Efeitos jurídicos da eleição do empregado a cargo de diretor da empresa

31 de maio de 2010

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Introdução

Vou de logo antecipando que uso o termo empresa para significar a atividade do empresário porque se trata de expressão consagrada pelo uso. A própria CLT o usa ora para significar a atividade do empresário, ora para referir-se ao próprio empresário, ora para definir estabelecimento, ou fundo de comércio, ou grupo econômico, ou sucessão de empregadores, e o mais. Exemplo claro do que digo está no próprio art. 2o, onde o legislador disse que “empregador é a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Se tivesse dito apenas que empregador é a empresa, teria construído um conceito tão perfeito de empresa que faria corar de ódio Asquini, Vivante e Ascarelli, para dizer o mínimo, mas ao avançar num didatismo desnecessário baralhou o conceito de empresário ao de empresa e o de empresa ao de estabelecimento e mais não fez senão pôr água numa fervura que já vem de longe.

Há um ditado popular que diz que é o uso do cachimbo que deixa a boca torta. Não adianta, penso eu, tentar plantar na cultura geral do foro que o correto agora é dizer sociedade simples ou sociedade empresária segundo se queira referir às sociedades que têm ou não têm elemento de empresa porque a praxe já sedimentou o termo empresa, assim como autores muito famados continuam usando a expressão direito comercial em vez de direito empresarial[1]. Tudo isso é filigrana que não leva a lugar nenhum. Decerto não desconheço que isso causa algum desconforto aos civilistas, encantados com as novidades do novo Código Civil, nem aos empresarialistas, até ontem comercialistas, mas o que esses estudiosos muito depressa fizeram foi adotar o nomem juris direito empresarial para o velho e combalido direito comercial, a partir de um silogismo tão simples quanto óbvio. Desde o século XIX já se sabia que nas sociedades civis existiam organizações econômicas destinadas à produção de bens ou serviços, comandadas por pessoas que reuniam e adaptavam recursos a essas necessidades sociais e remuneravam aqueles que emprestavam seu esforço pessoal à consecução desses objetivos. Deu-se a essa organização dos fatores de produção o nome empresa, e a quem a comandava, o de empresário. Empresa foi, é e será, sempre, a atividade organizada pelo empresário para produzir alguma coisa para o mercado. A primeira ideia de empresa estava no art. 632 do Código francês de 1807, que, ao enumerar os atos de comércio, incluiu todas as empresas de manufatura e as empresas de fornecimento. Como o conceito de empresa fiava-se na ideia de uma organização que praticava atos de comércio, era comerciante aquele que fazia da prática dos atos de comércio sua profissão habitual. Até aí o direito que regulava essa atividade era chamado direito comercial porque era o “direito dos que praticavam com regularidade atos de comércio”. Quando se firmou o entendimento de que o sujeito que organizava essa empresa, isto é, essa organização econômica destinada à produção ou à circulação de bens ou serviços para o mercado, podia melhormente ser chamado de empresário, o conceito de comerciante evoluiu “daquele que pratica habitualmente atos de comércio” para “aquele que organiza a empresa”, e aí o comerciante virou empresário e o direito comercial virou direito empresarial.

É por isso que para o escárnio dos empresarialistas eu continuo chamando o empresário de comerciante e o direito empresarial de direito comercial. O Prof. Rubens Requião é que está certo. Ele diz que quando o art. 19 do Regulamento no 737, de 1850, incluiu as empresas no rol dos atos de comércio, o legislador brasileiro deu ao conceito de empresa a ideia de repetição de atos de comércio, exatamente como estava no direito francês, e como já haviam observado Jean Escarra e Inglez de Souza.

No fundo é tudo a mesma coisa.

Mas não vim criar polêmica. Vim investigar que efeitos jurídicos respingam no contrato de trabalho quando o empregado é alijado dessa condição e alçado à condição de diretor da empresa onde trabalha. Não falo do sujeito que nunca foi empregado e já veio contratado como diretor, mas do que até ontem era empregado subordinado e, por vontade dos sócios, diretores ou acionistas, deixou de sê-lo para tornar-se diretor. Como disse Aristóteles[2], “uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo”. O estagirita tinha razão desde aquela época. Se o sujeito era empregado e passa a diretor da empresa, não pode ser empregado de si mesmo. Algum reflexo isso deve ter sobre o contrato de trabalho e sobre o ponto a doutrina e os tribunais não têm consenso. O que quero estudar são os efeitos da eleição do empregado a cargo de diretor da empresa (ou, se acharem mais fashion, da “sociedade empresária”) sobre o contrato de trabalho.

