Esforço de Juiz agiliza processos de crianças que vivem em abrigos_Entrevista com o Juiz José Américo Abreu Rocha

28 de fevereiro de 2011

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As crianças e os adolescentes que vivem em abrigos na cidade maranhense de São Luís passaram a ganhar mais atenção por parte do Poder Judiciário. A 1ª Vara da Infância e da Juventude da região passou a realizar audiências concentradas para avaliar as condições dos menores nessas instituições. O juiz titular dessa instância, José Américo Abreu Rocha, explicou que as visitas ocorrem semanalmente, o que possibilita a inspeção de um abrigo por mês em média.
“Segundo a nova legislação, o juiz da infância deve rever, a cada seis meses, a situação de cada criança acolhida institucionalmente, de maneira a tentar a reinserção familiar. Em São Luís, temos um programa para rever esses casos a cada dois meses, mediante visitas e audiências realizadas nos próprios abrigos”, afirmou.
O trabalho começou em fevereiro último. De acordo com o magistrado, já é possível mensurar os resultados. Todos os casos foram reavaliados e resultaram em reinserções (nos casos em que isso foi possível), julgamento dos processos de destituição de poder familiar, aberturas de providências objetivando aplicação de medidas protetivas e disponibilização de crianças para adoção.
“No Brasil, as políticas públicas são ineficazes e, em alguns casos, manifestamente inexistentes. Por isso, defendo o controle judicial de tais políticas sociais pelo Poder Judiciário. É uma via segura para garantir a eficácia dos direitos das crianças e dos adolescentes”, disse o juiz à Revista Justiça & Cidadania. Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Justiça & Cidadania – A 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís passou a realizar uma série de audiências concentradas para avaliar a situação das crianças que vivem em abrigos. Qual é o objetivo dessa iniciativa?
José Américo Abreu Rocha – Segundo a nova legislação, o juiz da infância deve rever, a cada seis meses, a situação de cada criança acolhida institucionalmente, de maneira a tentar a reinserção familiar. Em São Luís, temos um programa para rever esses casos a cada dois meses, mediante visitas e audiências realizadas nos próprios abrigos. Recentemente, editamos uma portaria disciplinando o atendimento familiar em tais casos, o que nos proporcionará um controle ainda maior das crianças e dos adolescentes acolhidos.

JC – Quando as audiências em massa começaram?
JA – Começaram durante o mês de fevereiro e continuarão semanalmente em cada abrigo, numa média de um abrigo por mês.

JC – Já é possível mensurar resultados?
JA – Sim. Todos os casos foram reavaliados e resultaram nas seguintes medidas: reinserções quando possível, julgamento dos processos de destituição de poder familiar, aberturas de providências objetivando aplicação de medidas protetivas e disponibilização de crianças para adoção.

JC – Após a adoção, existe algum tipo de acompanhamento da criança?
JA – A legislação somente prevê um acompanhamento posterior nas adoções internacionais. Foi uma das alterações da nova lei. Na prática, em se tratando de adoções nacionais, sempre fica um vínculo afetivo com a justiça da infância. É comum recebermos notícias e até convites de aniversários. Deve-se ter cuidado para não haver qualquer ingerência do estado após a adoção, afinal o poder familiar já foi legalmente constituído.

JC – Qual é a situação dessas crianças? De que forma elas vivem em abrigos?
JA – Um abrigo, por lei e por uma questão moral, é uma medida de exceção. É o último recurso de proteção, mas em razão dos conflitos familiares, acaba sendo a primeira medida protetiva em situações de risco. Todos os abrigos no país padecem de uma estrutura deficiente, seja material ou de pessoal. É contra isso que nos dispomos a lutar diariamente.

JC – O cadastro nacional da adoção, do Conselho Nacional de Justiça, mostra ser bem maior o número de pais interessados em adotar do que o número de crianças disponíveis. Na sua avaliação, por que há tantas crianças em abrigos?
JA – Acredito que nesses casos não há uma consonância de perfil, o que gera um número de pretendentes, em tese, maior do que o de crianças acolhidas. As causas dos acolhimentos giram em torno de um problema social e econômico. Criança acolhida em instituição é sinônimo de problema familiar grave. No Brasil, as políticas públicas são ineficazes e, em alguns casos, manifestamente inexistentes. Por isso, defendo o controle judicial de tais políticas sociais pelo Poder Judiciário. É uma via segura para garantir a eficácia dos direitos das crianças e dos adolescentes previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e Adolescentes.

JC – O Tribunal realiza algum trabalho especial com essas crianças?
JA – Existe uma casa de acolhimento mantida pelo Judiciário local, agora transformada em fundação. Afora isso, temos os programas e projetos desenvolvidos pela 1ª Vara da Infância e da Juventude, da qual sou titular, voltados para uma expansão cada vez maior de direitos, garantias e deveres previsto no ECA.

JC – O que o senhor acha da Lei da Adoção? Realmente facilitou o procedimento de adoção?
JA – No contexto geral, acredito que sim, apesar de a norma ter criado um impasse em relação às adoções intuitu personae. Mas cabe aos juízes a função científica e social de atualizar, dinamizar e dar vida às leis. Dentro de uma visão sistêmica, a nova legislação representou, sim, um avanço.

JC – Qual é sua avaliação da adoção por homossexuais?
JA – O que é decisivo em qualquer adoção é o estudo social e psicológico do caso. Independentemente de opções sexuais dos pretendentes, o que vai definir a procedência ou não de uma adoção são as condições pessoais, familiares, sociais e econômicas das partes. E isso é casuístico. Cada adoção é ontologicamente singular.

JC – O senhor acha que o tema adoção no Brasil precisa de mais atenção? Por quê?
JA – No Brasil, acho que a “prioridade absoluta” para crianças e adolescentes é ainda algo fictício, principalmente quanto a políticas públicas. Precisamos de uma consciência mais elevada em relação ao tema. Sempre ouvi na escola que a criança é o futuro do país. Agora, já adulto e com dezenove anos de magistratura, constato que, se a criança é o futuro do Brasil, o adulto é o futuro das crianças. Está em nossas mãos a liberdade de construir uma sociedade mais humana e espiritualizada. E isso passa necessariamente pelo cuidado com nossas crianças e adolescentes, herdeiros do reino do amanhã.