acerca da indenizabilidade do dano extrapatrimonial, pois, apesar da ampla aceitação doutrinária, havia uma grande resistência do Supremo Tribunal Federal, que somente admitia a reparação dos danos morais nos casos expressamente previstos em lei.

O STF, em acórdão de 1948, explicitava esse entendimento, afirmando que “nem sempre o dano moral é ressarcível, não somente por não se poder dar-lhe valor econômico, por não se poder apreciá-lo em dinheiro, como ainda porque essa insuficiência dos nossos recursos abre a porta a especulações desonestas pelo manto nobilíssimo dos sentimentos afetivos”, admitindo apenas a indenização nos casos especificados em lei (STF, 2a T., RE 12.039/AL, Rel. Min. Lafayette de Andrada, p. m., j. 6/8/1948, RT 244/629).

Registre-se, nesse ponto, que o CC/16 previa a indenizabilidade do dano moral puro nos casos de ofensas à honra sem prejuízos materiais (art. 1.547, parágrafo único) e de ofensas à liberdade (art. 1.550) também sem prejuízos econômicos, enquanto leis especiais também contemplavam a sua indenização, com destaque para a revogada Lei de Imprensa (Lei 5250/67).

A resistência do STF foi superada pela Constituição Federal de 1988, ao estatuir expressamente a indenizabilidade de determinados danos morais no seu artigo 5o, incisos V e X, sendo seguida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, editando um dos seus primeiros enunciados sumulares (súmula 37) acerca de uma das questões mais polêmicas, na época, relativas ao dano extrapatrimonial concernente à possibilidade de sua cumulação com danos materiais oriundos do mesmo fato.

Consagrada a sua indenizabilidade a partir da década de noventa, o foco da discussão acerca dos danos extrapatrimoniais deslocou-se para outras questões, como a sua caracterização e os critérios para o arbitramento da respectiva indenização.

O tema do presente trabalho é o exame dos critérios de arbitramento da indenização do dano moral a partir das disposições do Código Civil de 2002, em face da jurisprudência do STJ.

A exposição será desdobrada em duas partes, sendo a primeira dedicada ao exame da configuração do dano moral no Direito brasileiro, enquanto a segunda versará acerca do arbitramento equitativo da indenização por dano moral.

 

1. Configuração do dano moral

A caracterização do dano extrapatrimonial permite vislumbrar a evolução da sua concepção na doutrina, passando-se de um conceito negativo para as tentativas de construção de uma definição substantiva.

Os danos extrapatrimoniais foram inicialmente caracterizados pela doutrina como os prejuízos sem conteúdo econômico ou patrimonial sofridos pela vítima do evento danoso, procurando-se apenas distingui-los dos danos patrimoniais.

Alfredo Minozzi explicava que “a distinção do dano em patrimonial e não patrimonial não se refere ao dano em sua origem, mas ao dano em seus efeitos”, caracterizando os danos não patrimoniais como aqueles “que não lesam o patrimônio da pessoa” (MINOZZI, Alfredo. Studio sul danno non patrimoniale: danno morale. Milano: Società Editrice Libraria, 1917, p. 40).

Na mesma linha, José de Aguiar Dias afirmava que o dano moral não é a lesão ou a violação de um direito, mas efeito dessa lesão (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 775).

Os Mazeaud qualificam como dano moral “o prejuízo que constitui um atentado contra um direito extrapatrimonial, ou seja, não pecuniário” (MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Leon. Leciones de dercho civil.Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa – América, 1962. p. II. v. II., p. 56).

Esse conceito negativo, porém, é passível de crítica, pois, em verdade, pouco diz acerca da essência do instituto, apenas permitindo estabelecer a característica que o dano extrapatrimonial não detém: conteúdo econômico ou patrimonial.

Nas hipóteses de danos corporais graves, como os provocados por homicídio ou a incapacidade permanente decorrente de lesão corporal, em que a sua ocorrência é manifesta, são facilmente perceptíveis as diferenças entre os prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais derivados de um mesmo fato.

