Edição

Em Foco: INSS utiliza ações regressivas para reaver despesas decorrentes de acidentes de trânsito

31 de dezembro de 2011

Compartilhe:

Motoristas envolvidos em acidentes decorrentes do descumprimento às leis de trânsito poderão vir a ressarcir o Instituto Nacional de Seguro Social por eventual benefício que o órgão tenha que pagar às vítimas ou aos seus familiares. Pelo menos é o que o INSS pretende com a utilização das ações regressivas nos casos de colisões gravíssimas resultantes de embriaguez, disputa em “rachas” ou direção acima da velocidade permitida. Passo nesse sentido foi dado no último dia 3 de novembro, com o primeiro processo movido pela instituição para reaver as despesas oriundas de uma batida ocorrida em abril de 2008, em Brasília.

O acidente aconteceu na rodovia que liga Taguatinga a Brazlândia. Segundo os autos, o réu ingeriu bebida alcoólica antes de sair com o carro e o conduziu em alta velocidade, na contramão e em zigue-zagues. O motorista colidiu frontalmente com outro veículo, o que resultou na morte de cinco pessoas e em lesões corporais em outras três. Por conta da pensão por morte gerada pelo acidente, o INSS já gastou R$ 90,8 mil – valor que agora cobra do réu.

Dados do Ministério da Previdência Social apontam gastos de R$ 8 bilhões por ano com despesas decorrentes de acidentes de trânsito no Brasil. Segundo o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves, não haverá trégua aos responsáveis por acidentes causados por embriaguez. “A Previdência estava sendo onerada sem que houvesse um ressarcimento. A medida é educativa e exemplar. Nós acreditamos que vai representar redução de acidentes de trânsito causado por motorista irresponsável ou que guia embriagado. Agora, esse motorista vai pensar também que a Previdência está a sua caça e que vai puni-lo exemplarmente”, afirmou o ministro, pouco antes de ajuizar a ação na Justiça Federal do Distrito Federal.

Mauro Luciano Hauschild, presidente do INSS, explicou, na ocasião da propositura da primeira ação regressiva, que as ações não se destinarão a qualquer acidente. “Não estamos propondo qualquer tipo de ação contra infrações a que qualquer um está exposto no dia a dia. Não vai haver pessoas em semáforos procurando acidentes simples do dia a dia”, garantiu.

Segundo o procurador geral do INSS, Alessandro Stefanutto, o critério  será identificar infrações consideradas gravíssimas que tenham provocado prejuízo ao Instituto. Para identificá-las, a instituição deverá firmar acordos de cooperação com órgãos como o Ministério Público e a administradora de seguros DPVAT. “Os dois organismos vão nos enviar as informações de seus bancos de dados para cruzamento com as informações dos benefícios pagos pelo INSS. A partir daí, teremos uma listagem de possíveis casos, que serão investigados”, explicou.

O motorista condenado a ressarcir o INSS que não tiver meios para efetuar o pagamento poderá ter o nome negativado e acabar inscrito em dívida ativa. “Tomaremos todas as medidas cabíveis para provocar o constrangimento necessário dentro da lei, para que ele pague o ressarcimento, nem que seja o bloqueio parcial do salário. Vamos monitorar a aquisição de bens após o acidente, até o recebimento”, afirmou Stefanutto.

A decisão do INSS de mover ações regressivas para reaver as despesas decorrentes de acidentes de trânsito tem como modelo a utilização desse instrumento legal para os casos de acidentes de trabalho. Essa medida começou a ser usada pelo órgão em 1991. “Não é a primeira vez que o INSS vai buscar o ressarcimento de recursos que tiveram a ação direta de pessoas ou empresas para provocar acidentes”, afirmou o procurador do instituto.

De acordo com ele, de 2009 a 2010, o INSS registrou mil ações de ressarcimento para despesas oriundas de acidentes do trabalho. “Esse é um modelo de sucesso que será copiado. Dos mais de 1,8 mil processos trabalhistas, tivemos 95% de êxito e a recuperação de bilhões de reais. Além disso, houve um efeito didático eficaz e é o mesmo que esperamos para os acidentes de trânsito”, completou Stefanutto.

