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Exame analítico das informações estatísticas da Justiça Criminal de primeiro grau de jurisdição do Estado do Rio de Janeiro

13 de março de 2017

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Aylton Cardoso Vasconcellos1. Introdução

O presente estudo é fruto de importante trabalho de levantamento de dados estatísticos da Justiça criminal fluminense, realizado no âmbito do CEDES (Centro de Estudos e Debates – Área Criminal), mediante relatórios enviados pela DGJUR, ambos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Por isso mesmo, deixo registrado nosso reconhecimento e agradecimento ao excelente trabalho de coleta de dados desenvolvido pelos funcionários desses setores do Tribunal de Justiça, especificamente Eduardo da Cunha Junqueira, Iran Monteiro Teixeira, Marise Martins Sanches, Rodrigo de Oliveira Rocha, Andressa Silva Santos, Roberto Lisboa Villa Real e Renan Alves de Oliveira, sem os quais o levantamento das informações que constituem o objeto do presente estudo não teria sido possível.

A ideia de promover o levantamento de dados específicos da Justiça criminal tem por escopo permitir o conhecimento da realidade forense com base em informações concretas, atuais e confiáveis, e fornecer à comunidade científica o necessário embasamento empírico para estudos de interesse acadêmico.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro dispõe de sistema informatizado de dados que permite o levantamento de amplo conjunto de dados de inegável interesse para estudos de relevo; portanto nada mais natural do que recorrer a essa valiosa fonte de informações para a adequada compreensão do funcionamento da Justiça criminal.

Por outro lado, é de se reconhecer a relativa escassez de dados estatísticos e de estudos de campo nas pesquisas acadêmicas, razão pela qual, entendemos que este levantamento empreendido pelo CEDES e DGJUR vem contribuir para o preenchimento de significativa lacuna existente nos estudos científicos da atualidade, e também poderá permitir o confronto entre algumas hipóteses teóricas e os fatos concretamente comprovados pelos números revelados no curso deste trabalho.

O universo pesquisado compreende todos os processos e decisões de primeiro grau da Justiça do Estado do Estado do Rio de Janeiro, nas competências criminal, criminal – júri, juizado especial criminal e juizado da violência doméstica e familiar contra a mulher, entre os anos de 2005 até 2015.

Outrossim, é importante ressalvar que as informações coletadas, em razão das características próprias dos sistemas eletrônicos de que foram obtidas são referentes a quantidades de processos e decisões, sendo certo que cada processo ou decisão pode compreender mais de um réu. Apesar disso, as eventuais distorções decorrentes dessa característica das informações fornecidas tendem a ser minimizadas pelo grande universo pesquisado, de forma que podemos afirmar sem dúvidas que as proporções entre categorias de processos e decisões, situações e estoques de processos constituem um referencial seguro das tendências e práticas vigentes na Justiça criminal fluminense.

É importante esclarecer, ainda, que os números informados no presente estudo, salvo quando excepcionado expressamente, dizem respeito a quantidades anuais de processos e decisões e os dados estatísticos foram coletados ao término de cada ano em referência.

II. Distribuição de processos criminais

A distribuição de feitos criminais em todas as competências criminais em 2005 foi de 278.294 processos, tendo alcançado o patamar de 372.402 processos em 2015, portanto, apresentando uma elevação de 33,81% no número de novos processos criminais iniciados em cada ano.

A única competência que apresentou redução do número de feitos distribuídos foi a dos juizados especiais criminais, que tiveram 190.202 processos distribuídos em 2005 e 141.261 em 2015, portanto uma redução de 25,74%.

A competência com maior aumento foi a dos juizados da violência doméstica e familiar contra a mulher – recém-instituídos no início da série estatística, é importante frisar – que em 2005 apresentava 19 processos distribuídos e em 2015 foram 108.336 processos, não se mostrando relevante destacar o aumento percentual já que a base de comparação inicial era praticamente nula.