Entretanto, em situações de menor gravidade, essa definição deixa de ser satisfatória, pois, frequentemente, não permite estabelecer, no caso concreto, a configuração, ou não, de dano extrapatrimonial, servindo de exemplo os prejuízos decorrentes de um registro negativo indevido nos cadastros restritivos de crédito ou os problemas ocorridos no transporte aéreo como os transtornos ensejados pelos atrasos de vôos ou pela ocorrência de “overbooking”.

A insuficiência da concepção negativa de dano extrapatrimonial tem determinado que se tente alcançar um conceito positivo ou substantivo de dano moral, acrescentando-se mais elementos para a sua caracterização.

Uma das primeiras tentativas de construir um conceito substantivo de dano extrapatrimonial foi desenvolvida por Roberto Brebbia, procurando estabelecer a ligação do instituto com os direitos da personalidade ao afirmar que o dano moral deriva da “violação de um ou vários direitos inerentes à personalidade de um sujeito de direito” (BREBBIA, Roberto. El dano moral. Buenos Aires: Editorial Bibliográfica Argentina, 1950, p. 84). Partindo da classificação dos prejuízos conforme a natureza do direito subjetivo violado, Brebbia explica que os danos patrimoniais são consequência da violação de direitos patrimoniais (bens suscetíveis de valoração pecuniária), enquanto os danos extrapatrimoniais ou morais são decorrentes de violações a direitos inerentes à personalidade. Considerando esse o único critério certeiro e eficaz para individualizar o dano moral, conceitua-o como derivado da “violação de um ou vários direitos inerentes à personalidade de um sujeito de direito”.

Essa definição substantiva apresenta como principal vantagem em relação à concepção negativa a inclusão de um elemento caracterizador do instituto, permitindo uma maior clareza na identificação da sua ocorrência. Com isso, somente são considerados danos extrapatrimoniais os prejuízos sem conteúdo econômico derivados de uma ofensa a direitos da personalidade (vida, integridade físico-psíquica, liberdade, honra, privacidade).

A principal crítica a essa concepção positiva é que ela seria excessivamente reducionista, pois restringiria o alcance do instituto, não abrangendo alguns danos extrapatrimoniais, como os prejuízos de afeição resultantes da morte de parente próximo, que não se enquadrariam entre os direitos da personalidade.

A objeção é exagerada, resultando de uma concepção restritiva da noção de direitos da personalidade, que, na realidade, deve ser ampliada para abranger o mais importante deles, que é a tutela da vida humana.

Os direitos da personalidade, por serem direitos inerentes à própria personalidade, apresentam como características a instransmissibilidade, a indisponibilidade e a irrenunciabilidade, consoante expresso no art. 11 do CC/2002. Constituem “direitos essenciais”, sem os quais a personalidade restaria uma suscetibilidade completamente irrealizada e sem os quais os demais direitos subjetivos perderiam interesse para o indivíduo, tendo sido qualificados como direitos inatos ou naturais pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

Modernamente, os direitos da personalidade passaram a ser regulados, de forma crescente, pelas principais codificações europeias, como os estatutos civis da Áustria (§ 16), Alemanha (§ 12), Suíça (§ 28) e Itália (arts. 5o a 10).

Especial destaque merece o CC português de 1966, que, em seus artigos 70 a 81, conferiu-lhes uma ampla proteção, iniciando-se por uma cláusula geral de tutela dos direitos da personalidade, estatuindo, em seu art. 70 (n. 1), que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.

Não tendo sido suficiente essa regulamentação no seio das codificações civis para a sua efetiva proteção, como evidenciaram as atrocidades cometidas ao longo da Segunda Guerra Mundial, foram elevados para o patamar constitucional, passando a ser arrolados entre os direitos fundamentais nas principais constituições contemporâneas, com especial destaque para Itália (1947) e Alemanha (1949), que, no pórtico de suas cartas constitucionais, estabelecem a exigência de respeito à dignidade da pessoa.

No Brasil, nessa nova perspectiva, Maria Celina Bodin de Moraes estabelece a correlação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o dano moral, anotando que “o dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade, que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal, em particular e diretamente decorrente do princípio (fundante) da dignidade da pessoa humana (também identificado com o princípio geral de respeito à dignidade humana)” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 132).