Esta é a minha empresa.

Viram como o termo é dúbio? O sentido aqui é de empreitada!

Contrato de trabalho

A CLT diz que o contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso que corresponde à relação de emprego[3]. Conceito oco, tautológico e óbvio. Se todo contrato é um negócio bilateral, é, antes de mais, um acordo de duas ou mais vontades. O direito não conhece nem reconhece nenhum acordo contra a vontade. Dizer que contrato é acordo é afirmação que bem poderia não estar ali. Afirmar que um acordo é um acordo e que corresponde à relação de emprego é o mesmo que dizer que uma coisa é uma coisa que corresponde a outra coisa que ninguém explica o que é. Falaremos disso noutra ocasião. Por ora, basta ter em boa conta que o contrato de trabalho é de atividade; não tem conteúdo específico[4]. Sendo intuitu personae, e de trato continuativo, quem se emprega aliena por tempo indeterminado a si próprio ou a sua força de trabalho em prol da atividade empresarial que o contrata, remunera e dirige a prestação pessoal desse serviço[5]. A esse prestar serviços para outrem os hispânicos chamam “ajenidad”, outra coisa óbvia porque o trabalho prestado a si mesmo pode ser tudo, menos trabalho segundo a acepção que aqui nos interessa. Só se pode falar em trabalho se se tratar de atividade produtiva despendida em favor de outrem, e mediante pagamento. Fique, assim, a primeira premissa: não há contrato de trabalho consigo mesmo, como, em regra, consigo mesmo não há outro contrato qualquer.

Contrato é um negócio jurídico bilateral, donde se intuir que se o empregado é eleito para cargo de direção da empresa, não poderá ser patrão de si mesmo. Ou prevalece o contrato de trabalho, no todo ou em parte, ou o contrato cessa e dá lugar a outro, seja de mandato ou representação, ou o sujeito passa a órgão da sociedade, e aí não há nem contrato nem mandato, mas algum efeito isso há de ter sobre a relação de emprego, que é o elemento ético, imaterial, subjacente ao próprio contrato de trabalho. Vimos que empregador é a empresa, e que empresa é a atividade do empresário. Empresa não é sujeito de direito, mas objeto dele. Seu conceito é econômico. Para o direito do trabalho, empresa é uma categoria jurídica[6]. Brunetti dizia que a empresa, como entidade jurídica, é uma abstração[7], e os “efeitos da empresa não são senão efeitos a cargo do sujeito que a exercita”. Ao que disse, se, do lado político-econômico, a empresa é uma realidade, “do jurídico é uma abstração porque, reconhecendo-se como organização de trabalho formada das pessoas e dos bens componentes da azienda, a relação entre a pessoa e os meios de exercício não pode conduzir senão a uma entidade abstrata, devendo na verdade ligar-se à pessoa do titular”. Esse sujeito titular é o empresário.

Empresa é uma realidade econômica[8], centro de decisão capaz de adotar estratégia voltada à produção de bens e serviços[9], uma combinação de fatores de produção — terra, capital,trabalho — ou unidade de produção que trabalha para o mercado[10]. O fim da empresa resulta da atuação de três fatores: dissociação entre propriedade e controle, interferência sindical e intervencionismo estatal.

A dissociação entre a propriedade e controle da empresa moderna gerou o que Galbraith chamou de tecnoestrutura[11], isto é, controle e administração da empresa por técnicos, longe das mãos dos donos. A intervenção dos sindicatos também altera a face legal da empresa porque pulveriza o poder do empresário, já que os delegados sindicais, de pessoal, de empresa, as comissões internas e os representantes dos trabalhadores participam, de uma ou de outra forma, dos órgãos de administração, da divisão de lucros, dos desígnios do negócio[12]. O intervencionismo estatal que também influi no formato da empresa está no controle dos preços, na fixação do câmbio, nas regras de mercado, na autorização para funcionar, nas normas técnicas que edita, na fiscalização que se permite fazer para o bem do interesse público, na tributação, nas regras protetivas do meio ambiente de trabalho, da saúde ocupacional e na segurança dos trabalhadores e na utilidade dos produtos e serviços que as empresas põem no mercado.

