
Levantamentos apresentados no VI Congresso Internacional de Arbitragem do CBMA mostram o crescimento exponencial do instituto no Brasil
Segundo a última edição da pesquisa “Arbitragem em números”, de 2021, as oito principais câmaras arbitrais brasileiras tiveram crescimento de 5% do número de procedimentos em relação ao ano anterior. Segundo antecipou no VI Congresso Internacional de Arbitragem do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), a coordenadora do estudo, professora Selma Lemes, a mesma taxa de crescimento foi verificada no levantamento ainda inacabado de 2022, quando foi alcançado o recorde de 1.116 procedimentos arbitrais.
“Só no CBMA, houve um crescimento de cerca de 300% no número de arbitragens, desde 2015. De fato, a arbitragem pode servir como um importante instrumento para redução dos custos de transação no Brasil, ante a celeridade na solução dos conflitos e a especialização dos árbitros escolhidos pelas partes”, acrescentou o Presidente do CBMA, Gustavo Schimdt, em entrevista à Revista Justiça & Cidadania durante o Congresso – realizado nos dias 10 e 11 de agosto, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (RJ).
A duração média dos procedimentos arbitrais, de acordo com a mesma pesquisa, era de 18 meses em 2021 – contra 54 meses de tramitação dos processos na Justiça Estadual e de 84 meses nas varas federais, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do mesmo ano. Entre 2021 e 2022, foram arbitrados R$ 65 bilhões nas oito câmaras pesquisadas.
Sobre um eventual crescimento do número de ações anulatórias, os números mostram que dentre as 1.047 arbitragens realizadas em 2021, houve 35 pedidos de impugnação de árbitros levadas ao órgão arbitral, dos quais sete (0,6%) foram acatados. Novamente conforme o spoiler do levantamento desse ano, das 1.116 arbitragens em andamento, até o momento houve 52 pedidos de impugnação e apenas 11 foram acolhidos (0,9%).
“É um dado que mostra que realmente não há motivos para celeuma”, comentou a presidente a presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil (Camarb), Flávia Bittar, na primeira mesa redonda, que debateu as perspectivas para o futuro da arbitragem no Brasil e no mundo.
A credibilidade internacional da arbitragem brasileira também está em alta. Na reunião de março de 2023 da Câmara de Comércio e Indústria (CCI) de Paris foi divulgado que hoje o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de nacionalidade de partes na arbitragem, perdendo apenas para os Estados Unidos, e o segundo lugar no ranking por nacionalidade de árbitros, perdendo apenas para o Reino Unido.
Números que podem cegar – Para o diretor do LLM em Arbitragem Transnacional e Solução de Controvérsias do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), professor Diego Fernández Arroyo, que participou do mesmo painel, eventuais discussões sobre a legitimidade da arbitragem são filhas do seu crescimento exponencial. “Antes, quando a arbitragem era uma quimera aqui no Brasil, ninguém se preocupava com isso, mas agora, com a expansão da arbitrabilidade, com o fato de que praticamente todas as matérias podem ser arbitradas, essa perguntas aparecem e geram movimentos, muitas vezes por interesses ou por ignorância. É o preço que a arbitragem tem que pagar pelo seu sucesso”, comentou o acadêmico.
Arroyo observou, porém, que apesar do número de impugnações não ser relativamente alto, há um grande número de árbitros que renuncia aos procedimentos diante dos questionamentos. “No último ano, na Câmara de Arbitragem do Mercado (da B3), as impugnações aumentaram em mais de 40%. Algo está acontecendo. Precisamos ver como tratar”, afirmou o professor, segundo quem os advogados brasileiros atuam de forma muito agressiva na arbitragem.
No mesmo painel, o advogado e escritor José Roberto Castro Neves observou que os levantamentos “vêm com atraso”, porque a escolha pela arbitragem que acontece hoje só é percebida pelas pesquisas anos depois. “Os números ajudam, mas também nos cegam. Podemos achar que estamos muito bem, por certa paixão justificada pela arbitragem, mas quem escolhe hoje fazer a cláusula arbitral, pelo contrário, faz muitas críticas, acredito que muitos de vocês infelizmente também tenham escutado”, comentou.