Analisando o CC/2002, Paulo Luiz Netto Lôbo, de forma ainda mais específica, sustenta que não existem danos morais fora das violações aos direitos da personalidade, desenvolvendo o seu raciocínio a partir da história dos dois institutos, que tiveram grande resistência de parte da doutrina e que obtiveram reconhecimento expresso no mesmo dispositivo legal (art. 5o, X) da CF/88 (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direito da personalidade. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 2, n. 6, abr./jun. 2001). Afirma que os direitos da personalidade, como atributos inerentes à condição humana, consagrados como modalidades de direitos fundamentais, constituem autênticos direitos subjetivos não patrimoniais previstos e tutelados pelo direito objetivo (Constituição, Código Civil). Após catalogar os principais direitos da personalidade das pessoas naturais (vida, integridade físico-psíquica, liberdade, honra) e jurídicas, com ênfase na sua consagração constitucional, conclui com a afirmação de que “a rica casuística que tem desembocado nos tribunais permite o reenvio de todos os casos de danos morais aos tipos de direitos da personalidade” e arremata com a observação de que “nenhum dos casos deixa de enquadrar-se em um ou mais de um dos tipos, conforme acima analisados.”

O cuidado, porém, com essa noção restritiva de dano extrapatrimonial é que ela não contempla algumas modalidades, que têm surgido com freqüência cada vez maior na nossa vida em sociedade, como aqueles fatos que afetam os interesses de pessoas jurídicas e aqueles que atingem interesses coletivos ou difusos, como o chamado dano moral coletivo por ofensas ao meio ambiente.

Judith Martins-Costa, embora demonstre simpatia por uma concepção mais restritiva de dano extrapatrimonial, procura resolver essa questão, identificando três modalidades distintas, que são os danos à esfera existencial da pessoa humana, prejudicando interesses ligados aos direitos da personalidade; os danos à esfera da socialidade da pessoa humana, afetando interesses transindividuais não patrimoniais, como os danos ao meio ambiente; os danos à honra objetiva de pessoa jurídica (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações.Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 5, t.1-2. Comentários ao art. 403, n. 2.1.2.2, p. 339).

Essa orientação mais flexível mostra-se a mais correta, pois, ao mesmo tempo em que inibe a vulgarização do instituto jurídico, abre espaço para novas modalidades de danos extrapatrimoniais por ofensas a interesses jurídicos relevantes, como os danos ao meio ambiente, que, cada vez mais, estão a exigir ampla proteção.

 

2. Arbitramento da indenização do dano moral

A principal questão controvertida, na atualidade, relativamente aos danos extrapatrimoniais, situa-se em torno do arbitramento da correspondente indenização.

O arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais deve ser feito de forma equitativa, conforme aludido pelo legislador do Código Civil de 2002 nas hipóteses de ofensas contra a honra (art. 953, parágrafo único) ou contra a liberdade pessoal (art. 954, parágrafo único).

Relembre-se a discussão existente acerca da natureza da indenização e dos critérios para sua quantificação (tarifamento legal ou arbitramento judicial).

A identificação da natureza da indenização por dano extrapatrimonial guarda íntima relação com a própria função da responsabilidade civil (ressarcimento do ofendido ou punição do ofensor), constituindo um tema sempre controvertido.

No caso específico dos danos extrapatrimoniais, a questão é particularmente interessante, pois as duas funções estão presentes na respectiva indenização.

A função fundamental da responsabilidade civil é naturalmente a ressarcitória, voltada à remoção dos efeitos danosos de uma injusta lesão sofrida por uma pessoa decorrente de ato praticado por outra (ALPA, Guido et alli. Obbligazioni contrattuali ed extracontrattuali. Torino: G. Giappichelli, 2001, p. 981).

Nos danos extrapatrimoniais, em que não é possível uma mensuração precisa da indenização pecuniária, sua finalidade é satisfatória, buscando ser um lenitivo ao sofrimento do sujeito lesado.