Quando o legislador celetista diz que empregador é a empresa, empresta ao conceito a funcionalidade que esse ramo especializado do direito reclama, na medida em que acentua a importância do fenômeno da despersonalização da figura do empregador de modo a antecipar que nenhuma modificação da estrutura da empresa ou na alteração de sua titularidade será relevante para os direitos do empregado e para a sorte do contrato de trabalho, premissas, aliás, ditas, com todas as tintas, nos arts.10 e 448 da CLT[13]. Para o direito do trabalho, empresa é sociedade hierarquizada não dotada de personalidade, e que tem por objetivo realizar o bem comum da comunidade em que se insere[14]. É essa ideia de sociedade hierarquizada que legitima na pessoa do empresário o direito potestativo sobre o contrato de trabalho e os poderes disciplinar e diretivo sobre seus empregados e demais colaboradores. Mas é exatamente essa hierarquização que põe em combate num mesmo ringue o contrato de trabalho e o cargo de direção do empregado quando o trabalhador, por vontade da empresa, é alçado da condição de subordinado à de um de seus órgãos diretivos, ou investido de mandato.

A CLT é pródiga em regras que dão à empresa um caráter institucional. Essa ideia de empresa como instituição não é isenta de críticas. Opõe-se a ela a objeção de que o conceito de empresa como instituição pressupõe unidade de propósito e objetivos comuns, quando a prática mostra que há permanente conflito de interesses entre dirigentes e trabalhadores[15]. A essa restrição opõe-se Magano — e com sobrada razão —, remarcando que posições potencialmente conflitantes das individualidades que compõem a comunidade empresarial não obstam que, num processo dialético de superação, a empresa persiga e alcance objetivos próprios, que não se confundem com os objetivos dos diversos grupos em conflito[16]. Em suma, o fato de existirem na empresa interesses particulares ocasionalmente em conflito não retira a evidência de que a empresa tem interesse unitário, diverso dos interesses fragmentários que compõem o seu universo de diretores, empregados e colaboradores.

Diretor de empresa

É fora de dúvida que o empregado eleito diretor da sociedade goza de fidúcia excepcional. Fidúcia provém do latim fiducia, de fidere, confiar, que equivale a confiança, fidelidade, para significar cumprimento pontual, exatidão, exação. No direito romano, a expressão identificava a venda fictícia que se fazia ao credor com a condição de ser desfeita ou de se transferir novamente o bem ao devedor quando este pagasse a dívida por inteiro. Ao credor, chamavam fideicomissário, e ao devedor, fiduciário. A venda provisória, fictícia ou simulada chamava-se fideicomisso. Na acepção corrente, fidúcia significa encargo ou ônus que pesa sobre a propriedade dada em fideicomisso. A expressão conserva a raiz latina de “algo que se dá em confiança de alguém”. Aplicado, o conceito, ao contrato de trabalho, significa que patrão e empregado devem se comportar eticamente em relação à contraparte e a terceiros, respeitando o combinado e, em particular, os deveres não expressos. Quando empregado e patrão contratam um emprego, o que está no alicerce desse comércio jurídico é a confiança mútua. Ambos devem, antes de mais, agir com boa-fé. Embora a fidúcia seja para o direito um valor unitário, a CLT estabelece, a seu modo, pelo menos quatro tipos de fidúcia, ou para dizer melhor, estabelece quatro graus de fidúcia. Há a confiança genérica, própria de todo e qualquer tipo de contrato de trabalho porque a confiança é a raiz desse negócio, tanto que, esvaída a confiança, rompe-se o contrato mesmo, por justa causa, seja a falta grave praticada pelo empregado, seja pelo patrão. Fala-se, também, em fidúcia específica, que se exige, por exemplo, de certos trabalhadores, como os bancários[17]. Diz-se, ainda, da fidúcia estrita[18], quando a CLT cuida da inexistência de estabilidade no exercício dos cargos de diretoria, gerência ou outros de confiança imediata do empregador. E diz-se, por fim, da fidúcia excepcional, nos casos de gerência de que trata o art.62, II, da CLT[19]. É esse grau de fidúcia excepcional que equipara o empregado eleito diretor de sociedade empresária ao alto empregado.