Com uma fala centrada na ética, Castro Neves criticou as partes que guardam “cascas de banana” para tentar anular as sentenças arbitrais que não satisfaçam seus interesses, o que fragiliza a arbitragem. “Há exemplos até curiosos, engraçados se não fossem trágicos, dessa estratégia de guerrilha para sabotar o procedimento. Tudo desemboca numa questão que é nossa, dos advogados: Qual é o limite que você tem na condução do caso com o cliente para ganhar? É claro que queremos ganhar, fomos contratados para ganhar as causas pelas quais advogamos, mas a questão ética é até onde você vai”, questionou.
Árbitro de emergência – Embora não seja previsto na Lei de Arbitragem, o árbitro de emergência tem conquistado cada vez mais espaço nos regulamentos das câmaras arbitrais, como alternativa para encaminhar pedidos de tutela de urgência antes da formação do tribunal arbitral. “É uma medida que todos nós devemos testar ou ao menos avaliar a possibilidade de usar em algum momento, porque é um instrumento muito sincero, adequado, transparente, que permite uma análise mais precisa e permite também que a própria decisão toque muito mais a realidade, seja favorável ou desfavorável, ”, comentou o árbitro Pedro Batista Martins, coautor da Lei da Arbitragem, em mesa redonda especialmente dedicada à arbitragem de emergência.
No mesmo painel, o árbitro Octavio Fragata, professor de Resolução de Conflitos da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do IBMEC, explicou detalhes da previsão do árbitro de emergência nas principais câmaras brasileiras e internacionais. Disse, por exemplo, que a maioria das câmaras estabelece às partes a opção entre acionar o árbitro de emergência ou o Poder Judiciário para a solução de questões urgentes. Acrescentou, porém, que eventuais interferências de jurisdições podem criar dificuldades adicionais no procedimento arbitral, como, por exemplo, decisões conflitantes. “Imagina que uma parte peticiona ao mesmo tempo no Judiciário e na arbitragem, o Judiciário defere e a arbitragem nega a medida. Qual das decisões deve prevalecer? Teremos uma situação incerta e haverá uma discussão, talvez judicial, que poderá durar anos. Com algumas dessas discussões, você impede o avanço da arbitragem”, pontuou o professor.
Para o presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), Rodrigo Fonseca, a carta arbitral de emergência deve equivaler à carta arbitral convencional, sendo suficiente para viabilizar no Brasil a execução decidida no exterior. “A lei brasileira é monista, não faz distinção entre arbitragem nacional e internacional, e o dispositivo sobre carta arbitral também não fala que ela seja passível de expedição só pelo tribunal sediado no Brasil, fala que o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para o órgão jurisdicional competente. É razoável e compatível com a lei, que o tribunal arbitral sediado no exterior possa expedir uma carta diretamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e que se faça a execução dessa forma”, opinou.
Arbitragem no setor elétrico – O primeiro dia do Congresso apresentou também dois painéis sobre o uso da arbitragem pela Administração Pública. O primeiro, sobre arbitragem no setor elétrico, debateu a evolução da aplicação da arbitragem no segmento até a homologação, em fevereiro deste ano, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da nova Convenção Arbitral da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Em razão da complexidade e da fragmentação das atividades relacionadas ao setor elétrico – que envolve geração, distribuição, consumo e comercialização da energia elétrica, com reflexos nos contratos e regulações do segmento – a arbitragem tem se mostrado um instrumento importante para fazer avançar os investimentos no setor. “É uma história de evolução, não sem percalços. Precisamos todos contribuir para que os institutos da arbitragem e da mediação possam nos ajudar a acelerar investimentos e a alocação de capitais, para conseguirmos avançar com essas infraestruturas tão importantes para o País”, comentou durante a mesa redonda a diretora do Centro de Regulação e Infraestrutura da FGV, professora Joisa Dutra, ex-diretora da Aneel.
Arbitragem e advocacia pública – Já o painel sobre novos temas da arbitragem na Administração Pública contou com a participação da Coordenadora da Equipe Nacional Especializada em Arbitragens da Advocacia Geral da União (Enarb/AGU), a Procuradora Federal Carolina Saboia; do Procurador do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Binenbojm; e do Diretor do Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Município do Rio de Janeiro, o Procurador de Justiça Rafael Carvalho Rezende Oliveira.