Judith Martins-Costa, comentando o disposto no art. 402 do CC/2002, lembra que, “a rigor, não é possível falar em ‘indenização’ do dano não patrimonial”, pois “nesses casos, a entrega de uma soma em dinheiro tem uma função ao mesmo tempo satisfativa à vítima e compensatória do prejuízo sofrido” (MARTINS-COSTA, 2003)

Além disso, particularmente na indenização do dano extrapatrimonial, mostra-se ainda possível vislumbrar alguns traços da função sancionatória ou punitiva eventualmente reassumida pela responsabilidade civil.

Esses traços da natureza da indenização do dano extrapatrimonial aparecem com muita nitidez no momento do seu arbitramento, constituindo um dos problemas mais delicados da prática forense na atualidade, em face da dificuldade de fixação de critérios objetivos.

Antes da análise dos critérios desenvolvidos pela jurisprudência para o arbitramento judicial, deve-se observar a possibilidade de reparação natural do dano extrapatrimonial, bem como de tarifamento legal da respectiva indenização.

A reparação natural ou in natura é a tentativa de se recolocar o lesado no mesmo estado em que se encontrava antes da ocorrência do evento danoso, restituindo-lhe um bem semelhante ao subtraído, destruído ou danificado para recomposição do seu patrimônio. Os prejuízos extrapatrimoniais, em geral, por sua própria natureza, por não terem conteúdo econômico ou patrimonial, não se coadunam, em regra, com a reparação in natura, embora, em algumas situações, a doutrina entenda que ela se mostre viável.

Pontes de Miranda, após anotar que “a reparação natural é, quase sempre, impossível”, afirma que o dano moral ou se repara pelo ato que o apague (retratação do caluniador ou do injuriante) ou pela prestação do que foi considerado reparador. Reconhece como reparação específica as medidas para retificação ou reconhecimento da honorabilidade do ofendido e a condenação à retificação ou à retratação, exemplificando com “a ação para que se retire o cartaz injurioso é ação de reparação natural” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsói, 1955-1972, v. 54, § 5536, p. 61).

Um critério que tem sido utilizado no direito brasileiro para a quantificação da indenização por dano extrapatrimonial é o tarifamento legal, consistindo na previsão pelo legislador do montante da indenização correspondente a determinados eventos danosos.

O CC/16 continha duas hipóteses de tarifamento legal, em seus artigos 1.547 (injúria e calúnia) e 1.550 (ofensa à liberdade pessoal), correspondentes aos atuais arts. 953 e 954 do CC/2002, estatuindo, que, quando não fosse possível comprovar pre­juízo material, a fixação de indenização deveria corresponder ao “dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva”. Esses dois casos de indenização por dano moral puro por ofensas à honra e à liberdade são particularmente importantes, pois desfazem a falsa ideia de que o CC/16 não continha hipóteses de indenização por dano moral. O CC/16 não possuía efetivamente uma cláusula geral de dano moral, contendo apenas a sua previsão para casos especialmente tipificados, o que representou um obstáculo para a jurisprudência, especialmente do STF, admitir a possibilidade de reparação dos prejuízos extrapatrimoniais nas hipóteses de dano-morte (art. 1.537) e de danos à integridade corporal (arts. 1.538 e 1.539), pois, apesar de mais graves, os respectivos tipos legais não contemplavam essas parcelas indenizatórias.

Esses dois casos previstos no CC/16 (arts. 1.547 e 1.550) eram hipóteses de tarifamento legal indenizatório, já que a indenização deveria ser fixada no dobro do grau máximo da multa criminal correspondente. Essa remessa à legislação criminal, confundindo as noções de ilícito civil e delito penal no que concerne aos danos extrapatrimoniais, tornou-se especialmente problemática a partir de 1984, quando o Código Penal de 1940 foi reformado pela Lei 7.209/84 e as multas criminais, cujo montante era até então inexpressivo, tiveram significativa valorização. Com isso, a cifra das indenizações por danos morais por atentados à honra e à liberdade, antes irrisória, calculada de acordo com o critério de remessa à legislação penal, passou a alcançar a expressiva soma de dez mil e oitocentos salários mínimos.