A CLT não tem disciplina própria para essa classe de trabalhadores que destoam do comum e em muito se aproximam do próprio patronato. A doutrina costuma referir-se aos contratos desses empregados, ou aos empregados eleitos diretores ou órgãos da sociedade empresária, como sujeitos de um contrato misto, isto é, em parte mandato, em parte contrato de trabalho. Quando Galbraith apelida a empresa moderna de tecnoestrutura ou tecnocracia, o que quer significar é exatamente isso: o governo da sociedade empresária não propriamente pelos seus donos, mas por técnicos que detêm um grau de fidúcia extrema que permeia sua relação com a sociedade empresária a ponto de se tornar imperioso lhes emprestar  um tratamento jurídico diferenciado, e isso vai além da questão da inexigência do controle de horário, do salário direto e dos fringe benefits, das stock option action, da estabilidade no emprego ou do elevado padrão de vencimentos. Atinge, até mesmo, a questão sindical, como se dá na França com a Féderation des Cadres, ou na Itália, com os Sindacati dei Dirigenti Aziendali, o que é compreensível mesmo para a realidade brasileira porque, para a CLT, e por conta dessa fidúcia especial, esses empregados não mais integrariam a categoria profissional. De fato, o §2o do art. 511 da CLT diz que a categoria profissional é “expressão social elementar” que decorre da similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas. Ora, se esses empregados passam a deter um tal grau de confiança que os separa da coletividade de empregados e os aproxima do patrão, é claro que romperam a similitude de condições que os punha na mesma “expressão social elementar” que a lei decidiu chamar de “categoria profissional”. Pertencem agora a um outro mundo, e é justo que possam se ajuntar em sindicatos próprios e reivindicar um novo estatuto para os seus direitos, porque nova é a realidade que passam a enfrentar.

É certo que há diferenças sutis entre o alto empregado e o empregado eleito diretor da sociedade empresária, mas o tratamento jurídico desejável para ambos é rigorosamente o mesmo. Essa denominação — altos empregados — constou primeiramente na legislação mexicana, mas assim também é na Itália, onde dispõem de estatuto próprio chamado “Legge dell’Impiego Privato”; na França, onde são conhecidos como “employés supérieurs”, e na Alemanha, onde dispõem de tratamento diferenciado e são conhecidos como “leitende angestellte”[20].

Para Gomes e Gottschalk, a posição que esses empregados ocupam na corporação, suas aspirações e suas condições especiais de trabalho os empurram mais em direção ao patronato autêntico que propriamente ao trabalhador subordinado, e “formariam na empresa contemporânea uma espécie de ponte ou de amortecedores de choques entre o proletariado e o patronato”[21].

A mesma discussão que envolve os ditos altos empregados resvala na questão dos empregados eleitos diretores de sociedades. A doutrina que contesta a existência de contrato de trabalho no caso dos altos empregados também diz que a eleição do empregado a cargo de direção fulmina a subordinação jurídica, núcleo do contrato de emprego, e faz, com isso, desaparecer a figura do empregado. Há nisso uma meia-verdade. É claro que a subordinação jurídica se rarefaz substancialmente quando o empregado é alçado à condição de diretor, mas não desaparece por completo. E se há resquício mínimo que seja de subordinação jurídica, o contrato de trabalho continua existindo, ainda que de modo latente e preso por um fio tênue. Tanto quanto no caso dos altos empregados, há limites éticos, financeiros, corporativos e organizacionais que o empregado eleito diretor não pode desprezar, sob pena de ser desapossado do cargo, ou do mandato, e no fim das contas perder o próprio emprego