Após debate sobre legislação aplicável, critérios de escolha das câmaras e árbitros, e sobre a forma como os procuradores e advogados públicos lidam com as ações anulatórias de sentença arbitral, os palestrantes foram indagados se o Tribunal de Contas da União (TCU) ainda é contrário ao uso da arbitragem pelo gestor público, diante da notória resistência da corte de contas a esta possibilidade.
A Procuradora Federal Carolina Saboia comentou ter conversado recentemente com diretores do TCU, que teriam dito claramente que não. Eles teriam dado como exemplo o caso específico de um edital do setor portuário que foi submetido à consulta, no qual houve a representação de um particular contrário à previsão da cláusula compromissória no edital. O TCU se manifestou contrariamente e arquivou a representação. “Isso deixa muito claro que o TCU não é contrário ao estatuto da arbitragem, que vem se consolidando como o meio mais adequado para a resolução dos conflitos”, comentou a representante da AGU.
O Procurador Rafael Oliveira concordou que hoje o TCU já admite a arbitragem na Administração Pública, mas disse ter receio quanto ao papel a corte de contas deve exercer no controle das arbitragens: “Já antecipo que acho complicado admitir o Tribunal de Contas pelo menos na primeira fase pós-arbitral como executor da sentença ou como revisor de uma sentença arbitral”.
“O Rafael tem razão, o problema hoje não é tanto uma jurisprudência reativa do ponto de vista doutrinário, mas restritiva do ponto de vista dos detalhes, como as questões da escolha das câmaras, da indicação dos árbitros e da insegurança jurídica dos árbitros diante da atuação das cortes de contas depois de prolatadas as sentenças, o que tem o potencial de inviabilizar o funcionamento da arbitragem em qualquer país do mundo”, ecoou o Procurador Gustavo Binenbojm. Ele acrescentou: “Se há um entendimento contrário ao do Poder Público e isso configura infração administrativa, e se por assemelhação os árbitros forem considerados agentes públicos e começarem a responder procedimentos nos tribunais de contas, antevejo problemas. É preocupante diante do efeito inibidor que isso pode gerar”.
Demonstração de imparcialidade – Considerado a maior liderança dos métodos adequados de resolução de conflitos no Brasil, o atual Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão, foi entrevistado ao final do primeiro dia do VI Congresso pelo presidente do CBMA, Gustavo da Rocha Schmidt. Após bem humorada conversa sobre as principais mudanças trazidas à Lei de Arbitragem na reforma de 2015 – cujo anteprojeto foi elaborado por uma comissão de juristas formada pelo Senado e presidida por Salomão – o ministro comentou temas contemporâneos da arbitragem.
Perguntado sobre qual deve ser a extensão do dever de revelação, respondeu que é importantíssimo estabelecer padrões pela própria arbitragem, a partir das referências internacionais, e também por meio da jurisprudência, que se incumbe de dizer em que situações há ou não há a necessidade da revelação. “O primeiro passo é tentar objetivar o que é subjetivo, justamente para conferir segurança às escolhas e às deliberações”, comentou o Ministro Salomão – presidente do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania.
Para o magistrado, também é importante que os árbitros organizem um comitê ético próprio para autorregular a atividade e evitar desvios. “Se não for assim, vai acabar acontecendo o que muita gente hoje defende, que o árbitro tenha que ser submetido ao CNJ, porque exerce jurisdição, ainda que limitada. No caso do juiz togado, inegavelmente há presunção de imparcialidade – embora haja situações em que essa imparcialidade é contestada. No caso da arbitragem, cujo contrato é feito pela vontade das partes, é preciso haver um exercício permanente de demonstração de imparcialidade”, opinou.
O Ministro Salomão disse não ver grandes perspectivas para a aprovação do PL nº 3.293/2021, com mudanças na Lei da Arbitragem: “Cada vez que se fala em mexer na Lei da Arbitragem é um transtorno para o investidor, para os contratos e para o sistema jurídico como um todo, dada a relevância que a arbitragem tem hoje para a solução de litígios e a capilaridade que atingiu. Mudanças de supetão, sem discussão e elaboração, não são salutares para a arbitragem”.