Esses números em particular parecem revelar, em parte, uma migração de demanda dos juizados especiais criminais para os juizados da violência doméstica e, paralelamente, o surgimento de nova demanda judicial referente aos conflitos de gênero na órbita criminal, que passou a se manifestar por encontrar mais facilitado acesso à Justiça.

Em 2005, foram distribuídos 79.817 processos criminais de varas de competência comum, número que alcançou o patamar de 112.507 processos em 2015, portanto, um aumento de 40,95%.

Na competência criminal do tribunal do júri foram distribuídos em 2005 8.256 processos, e em 2015 foram 10.298 processos, caracterizando um aumento de 24,73%.

Por outro lado, no período de 2012 até 2015 temos observado uma tendência de redução da distribuição em todas as competências criminais estudadas, tendo sido distribuídos em 2012 o total de 404.177 processos e, em 2015 foram distribuídos 372.402 processos, como anteriormente destacado, configurando-se uma redução de 7,86%. Essa redução, entretanto, ocorreu após significativo aumento da distribuição ocorrido no período de 2010 até 2012, tendo sido distribuídos 333.699 processos em 2010 e 404.177 processos em 2012 (como já destacado), portanto, um aumento de 21,12% em apenas dois anos. Da comparação entre o primeiro período de incremento de distribuição e o segundo de redução desta, verificamos que as oscilações de distribuição são muito significativas em períodos mais curtos e que no período de 2010 até 2015 ocorreu uma redefinição dos níveis de distribuição criminal e sua acomodação em um novo patamar, bem superior à década que a antecedeu.

III. Processos criminais em andamento

A quantidade total de processos criminais em andamento, em todas as competências pesquisadas, foi de 422.741 em 2005 e de 507.240 em 2015, constatando-se um aumento de 19,98% no estoque total de processos.

Todavia, verifica-se que a única competência que teve aumento no estoque de processos foi a dos juizados da violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo que todas as demais competências apresentaram redução na quantidade de processos em andamento, isto apesar de os níveis de distribuição terem aumentado de forma significativa no período em todas as competências pesquisadas, como tivemos a oportunidade de constatar anteriormente no presente estudo.

Com efeito, o estoque de processos na competência criminal comum era de 206.147 em 2005, e foi de 195.823 em 2015, apresentando uma redução de 5,01%; o estoque de processos da competência criminal do júri era de 40.080 em 2005, e foi de 18.311 em 2015, apresentando uma redução de 54,32%; e o estoque de processos dos juizados especiais criminais era de 176.470 em 2005 e foi de 159.572 em 2015, apresentando redução de 9,58%.

Já a competência dos juizados especiais da violência doméstica e familiar contra a mulher teve um estoque de 44 processos em 2005 (início da série estatística quando esta competência especializada acabava de ser instituída) e apresentou 133.534 processos em 2015. Verifica-se ser irrelevante a comparação percentual nesse intervalo, tendo em vista que o marco inicial é praticamente nulo. Contudo, o exame do estoque de processos ano a ano revela que esta é realmente a única competência criminal com tendência de aumento do estoque de processos, visto que no intervalo de pesquisa entre os anos de 2005 e 2015, exceto 2013, sempre houve aumento de estoque em relação ao ano anterior (em 2014 o estoque era 129.679 e passou a 133.534 em 2015, por exemplo, traduzindo um aumento de 2,97%).

O exame desses dados revela uma melhora significativa da eficiência de processamento e decisão em primeiro grau de jurisdição nas competências criminais de forma generalizada.

O aumento do estoque na competência dos juizados especiais da violência doméstica e familiar contra a mulher não significa por si só uma deficiência das respectivas varas, uma vez que se trata de uma competência nova, que enfrenta demanda reprimida de extensão que somente atualmente tem sido possível prever, ao mesmo tempo em que diversos processos dessa especialidade necessitam de acompanhamento prolongado dos indivíduos envolvidos, a fim de evitar a reiteração dos atos de violência examinados.