O Superior Tribunal de Justiça, em função do valor absurdo alcançado, firmou entendimento, com fundamento nos postulados normativos da proporcionalidade e da razoabilidade, no sentido da inaplicabilidade desse tarifamento legal indenizatório, inclusive porque a remessa feita pelo legislador do CC/16 à legislação penal era anterior ao próprio Código Penal de 1940, mais ainda em relação à reforma penal de 1984.

A orientação da jurisprudência do STJ passou a ser no sentido de que os juízes deveriam proceder ao arbitramento equitativo da indenização, sendo seguida pelo legislador do CC de 2002 ao redigir o parágrafo único do art. 953: “Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso”.

A principal hipótese de tarifamento legal indenizatório encontrada no Direito brasileiro era a prevista pela Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), que, em seus artigos 49 e segs., regulava a responsabilidade civil daquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, causar danos materiais e morais. Em relação aos danos materiais, estabelecia, em seu art. 54, que a indenização tinha por finalidade restituir o prejudicado ao estado anterior ao ato ilícito, acolhendo, assim, expressamente o princípio da reparação integral. Porém, em relação aos danos morais, fixava, no art. 51, um limite indenizatório, que, para o jornalista profissional, variava entre dois e vinte salários mínimos, conforme a gravidade do ato ilícito praticado. Em relação à empresa jornalística, o valor da indenização, conforme indicado pelo art. 52, poderia ser elevado em até dez vezes o montante indicado na regra anterior. Com isso, o valor máximo da indenização por danos morais por ilícitos civis tipificados na Lei de Imprensa podia alcançar até duzentos (200) salários mínimos.

Passou a ser discutida, a partir da vigência da CF/88, a compatibilidade desse tarifamento legal indenizatório da Lei de Imprensa de 1967 com o novo sistema constitucional, que, entre os direitos e garantias individuais, em seu art. 5o, logo após regular o princípio da livre manifestação do pensamento, assegurou “o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (inciso V), bem como estabeleceu que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (inciso X).

Inicialmente, a jurisprudência do STJ, após longo debate, a partir do disposto nessas normas do art. 5o, incisos V e X, da CF/88, firmou o seu entendimento no sentido de que foram derrogadas todas as restrições à plena indenizabilidade dos danos morais ocasionados por atos ilícitos praticados por meio da imprensa, deixando de aplicar tanto as hipóteses de tarifamento legal indenizatório previstas nos artigos 49 a 52, como também o prazo decadencial de três meses estatuído pelo art. 56 da Lei 5.250/67.

Consolidada essa orientação, houve a edição pelo STJ da Súmula 281 em que fica expressa a posição firme da Corte no sentido de que “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista pela Lei de Imprensa”.

A jurisprudência do STJ consagrou, assim, a reparação integral dos danos materiais e morais causados pelos veículos de comunicação social.

Posteriormente, em 2009, o Supremo Tribunal Federal, no histórico julgamento da ADPF no 130, considerou que a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) não fora recepcionada pela Constituição Federal de 1988 (STF. ADPF no 130, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. 30/4/2009).

Com isso, o melhor critério para quantificação da indenização por prejuízos extrapatrimoniais em geral, no atual estágio do Direito brasileiro, é o arbitramento equitativo pelo juiz.

Na reparação dos danos extrapatrimoniais, conforme lição de Fernando Noronha, segue-se o “princípio da satisfação compensatória”, pois “o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um preço”, mas “será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou à integridade física” (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 569).

Diante da impossibilidade de uma indenização pecuniária que compense integralmente a ofensa ao bem ou interesse jurídico lesado, a solução é uma reparação com natureza satisfatória, que não guardará uma relação de equivalência precisa com o prejuízo extrapatrimonial, mas que deverá ser pautada pela equidade.

