STJ contra a impunidade

6 de outubro de 2014

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RJC_170_1Francisco Falcão assumiu a presidência do STJ com o compromisso de promover o julgamento das ações penais contra autoridades. E já começou a agir para atingir o objetivo. Ele também tomou ações administrativas para sanear a Corte: restrição de viagens internacionais por ministros foi uma delas

Com apenas um mês, o ministro Francisco Falcão deu mostras de como será sua gestão à frente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mal assumiu a presidência da Corte, no dia 1o de setembro, editou resolução para restringir viagens internacionais dos membros da Casa, em resposta clara às denúncias que chegaram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de abusos na concessão de passagens e diárias. Na sequência, ele defendeu a proposta apresentada pela Comissão de Regimento Interno do Tribunal de restringir o acúmulo de cargos administrativos pelos ministros. O Plenário acatou o pedido e, no dia 17 daquele mesmo mês, aprovou regras mais racionais para a distribuição das tarefas. Pelo andar dos acontecimentos, tudo indica que as ações moralizantes estão apenas no início.

Nesse sentido, destaca-se a proposta já anunciada pelo ministro de instaurar uma espécie de “ficha limpa” no STJ, com a realização de consultas ao CNJ, à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre os candidatos indicados a uma vaga na Corte. Indagado pela Revista Justiça & Cidadania se será um presidente linha dura, o ministro disparou: “Serei um presidente que se preocupa com uma atuação transparente, eficiente e rápida. Se isso é ser linha dura…”.

No plano jurisdicional, a principal meta de Falcão é promover o julgamento das ações penais contra governadores, magistrados e conselheiros de Tribunais de Contas estaduais. Para viabilizar isso, o ministro estuda uma parceria com a Procuradoria-Geral da República (PGR) para dar preferência ao andamento dos inquéritos e processos que envolvem autoridades. Ele também vem mantendo diálogo com os ministros relatores desses casos, para que agilizem o julgamento.

A postura do ministro na direção do STJ vai no estilo da que ele adotou na Corregedoria Nacional de Justiça – órgão do CNJ, que comandou entre setembro de 2012 e agosto deste ano. Em dois anos, o corregedor Falcão abriu 20 Procedimentos Administrativos Disciplinares (PADs) que resultaram no afastamento de 16 juízes. Na avaliação do agora presidente do Tribunal da Cidadania, a razão para querer focar as ações penais contra autoridades é simples: “É algo que incomoda a mim, ao Judiciário e a toda a população, esse sentimento de impunidade”, afirmou.

Segundo Falcão, incomoda também a demora na solução dos litígios. Por isso, ele asseverou que irá priorizar o julgamento dos recursos repetitivos – dispositivo jurídico que representa um grupo de recursos com teses idênticas acerca de uma questão de direito. Quando um recurso especial é classificado como repetitivo, os demais ficam suspensos nos tribunais de origem até a palavra final do STJ. “Pretendo colocar em julgamento casos em que os cidadãos brasileiros mais demandam à Justiça, como aquelas ações envolvendo bancos, telefônicas e órgãos do governo”, garantiu.

No entanto, Falcão sabe que é preciso mais para tornar o STJ mais ágil. Criado pela Constituição Federal para desafogar o Supremo Tribunal Federal (STJ), a Corte sofre hoje com o excesso de processos, mesmo mal que acometia o Tribunal Constitucional. Segundo o ministro, a demanda do órgão responsável por dar a palavra final sobre a legislação infraconstitucional no Brasil saltou de 6,1 mil ações, em 1989, para 309 mil, no ano passado.

De acordo com Falcão, uma possível saída para a iminente atrofia é a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional no 209/2012. De autoria dos deputados Luiz Pitiman (PMDB/DF) e Rose de Freitas (PMDB/ES), a proposição visa a obrigar o recorrente a demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, a fim de que o STJ examine a admissão do recurso especial. O texto está pronto para ser votado pelo Plenário da Câmara dos Deputados. A aprovação será uma das batalhas do novo presidente do STJ. “A PEC no 209/2012 é muito importante, já que criará uma regra para a análise da admissibilidade do recurso especial”, destacou.

Francisco Cândido de Melo Falcão Neto é natural de Recife, Pernambuco. Ele tem 62 anos, é casado e pai quatro filhos. Ingressou na magistratura em 1989, após ser indicado para o Tribunal Regional Federal da 5a Região (TRF5), em vaga destinada à advocacia. Foi juiz eleitoral de 1989 a 1991. De 1996 a 1997, foi vice-presidente e corregedor regional da 5a Região. E em 1997, assumiu a presidência da Corte Regional. Cumpriu o mandato de dois anos e, em 1999, foi nomeado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso para o cargo de ministro do STJ. Confira a íntegra da entrevista:

Revista Justiça & Cidadania – Quais são suas prioridades para o STJ?
Francisco Falcão – São duas prioridades. Primeiro, como forma de atender diretamente aos cidadãos, queremos priorizar o julgamento de recursos repetitivos. Com isso, pretendo colocar em julgamento casos em que os cidadãos brasileiros mais demandam à Justiça, como aquelas ações envolvendo bancos, telefônicas e órgãos do governo. A outra prioridade é sobre algo que incomoda a mim, ao Judiciário e a toda a população, que é esse sentimento de impunidade. Para combatê-lo, vamos trabalhar em parceria com a Procuradoria-Geral da República e dar preferência ao andamento de inquéritos e ao julgamento de ações penais contra governadores, desembargadores e conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais. Até porque considero que o processo penal tem de ser o primeiro a ser julgado.