IV. Processos de réus presos

A quantidade total de processos de réus presos em andamento, em todas as competências pesquisadas, era de 15.741 em 2005, e alcançou o patamar de 27.221 em 2015, portanto um aumento de 72,93%. Em 2005, os processos de réus presos correspondiam a 3,72% do total de processos criminais em andamento; e em 2015 passaram a corresponder a 5,36% do total de processos criminais.

Não obstante o significativo aumento da quantidade de processos de réus presos em andamento, constata-se que no último ano pesquisado (2015) os processos de réus soltos correspondiam a 94,64% do total de feitos em andamento na justiça criminal fluminense.

Portanto, os números examinados revelam que o sistema de justiça criminal fluminense em primeiro grau de jurisdição efetivamente tem adotado a prisão cautelar como último e extremo recurso para salvaguarda da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal, visto que em apenas 1 entre 18 processos observou-se a decretação da custódia cautelar, ainda que tenha ocorrido aumento do número de processos de réus presos no período de 2005 até 2015.

Por outro lado, o aumento do número de processos de réus presos ocorreu de forma simultânea à redução do número de homicídios no Estado do Rio de Janeiro no período de 2003 até 2015, que foi de 6.624 em 2003 e de 4.200 em 2015, respectivamente, 44,6 por 100.000 habitantes e 25,4 por 100.000 habitantes, segundo dados do Instituto de Segurança Pública da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro,[1] o que revela, em princípio, que as prisões cautelares têm sido eficazes na preservação da ordem pública e utilizadas primordialmente em relação à criminalidade mais violenta. Atente-se que também houve redução em proporção semelhante nos índices de letalidade violenta no mesmo período, o qual é integrado (em média) em mais de 80% pelas ocorrências de homicídio.[2]

Paralelamente, vemos que em relação a crimes patrimoniais não letais, como por exemplo, roubo de rua e roubo de carga, nos quais, apesar de sua gravidade, a experiência forense revela que as prisões cautelares são usualmente decretadas mais dificilmente ou por menos tempo, constatou-se significativo aumento dos índices de ocorrências. Em 2003 houve 36.669 ocorrências de roubos de rua (247 por 100.000 habitantes); e em 2015 foram 85.820 ocorrências (519 por 100.000 habitantes) [3], portanto um aumento de 234%, em números absolutos. No que se refere a roubos de carga, foram verificadas 3.463 ocorrências em 2003 (23,3 por 100.000 habitantes); e em 2015 estas alcançaram o patamar de 7.225 (43,7 por 100.000 habitantes) [4], portanto um aumento de 208%, em números absolutos.

Não obstante esses fatos, é importante frisar que mesmo se consideradas isoladamente as competências especializadas em crimes mais graves, como as varas criminais comuns e o tribunal de júri, verifica-se que os processos de réus soltos são a esmagadora maioria.

Com efeito, em 2015, 87,92% dos processos em tramitação nas varas criminais de competência comum eram referentes a réus soltos,[5] e 83,63% dos processos em tramitação na competência do júri eram referentes a réus soltos[6], dados aptos a comprovar que a decretação de custódia cautelar em primeiro grau de jurisdição tem sido excepcional, mesmo nos processos criminais em que a Lei admite o seu cabimento.

Ademais, dados coletados em julho de 2016 revelam que na maioria dos processos de réus presos já foi proferida sentença em primeiro grau de jurisdição.

Nesse sentido, observa-se que em julho de 2016 havia 29.973 processos de réus presos e que 15.878 já estavam sentenciados; o que leva a concluir que 52,97% dos processos de réus presos em tramitação já haviam sido julgados em primeiro grau de jurisdição. Esse quantitativo não inclui os processos em tramitação na Vara de Execuções Penais, portanto, trata-se apenas dos processos em que decretada a custódia cautelar, o que demonstra que a maioria dos processos de presos cautelares já foram julgados em primeiro grau de jurisdição.

