Edição

Em busca de soluções mais rápidas e eficazes

20 de dezembro de 2017

Compartilhe:

Gustavo Schmidt, presidente do CBMA, e o professor indiano Sukhsimranjit Singh

Com o advento da Lei no 13.140/2015, cada vez mais pessoas, empresas e entidades procuram resolver suas disputas por meio das vias extrajudiciais. Apesar da relativa novidade do marco legal, as principais câmaras e núcleos de mediação país afora começam a acumular quilometragem nesse caminho. Para se ter uma ideia, apenas este ano o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Nupemec-TJRJ) já realizou cerca de oito mil mediações.

Para discutir “O que sabemos e o que ainda devemos aprender” sobre a mediação, que de alternativa passou a ser considerada “uma solução adequada” para a resolução de conflitos, o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) realizou nos dias 9 e 10 de novembro, no Centro de Convenções Firjan, seu I Congresso Internacional de Mediação, sob a coordenação científica do presidente do CBMA, Gustavo Schmidt, da vice-presidente de Mediação, a advogada Andrea Maia, e da diretora de Mediação do CBMA, Mariana Souza.

Ministra Ellen Gracie

A palestra de abertura e de inspiração para os ­debates que viriam a ocorrer foi dada pelo professor indiano Sukhsimranjit Singh, da Pepperdine School of Law, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Para o renomado especialista em negociações transculturais, com mais de 500 conflitos resolvidos com sucesso no currículo, o mediador deve controlar seu comportamento para dominar suas ações. Será bem ­sucedido aquele que combinar flexibilidade, confiança e humildade, além de conseguir estar “presente com ­coração, mente, corpo e alma” durante as mediações. “Se você estiver presente, pode resolver qualquer conflito”, disse.

Mediação no CPC – Na sequência, a ministra  Ellen Gracie Northfleet foi entrevistada sobre a Mediação e a Conciliação no novo Código de Processo Civil (CPC) pelos desembargadores do TJRJ Márcia Cunha, Luciano Rinaldi e Luiz Roberto Ayoub, além do advogado José Roberto Sampaio (Basílio Advogados). A ex-presidente do STF apontou a necessidade de adequar os currículos das faculdades de Direito à nova realidade, bem como promover a atualização dos magistrados. “Os juízes têm enorme dificuldade de apreender o núcleo de controvérsia porque as partes já os trazem visões parciais”, explicou.

Para ela nem todo problema pode ser resolvido pela mediação. “A triagem é o grande segredo”, afirmou. Ela se mostrou otimista, contudo, em relação à aceitação do método, que teria potencial para desafogar o Poder Judiciário e “empoderar” as partes. “Existem ­nichos em que a medição é muito bem-sucedida, como o crédito imobiliário, com resultados que chegam a 90% de acordo, porque há interesse de ambas as partes”, ­concluiu. A entrevista completa está disponível em www.conversasobreprocesso.com/palestras.

Mediação na AP – A mesa “Mediação, transação e consenso na Administração Pública” colocou em debate a situação dos municípios, dos estados e da União, maiores “fregueses” do sistema judiciário, ­figurando de forma ativa ou passiva em 51% das ações em tramitação nas diferentes esferas da Justiça. Participaram a procuradora de justiça Anna Maria Di Masi, do Centro de Mediação, Métodos Autocompositivos e Sistema Restaurativo (Cemear-MPRJ), o procurador do Município do Rio Rafael Oliveira e o advogado e vice-presidente da CBMA em Obras Públicas, Álvaro Palma de Jorge. Para a procuradora, a mediação é uma oportunidade para que a Administração faça “uma ­escuta qualificada” dos administrados. Ela identifica, no entanto, que ainda há muita resistência por parte do Poder Público. “É necessário encarar as pessoas para além de um CPF”, comentou Ana Maria Di Masi.