Legalidade
Especialistas têm dúvida sobre a legalidade da utilização da ação regressiva pelo INSS para reaver os custos com pensões pagas às vítimas de acidentes no trânsito. “Acho a ideia interessante, mas lhe falta base legal. De fato, o artigo 120 da Lei 8.213/1991 (que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências) trata especificamente de negligência quanto às normas-padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva. Não me parece ser o caso”, afirmou Marcel Cordeiro, sócio do Salusse Marangoni Advogados.

O INSS quer levar a iniciativa a todo o País já a partir do próximo ano. O órgão também não descarta a possibilidade de ajuizar ações para reaver os valores pagos em benefícios de acidentes mais antigos, cometidos nos anos de 1990, por exemplo. Os efeitos financeiros, nesses casos, seriam dos últimos cinco anos.

O presidente do INSS afirmou, quando do ajuizamento da primeira ação regressiva, que a medida é “urgente e necessária”.  “A ação tem condão de prevenção. Toda vez que a gente sair de casa de carro, ou resolver ir para uma festa ou atividade de confraternização e que a gente ingerir bebida alcoólica, que a gente pare para refletir ao ligar o carro. Agora, o motorista pode, além de perder a Carteira de Habilitação, machucar outra pessoa e responder penal e civilmente perante a vítima, arcar com a responsabilidade perante a Previdência Social. São mais de 40 mil mortes por ano no País, uma verdadeira epidemia”, afirmou Mauro Luciano Hauschild.

Fernando Maciel, coordenador geral de Matéria de Benefícios, da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, que participou da elaboração do projeto de ações regressivas, explicou que o INSS já tem exemplos concretos de que as ações regressivas realmente podem contribuir para a redução de acidentes. É que as condenações obtidas nesses processos representam uma importante medida punitivo-pedagógica imposta aos infratores.

“Podemos citar o caso de Manaus, em que a atuação estratégica da Procuradoria Federal, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego, contra o setor da construção civil contribuiu para reduzir, em 80%, o número de mortes de trabalhadores. Considerando que, segundo o dito popular, ‘a ação regressiva do INSS atinge a parte mais sensível do ser humano, qual seja, o ‘bolso’’, certamente os empresários vão pensar duas vezes antes de descumprirem as normas de saúde e segurança dos trabalhadores, de modo que serão induzidos à conclusão de que é melhor investir em prevenção de acidentes do que suportar o ressarcimento das despesas previdenciárias”, afirmou.

Maciel explicou, ainda, que o objetivo das ações regressivas é contribuir com a política pública de prevenção de acidentes de trânsito no Brasil. De acordo com dados do Ministério da Saúde, no ano de 2009, foram registradas 38.469 mortes por acidentes de trânsito. E, segundos dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil ocupa o quinto lugar no mundo em relação ao número de acidentes fatais de trânsito, atrás apenas da Índia, China, dos Estados Unidos e da Rússia. “Os acidentes de trânsito, no Brasil, têm adquirido proporções epidêmicas como fator de mortalidade e outros agravos à integridade física dos indivíduos, representando nefasto fator de instabilidade social”, frisou.

No que depender da jurisprudência dos tribunais, é possível apostar que as ações regressivas movidas pelo INSS terão êxito. Decisão da 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, divulgada também no dia 3 de novembro, confirmou ser crime dirigir embriagado. Mesmo quando o ato não causar acidentes ou riscos a terceiros.

Pela legislação, dirigir com uma concentração de álcool acima de seis decigramas por litro de sangue é crime, com pena prevista que varia de seis meses a três anos de detenção, multa e suspensão da habilitação para dirigir. A dúvida era se, caso o motorista não causasse dano a terceiro, ainda seria crime ou apenas infração administrativa.

Ao analisar o caso de um motorista pego em uma blitz em Minas Gerais, a lei exclui a “necessidade de exposição de dano material”. Na prática, isso significa que o motorista que dirige embriagado está cometendo crime mesmo que não coloque em risco a vida de outras pessoas.

O ministro Ricardo Lewandowski rebateu a tese defendida pelos advogados do motorista, de que a lei era inconstitucional por ser um “perigo abstrato”, pois não havia como comprovar que pessoas haviam sido expostas ao perigo. O ministro foi categórico: “Assim como o delito de embriaguez ao volante, também o crime de porte ilegal de arma de fogo é classificado de crime de perigo abstrato, consumando-se com o simples ato de alguém portar arma de fogo sem autorização”, disse em sua decisão.