Diretor de sociedade anônima

Doutrina muito aplaudida sustenta que o empregado eleito diretor ou administrador de uma sociedade anônima — as sociedades anônimas são empresárias por força de lei —, investido de mandato, não pode ser, ao mesmo tempo, empregado, já que como diretor ou administrador passa a ser órgão da administração da sociedade e dentre suas funções está exatamente a de gerir os contratos de emprego, o que o poria na condição de empregado de si mesmo. Para essa corrente, o empregado eleito diretor perde a condição de empregado. Em verdade, um diretor ou administrador de uma sociedade por ações tanto pode ser diretor-órgão quanto diretor-empregado. O que define uma condição ou outra é a forma como seus serviços são prestados. Se, a despeito do rótulo de diretor, trabalhar sob subordinação jurídica e satisfizer os demais pressupostos do art. 3o da CLT, obviamente a relação continuará sendo de emprego. O cargo de diretor, como visto, será apenas um invólucro do contrato de trabalho. No RR nº 412.290/97[22], a 3a Turma do C. TST decidiu que se o empregado eleito diretor se subordina apenas ao conselho administrativo de uma sociedade anônima, é diretor-órgão, e não diretor-empregado[23]. É um juízo de valor, um critério de aferição, não importa se exato, mas é preciso ponderar que também o diretor contratado originariamente como diretor, e até mesmo os demais sócios de uma sociedade empresária, de uma forma ou de outra também se subordinam aos órgãos da sociedade. O fato de só responder ao conselho administrativo não determina a natureza do seu vínculo com a sociedade empresária. A jurisprudência também já enfrentou a questão sob outro ângulo: se, numa sociedade por ações, o número de ações pertencentes a determinado empregado eleito diretor é determinante da sua condição de diretor-empregado, de empregado-acionista ou de diretor-órgão. O que se decidiu no caso é que se o sedizente empregado era diretor-superintendente da sociedade empresária, e seu maior acionista, o vínculo de emprego estava definitivamente afastado[24].

A doutrina correntia aplica ao empregado eleito diretor por assembleia geral de sociedade empresária ora a teoria do mandato ora a teoria de órgão da empresa. Segundo a primeira corrente — teoria do mandato —, o empregado eleito diretor passa a ser mandatário da sociedade. Como o contrato de mandato pode cumular-se com o de emprego, o contrato de trabalho sobrevive à eleição do empregado a cargo de gestão empresarial. A outra corrente — teoria do órgão da empresa —, mais moderna, entende que o empregado eleito diretor passa a ser órgão da sociedade, e não apenas mandatário dela. Neste caso, tendo sido eleito diretor e, pois, órgão da sociedade e responsável pela exteriorização da vontade da sociedade, deixa de ser empregado, deixando de existir o próprio contrato de trabalho porque o empregado eleito diretor não pode ser patrão e empregado ao mesmo tempo.

A corrente que admite que o empregado eleito diretor é apenas ocasionalmente investido de um mandato na sociedade também diz, paradoxalmente, que embora o contrato de trabalho sobreviva ao mandato, o trabalhador não terá qualquer direito de empregado, mas apenas as vantagens decorrentes do próprio mandato. É certo, porém, que se o empregado, embora eleito diretor da sociedade, continua subordinado aos dirigentes máximos do empreendimento, não deixa só por isso de ser empregado. Apenas ocupa um cargo de maior relevância.

A doutrina e a jurisprudência trabalhistas tratam a questão do empregado eleito diretor sob quatro vertentes. Para alguns, a eleição extingue automaticamente o contrato de trabalho; para outros, suspende-se o contrato de trabalho enquanto o empregado ocupar a função de diretor. Outros dizem que a eleição interrompe o contrato de trabalho enquanto o empregado exercer cargo de diretor. E outros, por fim, dizem que não há qualquer alteração jurídica na vida do empregado eleito diretor de sociedade.

Para Mozart Victor Russomano, o contrato de trabalho se extingue por incompatibilidade entre contrato de trabalho e mandato. Ao que diz, o trabalhador que aceita cargo de direção da empresa renuncia à condição de empregado. Terminado o mandato, esse empregado não tem o direito de retomar o cargo de origem porque, ao aceitar o mandato, rescindiu o contrato de trabalho. Délio Maranhão ensinou que o contrato de trabalho estava apenas suspenso, já que durante a gestão da empresa não receberia salário, mas “pro labore”. A única consequência seria que o tempo gasto no exercício do mandato de diretor não se computaria para qualquer fim, mas o empregado podia retomar o cargo de origem tão logo terminasse o mandato. Alice Monteiro de Barros adota a teoria da suspensão do contrato e empresta ao empregado nessas condições o único efeito de contar esse tempo de mandato para cálculo do FGTS, seguindo a orientação do E. 269 do TST e a do art.16 da Lei nº 8.036/90[25]. Evaristo de Moraes Filho entende haver interrupção do contrato de trabalho, contando-se o tempo gasto como diretor para todos os fins do contrato de trabalho. Por último, J. Antero de Carvalho entende que a eleição do empregado a cargo de direção da sociedade não tem qualquer reflexo jurídico na sua condição de empregado em sentido estrito.