Desembargador Luciano Rinaldi

Já Álvaro Jorge aprofundou a discussão ao explicar a origem dos acordos de leniência. Falou que foi por ocasião do escândalo Watergate, um sofisticado esquema de propinas e doações de campanha não declaradas que levou à renúncia do presidente dos EUA Richard Nixon, em 1974, que o Congresso dos Estados Unidos criou uma legislação que até hoje influencia o surgimento de leis semelhantes em todo o mundo. “Não é prerrogativa do Brasil. Há ex-presidentes e congressistas da Alemanha, da França e dos EUA envolvidos em corrupção. A questão é o que fazer com isso”, afirmou. Nesse sentido, falou sobre a criação e/ou o fortalecimento dos órgãos de controle interno, como a Controladoria Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e o próprio Ministério Público a partir da promulgação da Constituição de 1988. “Essa pluralidade que por um lado é boa pode criar instabilidade por conta das sobreposições”, comentou.

Mediação e TAC – O painel “Tutela coletiva, improbidade administrativa e Termo de Ajustamento de Conduta” contou com a participação dos promotores de justiça Humberto Dalla e Pedro Fortes, do juiz federal Valter Shuenquener e do presidente do CBMA, ­Gustavo Schmidt. Dalla, que é membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), lembrou que a Resolução nº 179/ 2017 visa estabelecer parâmetros para a celebração das mediações e termos de ajustamento de conduta envolvendo o MP.

Também conselheiro do CNMP, Shuenquener exemplificou com o caso da crise do fornecimento de água no Sistema Cantareira, que afetou os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. O MPF moveu uma ação civil pública para determinar que São Paulo não interrompesse o fornecimento. Mediação pioneira envolvendo a Administração Pública – com a participação dos governadores ­envolvidos, do procurador-geral da República e da ministra do Meio Ambiente – fez surgir em seus cinco primeiros minutos uma solução. O governador paulista disse precisar finalizar a licitação de uma obra, o governador fluminense se deu por satisfeito e começaram os entendimentos para determinar a prioridade no uso da água. O que, segundo Gustavo Schmidt, se deve ao fato da mediação ser capaz de encaminhar com maior facilidade do que o processo judicial soluções que agreguem e contemplem todos os interesses envolvidos.

Procuradora Anna Maria Di Masi

Regulamentação da profissão – O painel seguinte contou com a participação do desembargador Cesar Cury (TJRJ) e dos mediadores internacionais Bruce Edwards (JAMS/ EMA, EUA), Jody Sin (Hong Kong Mediation Council) e Tat Lim (Singapore Mediation Center), que discutiram “A regulação da profissão de mediador – a experiência internacional e novas perspectivas”. Professora da Universidade de Hong Kong, Sin apresentou informações sobre o marco regulatório da mediação em seu país e contou que, desde 2012, ­todos os mediadores são treinados, avaliados e credenciados por uma agência governamental, que aplica um curso padronizado com 40 horas de aula.

A experiência de Singapura foi apresentada por Tat Lim, que afirmou que em seu país 77% das ­mediações são finalizadas com acordos. “Existe mediação comercial e comunitária, que contam com a participação de diferentes agências. Quero que a profissão do mediador seja reconhecida e estou envolvido nisso”, disse. Já nos EUA, segundo Bruce Edwards, a atividade é amplamente profissionalizada. Falando do caso brasileiro, o desembargador Cury citou a formação teórica que o mediador recebe no curso de 250 horas criado pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj). No entanto, o país ainda não conta com uma entidade pública oficial que regulamente a atividade profissional do mediador.