Como se vê, os dados examinados revelam que os processos de réus presos são raros no universo de processos criminais em andamento na Justiça fluminense e que na maioria dos processos de réus presos as custódias cautelares são decorrentes de título prisional amparado em julgamento de cognição exauriente, no qual, ainda que mantida a prisão cautelar, já é possível à Vara de Execuções Penais apreciar a concessão de benefícios próprios da execução provisória, ao mesmo tempo em que também já é possível ao acusado (e ao Ministério Público) o acesso à via recursal para rediscutir o mérito e alcançar eventual aprimoramento da prestação jurisdicional, inclusive no tocante à proporcionalidade da custódia cautelar.

Outrossim, apesar da relativa raridade das custódias cautelares no universo de processos criminais em tramitação, verifica-se que o número de ocorrências policiais em que houve prisões tem sofrido contínuo e consistente aumento no período de 2010 até 2015, visto que em 2010 houve 19.877 prisões e em 2015 este número chegou a 41.374, portanto um aumento de 208%[7], e que no mesmo período o número de processos de réus presos teve um aumento de 50,1%, pois era de de 18.133 em 2010 e passou a ser de 27.221 em 2015. Registre-se que no período de 2005 a 2010 o crescimento do número de processos de réus presos havia sido da ordem de 15%, evoluindo de 15.741 em 2005 para 18.133 em 2010, como destacado.

Portanto, é exatamente no período imediatamente posterior à edição da Lei n°. 12.403, de 04/05/2011 (que tornou mais rígidos os requisitos para decretação da prisão preventiva e instituiu diversas medidas cautelares alternativas à prisão) que houve o mais significativo crescimento do número de prisões e de processos de réus presos no Estado do Rio de Janeiro.

Essa paradoxal constatação corrobora a hipótese de que em alguma medida a restrição à decretação de prisões cautelares em crimes menos graves tem contribuído para o aumento de ocorrências por crimes mais graves, em que a prisão cautelar é cabível e acaba ocorrendo, agora em quantidades mais expressivas.

Isso porque, a despeito dos conhecidos efeitos nocivos do cárcere, é possível que a interrupção prematura da trajetória delituosa na ocasião do cometimento de crimes nos quais outrora era cabível a decretação da prisão preventiva contribuía para inibir o cometimento de outros crimes pelo mesmo agente e mitigar sua influência sobre outros indivíduos que, em razão do sentimento de impunidade, poderiam se encorajar à prática de delitos.

As hipóteses alternativas a esta, quais sejam, mera coincidência do aumento dos índices de criminalidade ou maior severidade dos juízes não se sustentam na medida em que, de um lado não houve transformações econômicas ou sociais de tamanho impacto negativo capazes de justificar por si sós o elevadíssimo aumento do número de prisões no período,[8] nem incremento do rigor nos entendimentos jurisprudenciais relativos à decretação da custódia cautelar, aliás, muito ao contrário, estes tornaram-se mais brandos após a vigência da nova lei e a própria quantidade de processos de réus soltos em tramitação apurados no presente estudo demonstra que não há tendência judicial ao encarceramento cautelar no Estado do Rio de Janeiro.

Como se sabe, a Lei n°. 12.403 de 2011 foi editada sob a premissa de que sendo evitado ao máximo o encarceramento cautelar ocorreria uma redução das prisões e dos efeitos criminógenos do cárcere, contribuindo para redução dos índices de criminalidade. Ocorre que a sua edição parece ter conduzido a efeitos opostos aos pretendidos, o que leva ao necessário questionamento dos fundamentos utilizados para justificar a inovação legal. Nesse sentido, parece ser necessário admitir a dura realidade: em muitos casos o contexto social em que inseridos determinados agentes de condutas delituosas pode ser ainda mais criminógeno do que o próprio cárcere, e estes mesmos agentes, em liberdade, contribuem para encorajar outros indivíduos à prática de crimes, de forma que a restrição à sua liberdade ambulatorial outrora possível em ocorrências de menor gravidade contribuía para redução do número e da gravidade de crimes praticados, resultando em menos prisões, contrariamente ao senso comum que levou à publicação da Lei, e ao aumento do número de prisões.