Dever de curiosidade – O segundo dia do VI Congresso foi aberto com mesa redonda sobre atualidades relacionadas aos deveres do árbitro, incluindo a revelação, a disponibilidade, a independência e a imparcialidade. Já na primeira intervenção, o presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), André Abbud, usou o Direito comparado para avaliar se o recrudescimento do dever de revelação é uma tendência mundial. Após analisar recentes reformas legislativas relacionadas ao tema na Itália, na Suíça, na França e no Reino Unido, Abbud concluiu que tem ocorrido apenas o mero detalhamento de regras anteriormente definidas.
“Se é possível ver alguma tendência ao redor do mundo em matéria de dever de revelação é essa, de cristalização de regras e práticas que já são consagradas, sem nenhuma mudança radical. É exatamente nessa linha que as diretrizes do CBAr tentam ir também dentro do nosso universo”, afirmou.
Foi também debatido no painel o chamado dever de curiosidade. O professor de Arbitragem e Mediação e de Direito Internacional Privado na FGV, Fabiano Robalinho, explicou que os primeiros precedentes sobre o tema são franceses, pressupondo que as partes devem fazer pesquisa aprofundada sobre o árbitro nomeado para a arbitragem e que, com base no princípio da boa fé objetiva, não devem utilizar as informações levantadas em futuras ações anulatórias – prática classificada por ele como a das “nulidades de algibeira”.
Quanto à extensão e ao momento de exercício do dever de curiosidade – que é considerado antes um ônus da parte do que um dever jurídico propriamente dito – Robalinho explicou que, segundo os precedentes internacionais, ele está limitado às informações públicas, notórias e de fácil acesso, e que deve ser exercido logo após a nomeação do árbitro.
Em complemento, o árbitro e professor de Direito Civil Sergio Mannheimer sugeriu que as partes devem colaborar, com uma indicação prévia de quais questões ou relacionamentos profissionais pretéritos podem eventualmente suscitar dúvidas justificadas para embasar eventuais ações anulatórias, o que permite que os árbitros possam desempenhar o dever de revelação de forma mais eficiente.
Arbitragem do futuro – Na sequência, em palestra sobre tendências futuras, o árbitro e diplomata norte-americano David Huebner comentou que muito em breve “entidades não-biológicas” estarão resolvendo disputas de forma muito mais rápida, apurada e eficaz do que os seres humanos. Disse que na Holanda, por exemplo, ferramentas de inteligência artificial já estão sendo utilizadas para determinar a partilha dos bens em casos de divórcio. “A única coisa que os holandeses não estão delegando às máquinas é quem vai ficar com as crianças”, brincou.
Em relação ao panorama da arbitragem brasileira apresentado nos painéis anteriores, Huebner disse achar estranho que tantas entidades representativas da arbitragem e dos advogados brasileiros não se unam para estabelecer um programa político comum. “A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo. Essa é a lição que temos que incorporar, assumir o compromisso com nosso setor e ajudá-lo a evoluir da forma como julgamos apropriada”, aconselhou.
Produção de provas – Outra mesa debateu a celeridade procedimental e a produção de provas na arbitragem, com a participação do árbitro Antonio Cesar Siqueira, que é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ele apontou que um problema cultural da arbitragem brasileira relacionado à produção de provas é a elaboração dos laudos por assistentes técnicos que “advogam” em favor de uma das partes. Para ele, cabe ao árbitro excluir laudos desnecessários e limitar a produção de provas às questões essenciais para a solução da demanda.
Para o perito Silvio Simonaggio, o “bem maior” da arbitragem é a produção de provas com responsabilidade. Nesse sentido, defende que todas as partes se comprometam a definir, solicitar e se possível apresentar as provas necessárias à resolução da demanda já nas primeiras petições. “Além da competência, a celeridade exige boa vontade, uma relação de corresponsabilidade entre todos os envolvidos na arbitragem”, defendeu.
No mesmo sentido, trazendo a visão dos advogados, Ricardo Junqueira de Andrade defendeu a aplicação do case management, com a realização de audiências prévias para ajustar a causa, reforçar o dever de cooperação e limitar o escopo das perícias, criando assim um ambiente cooperativo desde o início do procedimento arbitral. A professora da Escola de Direito da FGV e coordenadora regional do CBAr no Rio de Janeiro, Marcela Kohlbach de Faria, acrescentou a necessidade de aprofundamento das discussões sobre as diretrizes para otimizar a produção de provas, principalmente na arbitragem de temas complexos, que apontou ser o momento que mais consome tempo no procedimento arbitral. “Não podemos pensar em celeridade sem qualidade. A prova efetivamente precisa de um tempo”, disse.