Fundador do JAMs, um dos mais antigos centros de mediação dos Estados Unidos, Bruce Edwards continuou na mesa para o painel seguinte, o último do primeiro dia do Congresso, para falar mais sobre o sucesso da experiência norte-americana. Com 30 anos no ramo e seis escritórios em funcionamento na Costa Leste do país, Edwards disse que sua agência realizou 14 mil mediações apenas no ano passado. Segundo ele, a mediação se tornou algo rotineiro nos EUA. A mediação teria se tornado uma commodity, com valor reconhecido pelos bancos, empresas e instituições. Para ele, uma forma de difundir ainda mais a mediação, bem como as demais formas extrajudiciais de resolução de conflitos, é demonstrar às pessoas o alto custo das disputas judiciais, em termos de tempo dispendido e dólares pagos aos advogados.

Professora Jody Sin

Desenho de sistemas – O segundo dia do Congresso teve início com um painel sobre os desafios para a “Implementação da mediação no mundo”, apresentado pelo presidente da Foundation for Sustainable Rule of Law Initiatives (FRSI), Victor Schachter. Voltada para a disseminação internacional da mediação, a ONG tem atuação reconhecida no Brasil, Bulgária, Croácia, Geórgia, Índia, Malásia e Turquia, dentre outros países. Na Índia, Schachter contou haver 200 mil casos de mediação em curso atualmente. Nos Balcãs, o maior desafio foi conduzir mediações no pós-guerra entre antigos inimigos buscando mudar a mentalidade do “eu ganho, você perde”. Sobre o Brasil, comentou que a “quantidade de ações na Justiça é símbolo do potencial de um trabalho que representa menos litígio e mais mediação”.

Os debates continuaram no painel “Desenho de sistemas – conflitos de massa, responsabilidade civil e ouvidorias”, que contou com a participação dos mediadores Mariana Souza, Washington Silva e Wilson Pimentel. Pimentel relatou o caso do acidente ambiental em Mariana (MG) há dois anos, quando uma barragem se rompeu e contaminou com lama tóxica 600 quilômetros do curso do Rio Doce até sua foz, no Espírito Santo, afetando 40 cidades e cerca de 40 mil pessoas. Como foram firmados muitos TACs que engessariam a empresa responsável, e diante de decisões judiciais que se confrontavam, foi desenhado um sistema de mediação entre técnicos e agentes para gerar as melhores soluções em menor tempo. “Centenas de milhares de ações foram evitadas, embora com desafio da resistência do MP. A mediação tem funcionado”, disse.

O presidente da comissão jurídica da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), Washington Silva, atribuiu à realidade litigiosa brasileira ao grande número de escolas de Direito no país, que somam metade das existentes no mundo. Neste cenário, aponta a mediação como uma solução eficaz para reduzir a enorme quantidade de processos que assoberba todas as instâncias da Justiça. No âmbito das seguradoras, ele mencionou casos de sucesso no uso da mediação, como o desabamento ocorrido em obra no metrô de São Paulo. Na mediação realizada entre MP, Defensoria Pública, Governo do Estado, seguradoras e vítimas, 91% das disputas foram resolvidas com o acordo, o que possibilitou o pagamento das indenizações em apenas 60 dias.

Professor Marcio Guimarães

Mediação online – A mesa sobre “Online Dispute Resolution (ODR)” fechou a manhã do segundo dia, tendo como participantes o diretor jurídico do Google, Daniel Arbix, o responsável pela plataforma O Mediador, Carlos Savoy, e a coordenadora do núcleo de mediação da Fundação Getúlio Vargas, Juliana Loss. Arbix falou sobre como a tecnologia pode ser uma ferramenta para a resolução de disputas, em apoio à mediação e à arbitragem, encurtando as distâncias e facilitando a tomada de decisões.

Carlos Savoy apresentou a plataforma O Mediador, que conta com 220 mil empresas e 15 milhões de clientes. O serviço recebe 30 mil reclamações por dia e já teria ajudado a resolver 26 milhões de conflitos. Juliana Loss completou o painel falando sobre sua experiência com a plataforma ODR que, homologada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, começou a operar em abril desse ano. Aplicada no cenário de recuperação online de uma empresa de telefonia, resultou na assinatura de 27 mil acordos com homologação judicial.