IV. A resposta penal. Sentenças e decisões terminativas proferidas em processos criminais

Os dados coletados também permitem uma avaliação da natureza da resposta oferecida pelo sistema de Justiça criminal aos casos que lhe são submetidos.

Considerando-se o ano de 2015, e diante de um universo de 197.141 sentenças ou decisões terminativas, foram proferidas 19.076 sentenças condenatórias, 11.116 sentenças absolutórias, 102.157 sentenças de extinção de punibilidade, 62.319 decisões de arquivamento de inquérito e 2.473 decisões de rejeição de denúncia.

Diante desse quadro, as sentenças condenatórias correspondem a 9,67% do total; as sentenças absolutórias correspondem a 5,63%; sentenças de extinção de punibilidade são 51,87% do total; decisões de arquivamento de inquérito correspondem a 31,61%; e decisões de rejeição de denúncia representam 1,25% do total.

De outro lado, constata-se que sentenças em que é examinada a procedência ou improcedência da pretensão punitiva estatal representam tão somente 15,3% das decisões que encerram os processos. E, em consequência, constata-se que 84,7% dos feitos criminais são encerrados sem que essa análise seja necessária.

Como visto, os volumes mais expressivos correspondem às sentenças de extinção de punibilidade (51,87%), as quais são proferidas por diversas causas, porém de forma mais destacada diante da prescrição ou decadência, cumprimento de suspensão condicional do processo ou transação penal, ou ainda renúncia ao direito de queixa / representação, indicando que o conflito foi solucionado mediante alternativas legais à imposição de pena criminal, ou que o Estado (ou em certos casos a vítima) não diligenciou de forma a garantir o prosseguimento da ação penal em tempo hábil ao julgamento.

Em segundo lugar vemos as decisões de arquivamento de inquérito (31,61%), indicando que em número muito relevante dos casos não foi possível a reunião de provas mínimas acerca da materialidade e autoria dos delitos em apuração.

E, por último, temos as decisões de rejeição de denúncia (1,25%), a indicar que, em que pese o Ministério Público ter entendido pela viabilidade da ação penal, esta não foi reconhecida em sede judicial, terminando-se prematuramente o processo sem exame acerca da pretensão punitiva estatal.

Para melhor compreensão desse quadro, convém apresentar o seguinte gráfico comparativo:

Obs.: O número 1 se refere à quantidade de Sentenças condenatórias, o no 2 de Sentenças absolutórias, o no 3 de Sentenças com extinção de punibilidade, o no 4 de Decisões de arquivamento de Inquérito e o no 5 de Decisões de rejeição de denúncia.

Do exame de todas as informações reunidas, podemos afirmar que em 90,33% dos procedimentos encerrados em 2015 não houve imposição de pena criminal por sentença condenatória.

Isso ocorre porque diversas formas de composição dos conflitos alternativas à jurisdição tradicional tem sido praticadas no âmbito da Justiça criminal e, de outro lado, porque há imensa dificuldade dos órgãos de persecução penal no sentido de obtenção de provas e identificação de culpados em tempo hábil ao exercício eficaz da ação penal.

Vale dizer, o sistema como um todo tem operado de forma que a aplicação e cumprimento de penas criminais acontecem apenas em reduzido número de processos e como última e extrema alternativa diante dos fatos submetidos à Justiça. E, paralelamente, observa-se que os órgãos encarregados da persecução penal não têm conseguido desempenhar adequadamente a função de instruir e sustentar a pretensão punitiva estatal, o que acaba resultando no encerramento prematuro de grande número de procedimentos sem que qualquer resposta estatal ao fato criminoso seja possível.