Na Itália, Valentina di Gregório, a partir do enunciado normativo do art. 1.226 do Código Civil italiano, estatuindo que, “se il danno non può essere provato nel suo preciso ammontare, è liquidato dal giudice com valutazione equitativa (art. 2056)”, ressalta a presença da equidade integrativa, pois a norma confere poderes ao juiz para proceder equitativamente à liquidação do dano (lucros cessantes, danos futuros – art. 2.056), inclusive dos danos morais (GREGORIO, Valentina di. La valutazione eqüitativa del danno.Padova: Cedam, 1999, p. 4). Refere a autora que a Corte de Cassação italiana deixa claro que não se trata de decidir por equidade, conforme autorizado pelo art. 114 do CPC italiano para alguns casos, mas de liquidação equitativa do dano, considerando os seus aspectos objetivos, a sua gravidade, o prejudicado, a condição econômica dos envolvidos. Deixa claro que, embora a avaliação seja subjetiva, deve ser pautada por critérios objetivos.

Em Portugal, Almeida Costa chama também a atenção para aspecto semelhante, afirmando, com fundamento no disposto no art. 496, n. 3, do CC português, que a indenização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser pautada segundo critérios de equidade, atendendo-se “não só a extensão e a gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação econômica deste e do lesado, assim como todas as outras circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa” (COSTA, Mário Júlio Almeida. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 2004, p. 554).

No Brasil, embora não se tenha norma geral para o arbitramento da indenização por dano extrapatrimonial semelhante ao art. 496, n. 3, do CC português, tem-se a regra específica do art. 953, parágrafo único, do CC/2002, já aludida, que, nas hipóteses de ofensas contra a honra, não sendo possível provar prejuízo material, confere poderes ao juiz para “fixar, equitativamente, o valor da indenização na conformidade das circunstâncias do caso”, Na falta de norma expressa, essa regra pode ser estendida, por analogia, às demais hipóteses de prejuízos sem conteúdo econômico (LINDB, art. 4o).

Menezes Direito e Cavalieri Filho, a partir desse preceito legal, manifestam sua concordância com a orientação traçada por Ruy Rosado de Aguiar Júnior de que “a equidade é o parâmetro que o novo Código Civil, no seu artigo 953, forneceu ao juiz para a fixação dessa indenização” (DIREITO e CAVALIERI FILHO, 2004, p. 348). Retomando o conceito aristotélico de equidade, afirmam que se está a tratar da equidade integradora a ser utilizada pelo juiz para complementar o vazio da lei.

Esse arbitramento equitativo deve ser pautado pelo postulado da razoabilidade, transformando-se em um montante econômico a agressão a um bem jurídico sem essa dimensão.

O próprio julgador da demanda indenizatória, na mesma sentença em que aprecia a ocorrência do ato ilícito, deve proceder ao arbitramento da indenização.

Ressalte-se apenas que a autorização legal para o arbitramento equitativo não representa a outorga pelo legislador de um poder arbitrário ao juiz, pois a indenização, além de ser fixada com razoabilidade, deve ser devidamente fundamentada com a indicação dos critérios utilizados.

A doutrina e a jurisprudência têm encontrado dificuldades para estabelecer quais são esses critérios razoavelmente objetivos a serem utilizados pelo juiz nessa operação de arbitramento da indenização por dano extrapatrimonial.

No arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais, as principais circunstâncias valo­radas pelas decisões judiciais, nessa operação de concreção individualizadora, têm sido a gravidade do fato em si, a intensidade do sofrimento da vítima, a culpabilidade do agente responsável, a eventual culpa concorrente da vítima, a condição econômica, social e política das partes envolvidas.

Esses elementos objetivos e subjetivos de concre­ção, a serem levados em consideração pelo juiz, podem ser identificados na legislação brasileira, como os previstos pela revogada Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), em seu art. 53, quando estabelecia algumas circunstâncias relevantes a serem consideradas, estatuindo que, “no arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta notadamente: I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II – a intensidade do dolo e o grau de culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido.”

Maria Celina Bodin de Moraes catalagou como “aceites os seguintes dados para a avaliação do dano moral”: o grau de culpa e a intensidade do dolo (grau de culpa); a situação econômica do ofensor; a natureza a gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano); as condições pessoais da vítima (posição social, política, econômica); a intensidade do seu sofrimento (MORAES, 2003, p. 295).