Insolvência empresarial – O painel “Mediação, Assembleia de Credores e Recuperação Judicial” trouxe como palestrantes a advogada Ana Teresa Basílio (Basílio Advogados), a presidente da Comissão de Recuperação e Falência da OAB/RJ, Juliana Bumachar, além do professor da FGV Direito Rio, Márcio Guimarães. Ana Tereza apresentou o caso de mediação aplicada no processo de recuperação judicial de outra empresa de telefonia, no qual, segundo ela, foram firmados “quase mil acordos por dia”. Ela contou que não existia jurisprudência e houve resistência, na medida em que a lei não previa tantos credores. A empresa, contudo, ofereceu adiantamento de 90% dos créditos para os credores mais humildes, favorecendo sobretudo aqueles que não teriam recursos para viajar longas distâncias para comparecer às assembleias de credores.

Juliana Bumachar sublinhou a importância da mediação na recuperação e na falência de empresas. Segundo ela, nos casos de recuperação, os acordos entre credores e devedores para minimizar os prejuízos tornam possível manter as empresas viáveis, com preservação dos empregos e do pagamento das dívidas. “Muitas vezes o credor não acredita que a empresa precisa desse ‘remédio’ e o que está sendo oferecido, como 60% do crédito, é o máximo possível”, explicou. Em momentos como esse, disse a advogada, a figura do mediador independente é fundamental para a construção do consenso entre as partes. Já o professor Márcio Guimarães, embora tenha reafirmado que a mediação é oportuna para solucionar essas questões, alertou que cabe ao advogado ensinar aos clientes que é preciso se mobilizar antes de sentir a necessidade de entrar em um litígio. “Em todas as searas, sair da litigiosidade é o caminho. A terceira onda processual chegou, mas em relação insolvência empresarial ainda estamos no início da corrida”, concluiu.

Juliana Bumachar, advogada

Mediação no Brasil – O painel “Utilização da Mediação no Brasil – onde estamos e para onde vamos” promoveu o debate entre as diferentes posições da advogada e desembargadora aposentada Luisa Bottrel (TJRJ); da advogada Liana Valdetaro, que integra a Comissão de Mediação da OAB-RJ; do advogado Alexandre Simões (RSSLM Advogados); e do mediador Leandro Rennó. A desembargadora Bottrel considera que a mediação caminha a passos largos e já seria uma realidade no país, mesmo reconhecendo que a extensão territorial do Brasil, somada às dificuldades financeiras, podem complicar a vida dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs). Já Liana Valdetaro disse que o setor vive um momento incipiente e que ainda não existe um mercado maduro.

Ainda mais incisivo em sua participação, Leandro Rennó disse considerar que o caminho da mediação está errado no país. Segundo ele, a mediação acordou para o mundo empresarial muito recentemente e o sistema ainda não valoriza o mediador, quando dele exige trabalho voluntário, o que pode representar futuramente a falta de mercado no país. Por fim, Alexandre Simões foi mais otimista ao considerar que, apesar das dificuldades, o cenário não é tão feio. “A própria Lei de Mediação foi elogiada por especialistas estrangeiros”, disse.

Mediação familiar – O último painel discutiu “Mediação nas empresas familiares: viabilizando a transição entre gerações”, com palestra do professor da Universidade de St. Gallen, na Suíça, Peter Sester, que expôs sua experiência na resolução de conflitos familiares. Segundo ele, mais de 90% das famílias de empresários perdem o patrimônio na terceira geração, por diferentes motivos, sobretudo pelo fracasso na transição entre as gerações. Sester considera que embora a arbitragem e a mediação possam ser úteis para evitar o problema, não são necessariamente capazes de resolver todo o contexto. Contudo, a atuação de um mediador no momento certo pode evitar uma ruptura permanente da família, negativa para o patrimônio de todos os seus membros, permitindo a preservação dos negócios familiares.