O E. no 269 do TST diz que a eleição do empregado ao cargo de diretor suspende o contrato de trabalho, não se computando o tempo do mandato para nada, exceto se, mesmo diretor, continuar subordinado a outros diretores, de modo que seja possível aferir a subordinação jurídica que o qualifique como empregado. O art. 16 da Lei nº 8.036/90 (Lei do Fundo de Garantia) permite que a empresa continue depositando FGTS mesmo nos casos do empregado eleito diretor. Terminando o mandato, poderá levantar os depósitos do FGTS. Se abrir mão do mandato antes do tempo, só levantará o FGTS nas hipóteses do art. 4º da Lei nº 6.919/81.



[1] COELHO, Fábio Ulhoa. “Direito Comercial”. São Paulo: Saraiva, 2002; REQUIÃO, Rubens. “Curso de Direito Comercial”. São Paulo: Saraiva, 2008, 27. ed.; BULGARELLI, Waldirio. “Direito Comercial”. São Paulo: Atlas, 10. ed.; HENTZ, Luiz Antonio Soares. “Direito Comercial Atual — De Acordo com a Teoria da Empresa”. São Paulo: Saraiva. 2000, 3. ed.; CRETELLA JÚNIOR. “Perguntas e Respostas de Direito Comercial”. Rio de Janeiro: Forense, 2. ed.

[2] Aristóteles, Lógica.

[3] CLT, art. 442

[4] GARCIA, Manuel Alonso. “Curso de Derecho del Trabajo”. Barcelona: Ariel, 1987, 10. ed., p. 310 .

[5] CLT, art. 2º.

[6] TEYSSIÉ, Bernard. “Droit social et modifications des structures de l’entreprise”. Montpellier, Libr. Techniqus, 1978, p. 14.

[7] REQUIÃO, Rubens. “Curso de Direito Comercial”. Ed. Saraiva, SP, 2008, 27. ed., 2ª tiragem, p. 59.

[8] PERROUX, François. “Capitalisme et communité de travail”. Paris, Sirey, s.d., p. 181.

[9] BIENHAYMÉ, A. “La croissance des entreprises”. Paris, Bordas, 1971.

[10] NOGARO, Bertrand. “Éléments d’économie politique”. Paris, LGDJ, 1954, p. 14.

[11] GALBRAITH, John Keneth. “The New industrial State”. London. Hamish Hamilton, 1968, p. 62/65.

[12] MAGANO, Octavio Bueno. “Do Poder Diretivo na Empresa”. Saraiva, SP, 1982, p. 41.

[13] DELGADO. Maurício Godinho. “Curso de Direito do Trabalho”. LTr, SP, 4. ed., 2005, p. 390.

[14] DURAND, Paul. “Traité de droit du travail”. Paris, Dalloz, 1947, p. 422/423.

[15] CATALA, Nicole. “Droit du travail: l’intreprise”. Paris, Dalloz, 1980, p. 148.

[16] MAGANO, Octavio Bueno. Op. cit., p. 43.

[17] CLT, art. 224.

[18] CLT, art. 499.

[19] BARROS, Alice Monteiro. “Curso de Direito do Trabalho”. São Paulo: LTr, 2006, p. 250.

[20] GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. “Curso de Direito do Trabalho”. Rio de Janeiro: Forense.1995, 4. ed., p. 86/87.

[21] Op. cit., p. 87/88.

[22] Relatado pelo Ministro José Luiz Vasconcellos e publicado no DJ de 19/5/2000, p. 317.

[23] Referido por Alice Monteiro de Barros, op. cit., p. 253

[24] Referido por Alice Monteiro de Barros, op. cit., p. 253.

[25] Op. cit., p. 254.