Ações anulatórias – O mediador do painel “Hot topics”, Luis Felipe Salomão Filho, indagou aos advogados, árbitros e autores Carlos Alberto Carmona e Adriana Braghetta se eles percebem ou não o aumento do número de ações anulatórias contra decisões das câmaras arbitrais brasileiras. “O número de anulatórias tem aumentado? Sim, porque tem muito mais arbitragens, é natural. Agora, o número de sentenças anuladas é relevante? Na minha opinião, não é”, avaliou Carlos Alberto Carmona, referindo-se ao levantamento da Arbipedia, segundo o qual, em 2021, nos 292 acórdãos de ações anulatórias, 56 (19%) decisões arbitrais foram anuladas e 236 foram mantidas, número que se refere apenas às demandas ajuizadas.
“Ousaria dizer que a maioria das arbitragens termina sem demandas anulatórias. Das demandas promovidas, há menos de 20% de sucesso, o que representa no total das arbitragens um número relativamente baixo”, estimou o professor de Direito Processual Civil da Universidade de São Paulo (USP).
Adriana Braghetta comentou que, em 2007, durante sua gestão como presidente do CBAr, o Comitê analisou qualitativamente todas as ações judiciais brasileiras que tratavam de arbitragens, tendo sido encontrado um número muito reduzido de decisões judiciais passíveis de crítica. Tendência que ela acredita ter sido mantida desde então, apesar de algumas decisões recentes pró-anulação, cujo rigor ela classificou como “fora do prumo”: “São três ou quatro decisões num corpo de milhares de casos em 27 anos, o que certamente não impacta a continuidade da arbitragem, mas como são decisões importantes, que norteiam nossa comunidade, é importante entendê-las, dialogar com o Judiciário e nos aprimorar”.
Direito Societário e confidencialidade – No painel sobre arbitragem e Direito Societário, o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Nascimento, explicou os objetivos da Resolução CVM 80/2022, que determina o dever de informação de demandas judiciais e arbitrais em que o emissor ou suas controladas sejam parte, por meio do formulário de referência, em benefício da proteção dos acionistas minoritários no mercado de valores mobiliários. “Ela não cuida apenas do tema das demandas societárias, mas de um regime muito mais amplo, relacionado à maneira como o regulador de conduta trata a regulação do mercado de capitais. O que a Resolução 80 fez de diferente em relação às demandas societárias foi incluir um anexo adicional, que foi o primeiro passo dado na direção da melhoria do ambiente regulatório brasileiro nas temáticas de enforcement, para ser consistente com as práticas internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, argumentou.
Os críticos, contudo, argumentam que a confidencialidade, uma das características mais marcantes do processo arbitral, deixa de existir diante desta obrigação. “Já tive a ilusão de que os padrões da OCDE eram os melhores do mundo. Hoje tenho dúvidas se algumas das coisas recomendadas pela OCDE são de fato compatíveis com a nossa realidade. Somos o único lugar do mundo, ao menos do mundo que conheço, e o único lugar que, quem sabe, um dia será membro da OCDE, em que as questões societárias são resolvidas em sua maior parte por arbitragem. (…) Precisamos lembrar que temos um sistema muito peculiar que, curiosamente, ninguém conhece melhor do que nós”, contra-argumentou o presidente da Câmara Americana de Comércio do Rio de Janeiro (Amcham), Julian Chediak.
Questionada sobre a intenção do PL nº 3.293/2021 de determinar que a íntegra da sentença arbitral envolvendo companhia de capital aberto seja publicada pela câmara responsável pelo procedimento em sua página na Internet, a árbitra e professora de Direito Comercial da USP Sheila Christina Neder Cerezetti comentou que a iniciativa pode ser elogiada apenas por buscar aprimorar o sistema de enforcement no Brasil. “Busca tirar os entraves processuais e procedimentais para que demandas societárias de responsabilização de administradores e controladores em especial possam seguir. Demandas essas que hoje em dia, muitas vezes, são barradas pela dificuldade de se chegar às análises de mérito com base na jurisprudência, na medida em que na arbitragem nem sempre isso é possível”, comentou.