Como o senhor pretende agilizar essas ações?
Para agilizar o andamento dessas ações e desses inquéritos no STJ, faremos uma parceria com a Procuradoria-Geral da República. Conversarei com os ministros relatores, pois são eles que conduzem cada caso. Alguns até já manifestaram o interesse nesse sentido. Com essa iniciativa, estaremos contribuindo para combater a impunidade, que não encontrará espaço em nossa gestão, até porque, como já disse: a Justiça deve valer para todas as pessoas.

O STJ foi criado pela Constituição para socorrer o STF e agora sofre do mesmo mal que a Corte Constitucional: o volume de ações. Uma das saídas possíveis para resolver o problema seria a PEC no 209/2012. Na sua avaliação, por que a proposta é importante para o Tribunal e como o senhor pretende agir para que o texto seja aprovado?
Creio que a aprovação da PEC no 209/2012 é muito importante, já que criará regra para a análise da admissibilidade do recurso especial, avaliando-se, dessa forma, a relevância da questão federal a ser decidida. Será necessário demostrar, assim, que a repercussão geral ultrapassa interesses subjetivos. Trabalharemos para a sua aprovação, pois entendemos que com as definições claras, STJ e STF atuarão juntos para dar mais celeridade aos milhões de processos que passam pelos Tribunais.

O senhor disse que pretende priorizar o julgamento dos recursos repetitivos, que envolvem demandas de massa, geralmente aquelas contra bancos, operadoras de telefonia e concessionárias de serviço público. Como o senhor pretende fazer isso?
Temos no STJ um setor que se chama Núcleo de Recursos Repetitivos, o Nurer, que será coordenado por um ministro do Tribunal, Paulo de Tarso Sanseverino, e assessorado por um juiz que trouxemos do Conselho Nacional de Justiça. Com isso, vamos analisar com mais rapidez os casos de maior visibilidade, como, por exemplo, esses que envolvem bancos e empresas de telefonia. Chegam ao STJ milhares de recursos repetitivos, que são para decidir o mérito de causas represadas em todo o Judiciário. Então, vamos priorizar o julgamento desses recursos e fazer um apelo junto aos relatores para que agilizem seus pareceres, principalmente daqueles casos que envolvem grande número de pessoas litigiando. Tenho convicção de que, desse modo, vamos dar mais celeridade aos julgamentos de causas importantes. Ao mesmo tempo, queremos promover a cultura de métodos como a conciliação, a mediação e a arbitragem, que devem ganhar cada vez mais espaço nas instâncias do Judiciário brasileiro para a busca da solução para os litígios. Os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça mostram que o número de processos judiciais é alarmante e não para de crescer. Para se ter uma ideia, a quantidade de ações que chegam ao STJ saltou de 6,1 mil para 309 mil entre 1989 e 2013. São demandas legítimas da população que estão a exigir que todas as instâncias do Poder Judiciário atuem conjuntamente.

Na posse, o senhor afirmou que a solução para a morosidade depende também do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Na sua avaliação, como esses Poderes podem contribuir para diminuir a demora nos julgamentos?
O Poder Legislativo tem papel decisivo, pois pelo Senado e pela Câmara dos Deputados passam temas fundamentais para o País. As casas que versam sobre leis, que votam propostas de emendas constitucionais, que aprovam projetos de lei vindos do Executivo, têm de estar cientes das suas responsabilidades na garantia da segurança constitucional. Quanto mais claras e cristalinas forem as decisões de Câmara e do Senado, menos contestações e interpretações teremos sobre a constitucionalidade deste ou daquele assunto, gerando-se, assim, menos demandas ao Poder Judiciário. Por exemplo, as reformas dos Códigos Penal e de Processo Civil que estão sendo analisadas no Legislativo devem garantir mais agilidade ao Judiciário.

O senhor também defendeu a implantação do processo eletrônico. Mas o sistema construído pelo CNJ vem sofrendo muitas críticas. Nessas circunstâncias, o senhor acha que o PJe deve continuar sendo implantado nos tribunais?
Qualquer processo eletrônico tem a finalidade de dar mais agilidade e facilidade ao seu usuário. Porém, é necessário sempre, se há problemas no acesso a esses sistemas, que sejam avaliadas as falhas e que elas sejam corrigidas. O importante é usar a tecnologia a serviço das pessoas, e não o contrário.

No período em que o senhor esteve à frente da Corregedoria do CNJ, o órgão abriu 20 PADs, que resultaram no afastamento de 16 juízes. Na iminência de assumir o STJ, o senhor disse à imprensa que pretende agilizar os processos contra autoridades. O senhor será um presidente linha dura com relação às ações penais?
Serei um presidente que se preocupa com uma atuação transparente, eficiente e rápida do Tribunal. Se isso é ser linha dura… Prefiro dizer que serei rigoroso no cumprimento do meu dever como presidente do Superior Tribunal de Justiça. É importante que possamos dar o exemplo e que haja punição para aqueles que cometeram irregu­la­ri­dades. Isso serve para todos: do agricultor ao magistrado.

Por que o senhor tomou a decisão de implantar uma espécie de “ficha limpa” no STJ, por meio de consultas ao CNJ, à Polícia Federal e à Abin sobre os candidatos indicados à uma vaga na Corte?
Porque tenho convicção de que a exigência de conduta ilibada deve ser incrementada à medida que aumenta a importância da posição pública pretendida. Quanto mais relevante o cargo, maior a expectativa social de integridade ética. A lei atribui ao magistrado o dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular, pois lhe cabe função exemplar de cidadania.

O senhor também presidirá o Conselho da Justiça Federal (CJF). Quais são os seus planos para o órgão de planejamento da Justiça Federal?
Queremos realizar uma gestão transparente e aberta, empenhada em garantir o fortalecimento das cinco regiões que compõem o CJF. Nossa gestão será democrática e pautada pela integração dos diversos órgãos que fazem parte da Justiça Federal.