Assim, as principais circunstâncias a serem consideradas como elementos objetivos e subjetivos de concreção são: a) a gravidade do fato em si e suas consequências para a vítima (dimensão do dano); b) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do agente); c) a eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente da vítima); d) a condição econômica do ofensor; e) as condições pessoais da vítima (posição política, social e econômica).

A semelhança dessas circunstâncias com a previsão do art. 59 do Código Penal não é mera coincidência, o principal problema enfrentado pelo juízo penal na fixação da pena por um crime é semelhante ao do juízo cível na quantificação da indenização por danos morais. O juízo penal transforma ofensas a bens jurídicos diversos (vida, integridade psicofísica, patrimônio, liberdade, honra) em restrições ao direito de liberdade do réu, enquanto o juízo cível converte os efeitos de agressões a interesses jurídicos sem dimensão patrimonial em indenização pecuniária. A principal diferença é que, na esfera penal, há a indicação pelo legislador de limites mínimos e máximos para as penas restritivas de liberdade, o que não ocorre na responsabilidade civil.

Outro critério bastante utilizado na prática judicial é a valorização do bem ou interesse jurídico lesado pelo evento danoso (vida, integridade física, liberdade, honra), consistindo em fixar as indenizações por danos extrapatrimoniais em conformidade com os precedentes que apreciaram casos semelhantes.

Na doutrina, esse critério foi sugerido por Judith Martins-Costa, ao observar que o arbítrio do juiz na avaliação do dano deve ser realizado com observância ao “comando da cláusula geral do art. 944, regra central em tema de indenização”. Anota que os juízes devem compreender a função das cláusulas gerais de molde a operá-las no sentido de viabilizar a ressistematização das decisões, que atomizadas e díspares em seus fundamentos, “provocam quebras no sistema e objetiva injustiça, ao tratar desigualmente casos similares”. Sugere que o ideal seria o estabelecimento de “grupos de casos típicos”, “conforme o interesse extrapatrimonial concretamente lesado e consoante a identidade ou a similitude da ratio decidendi, em torno destes construindo a jurisprudência certos tópicos ou parâmetros que possam atuar, pela pesquisa do precedente, como amarras à excessiva flutuação do entendimento jurisprudencial”. Ressalva que esses “tópicos reparatórios” dos danos extrapatrimoniais devem ser flexíveis de modo a permitir a incorporação de novas hipóteses e evitar a pontual intervenção do legislador (MARTINS-COSTA, 2003, Comentários ao art. 403, n. 2.1.2.2, p. 351 e segs.).

Esse critério, bastante utilizado na prática judicial brasileira, embora não seja expressamente reconhecido pelos juízes e tribunais, valoriza o bem ou interesse jurídico lesado (vida, integridade física, liberdade, honra, privacidade) para fixar as inde­nizações por danos morais em conformidade com os precedentes que apreciaram casos semelhantes.

A vantagem desse método é a preservação da igualdade e da coerência nos julgamentos pelo juiz ou tribunal, assegurando isonomia, porque demandas semelhantes recebem decisões similares, e coerência, pois as sentenças variam na medida em que os casos se diferenciam.

Outra vantagem desse critério é permitir a valorização do interesse jurídico lesado (v.g. direito de personalidade atacado), ensejando que a reparação do dano extrapatrimonial guarde uma razoável relação de conformidade com o bem jurídico efetivamente ofendido.

Esse método apresenta alguns problemas de ordem prática, sendo o primeiro deles o fato de ser utilizado individualmente por cada unidade jurisdicional (juiz, câmara ou turma julgadora), havendo pouca permeabilidade para as soluções adotadas pelo conjunto da jurisprudência.

Outro problema reside no risco da excessiva rigidez em sua utilização, conduzindo a um indesejado tarifamento judicial das indenizações por prejuízos extrapatrimoniais, ensejando um engessamento da atividade jurisdicional e transformando o seu arbitramento em uma simples operação de subsunção, e não mais de concreção.

Em suma, a valorização do bem ou interesse jurídico lesado é um critério importante, devendo-se apenas ter o cuidado para que não conduza a um engessamento excessivo das indenizações por prejuízos extrapatrimoniais, caracterizando um indesejado tarifamento judicial com rigidez semelhante ao tarifamento legal.