Arbitragem e Judiciário – O VI Congresso Internacional de Arbitragem foi encerrado com uma entrevista com o próximo presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, que reforçou a importância da arbitragem para o momento atual. “Precisamos muito dos meios alternativos e das soluções adequadas de conflitos, com grande destaque para a arbitragem, por três razões principais. Primeiro, porque o mundo passa por um processo de transformação muito profunda, que é consequência da revolução tecnológica e das novas exigências que ela traz em termos de capacitação específica e expertise decisional, além da exigência de maior celeridade na solução dos problemas. Em segundo lugar e por ser relativamente óbvio, o Poder Judiciário vive um momento de imenso congestionamento e grande dificuldade de atender a tempo e a hora as demandas crescentes que se formam na sociedade brasileira. Em terceiro lugar, a evolução da prática da arbitragem, com o surgimento de várias instituições arbitrais dotadas de previsibilidade, e o aumento da demanda por arbitragem revelam muito claramente o sucesso que ela alcançou no Brasil ao longo das últimas duas décadas”.
Sobre as relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário, Barroso explicou que elas se dão em três dimensões: incentivo, cooperação e controle. “O incentivo pelo motivo óbvio da sobrecarga que existe hoje sobre o Poder Judiciário. A cooperação porque em alguns casos, sobretudo antes da instalação do tribunal arbitral, pode ser necessária a colaboração do Judiciário com medidas de urgência. Por fim, o controle, que naturalmente deve ser um controle modesto, nunca de mérito, apenas para aferir se foi violado algum dos dispositivos do art. 32, o que torna nula a sentença arbitral”, elencou o ministro.
“O Poder Judiciário é indispensável nas democracias, mas há um limite máximo de demanda a partir do qual se perde qualidade e eficiência. Diante desse quadro, é preciso promover um processo relevante de desjudicialização em várias frentes. (…) Os meios alternativos de resolução de conflitos fazem parte desse processo e dentre eles destaca-se a arbitragem, já amplamente utilizada para solucionar conflitos nas áreas societária e de energia, mas também em muitas outras, potencialmente pelo menos, incluindo as áreas tributária, trabalhista e desportiva. Preciso dizer que fui advogado por 30 anos e sou juiz com muito prazer há dez anos. Há juízes que têm ciúmes da arbitragem, mas não é o meu caso, sou parceiro”, finalizou o Ministro Barroso.
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Vem aí o V Congresso Internacional de Mediação
Com a participação confirmada de grandes especialistas em mediação do Brasil e do mundo, o CBMA vai realizar seu V Congresso Internacional de Mediação nos dias 9 e 10 de novembro, no Centro de Convenções Firjan, no Rio de Janeiro. A advogada Andrea Maia, uma das coordenadoras científicas do evento, falou à Revista JC sobre os preparativos.
“Esse é um ano em que a mediação cresceu muito, tivemos casos muito relevantes que vieram a público (Casino x Abílio Diniz, Light, Lojas Americanas, etc.) e que revelam que as empresas realmente estão começando a investir mais na mediação, o que reforça a efetividade desse instrumento. Outro marco foi a criação pela OAB do Comitê de Desjudicialização e a criação de um selo focado em incentivar as empresas a investir nos métodos alternativos ao judicial para resolver seus conflitos”, comentou Andrea Maia.
Sobre os temas em discussão, ela acrescentou: “Teremos um painel sobre desjudicialização, com a participação do pessoal da OAB e de grandes empresas que buscam resolver suas questões fora do Judiciário. Outro painel será sobre a mediação na área esportiva, que também vem crescendo bastante. Vamos também debater a mediação na área de energia, especialmente agora que muitas empresas estão investindo em geração por fontes alternativas, o que acaba gerando conflitos, e nada melhor do que a mediação para resolver rápido. Já temos também muitos palestrantes internacionais confirmados, o que é interessante, pela troca de informações sobre tudo o que está acontecendo no mundo, o que nos ajuda a buscar os melhores caminhos para a resolução consensual junto a outros players do mercado”.