Por isso, o método mais adequado para um arbitramento razoável da indenização por dano extrapatrimonial resulta da reunião dos dois últimos critérios analisados, valorizando-se tanto as circunstâncias, como o interesse jurídico lesado.

Assim, o arbitramento equitativo da indenização por prejuízos sem conteúdo patrimonial deve ser desdobrado em duas etapas.

Na primeira fase, arbitra-se o valor básico da indenização, considerando-se o interesse jurídico atingido, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (técnica do grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas desigualmente na medida em que se diferenciam.

Na segunda fase, procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustando-se o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias. Partindo-se da indenização básica, esse valor deve ser elevado ou reduzido de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da
vítima, condição econômica das partes) até se alcançar o montante definitivo.

Com a utilização desse método bifásico, procede-se a um arbitramento efetivamente equitativo, respeitando-se as circunstâncias e as peculiaridades de cada caso concreto.

Chega-se, desse modo, a um ponto de equilíbrio em que as vantagens dos dois critérios estarão presentes. Alcança-se, de um lado, uma razoável correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, enquanto, de outro lado, obtém-se um montante correspondente às circunstâncias do caso. Finalmente, a decisão judicial apresenta a devida fundamentação acerca da forma como arbitrou o valor da indenização pelos danos extrapatrimoniais.

No STJ, a Ministra Nancy Andrighi, fez utilização desse método bifásico para quantificação da indenização por danos morais derivados da morte de passageiro de transporte coletivo em demanda indenizatória proposta pelos pais e uma irmã. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais fixara a indenização por danos morais em vinte mil reais para cada um dos pais e dez mil reais para a irmã, ensejando recurso especial. A relatora, após anotar que, em hipóteses semelhantes, o STJ tem fixado as indenizações por danos morais em valores que variam entre 200 e 625 salários mínimos, fazendo referência a um grupo de sete precedentes, passou a analisar as peculiaridades do caso, arbitrando, então, a indenização em sessenta mil reais para cada um dos três demandantes (STJ, 3a T., REsp. no710.879/MG, rel.: Ministra Nancy Andrighi, j. 1o/6/2006, DJ 19/6/2006, p. 135).

Em 2011, este autor foi relator de alguns casos de responsabilidade civil por morte da vítima em que foi possível aplicar o método bifásico, sendo o primeiro deles um recurso especial em que se discutia o valor da indenização por dano moral sofrido pelo esposo da vítima falecida em acidente de trânsito, que fora arbitrado pelo tribunal de origem em dez mil reais. O recurso especial foi provido, com a aplicação do método bifásico, elevando-se o valor da indenização por dano moral para os patamares fixados na jurisprudência da Corte (STJ, 3a T., REsp. 959.780/ES, rel. Min. Paulo Sanseverino, j. 26/4/201). Aplicou-se o mesmo método em hipóteses de morte de criança em acidente de trânsito ocorrido durante transporte escolar (STJ, 3a T., REsp 1.197.284/AM, Rel. Min. Paulo Sanseverino, j. 23/10/2012) e de morte de passageiro em estação de trem (STJ, 3a T., REsp 1.197.284/AM, Rel. Min. Paulo Sanseverino, j. 23/10/2012).

O método bifásico de quantificação da indenização por dano moral foi também aplicado a hipóteses de danos morais de pequena monta, como casos de inscrição indevida em cadastros de devedores inadimplentes (STJ, 3a T., REsp 1.152.541/RS, Rel. Min. Paulo Sanseverino, j. 13/9/2011) ou de recusa de cobertura securitária por plano de saúde (STJ, 3a T., REsp 1.243.632/RS, Rel. Min. Paulo Sanseverino, j. 11/9/2012).

Enfim, o método bifásico é o que melhor atende às exigências de um arbitramento equitativo da indenização por danos extrapatrimoniais, pois, além, de estar pautado em critérios razoavelmente objetivos, permite que seja ela fixada de acordo com as circunstâncias do caso concreto como exige a equidade.