Essa constatação é coerente com dados estatísticos apresentados pelo Instituto de Segurança Pública da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, segundo o qual no primeiro semestre de 2015 apenas 19,67% das ocorrências de letalidade violenta tiveram suas investigações concluídas com êxito.[9]

O quadro revelado pelos números encontrados comprova que, em regra, o sistema de justiça criminal fluminense funciona de forma branda e tolerante. E, de outro lado, demonstra a ineficiência crônica dos órgãos de polícia judiciária na elucidação dos crimes e obtenção de provas capazes de assegurar o acolhimento da pretensão punitiva estatal. Por fim, a soma de ambos os fatores conduz à raridade da imposição de penas criminais e de custódias cautelares.

V. Conclusão

Diante de todo o exposto, podemos sintetizar as conclusões deste estudo da seguinte forma:

Os dados estatísticos coletados demonstram uma melhora significativa da eficiência de processamento e decisão em primeiro grau de jurisdição nas competências criminais de forma generalizada, visto que apesar do aumento dos níveis de distribuição o estoque de processos tem se reduzido em todas as competências, exceto nos juizados da violência doméstica e familiar contra a mulher;

Os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher tem enfrentado significativo aumento de demanda que se tornou possível em razão da facilitação do acesso à justiça nessa competência;

A esmagadora maioria dos feitos criminais em tramitação constituem processos de réus soltos (94,64% do total). Mesmo nas competências especializadas em crimes graves, quais sejam, varas criminais comuns e varas com competência do júri, os processos de réus soltos representam 87,92% e 83,63%, respectivamente, do total em tramitação;

A maioria dos processos de réus presos cautelarmente já teve julgamento em primeiro grau de jurisdição (52,97%);

Considerando-se o universo de sentenças e decisões terminativas proferidas em 2015, constata-se que as sentenças condenatórias correspondem a 9,67% do total; as sentenças absolutórias correspondem a 5,63%; sentenças de extinção de punibilidade são 51,87% do total; decisões de arquivamento de inquérito correspondem a 31,61%; e decisões de rejeição de denúncia representam 1,25% do total. Em decorrência desse quadro, constata-se que em 90,33% dos procedimentos encerrados em 2015 não houve imposição de pena decorrente de condenação criminal;

A raridade na imposição de penas criminais decorre da utilização de métodos alternativos de composição dos conflitos e de benefícios legais, e também da ineficiência dos órgãos encarregados da persecução penal no sentido de assegurar o êxito da pretensão punitiva estatal;

g) A política legislativa de mitigação da resposta penal e de restrição legal ao uso de prisões cautelares, que contribuiu para o elevadíssimo percentual de processos de réus soltos em tramitação, parece ter sido levada ao seu ponto extremo sem que tenha sido possível observar redução do número de prisões ou queda dos índices de criminalidade não letal no Estado do Rio de Janeiro. Paradoxalmente, o número de ocorrências com prisões teve aumento de 208% entre 2010 e 2015, após a edição da Lei n°. 12.403, de 04/05/2011, que tornou mais rígidos os requisitos para decretação da prisão preventiva e instituiu diversas medidas cautelares alternativas à prisão, o que corrobora a hipótese de que em alguma medida a restrição à decretação de prisões cautelares em crimes menos graves tem contribuído para o aumento de ocorrências por crimes mais graves, em que a prisão cautelar é cabível e acaba ocorrendo. Vale dizer, a opção legislativa parece estar produzindo efeitos contrários aos que foram cogitados como fundamento de sua adoção.

 

Notas_____________________________________

1Instituto de Segurança Pública. Organizadores COELHO, Diogo e ALMEIDA, Livia. Rio de Janeiro: A Segurança Pública em Números. Evolução dos Principais Indicadores de Criminalidade e Atividade Policial no Estado do Rio de Janeiro – 2003-2015. Rio de Janeiro, 2016. p. 9. Gráfico 4. Publicação digital em http://www.isp.rj.gov.br.

2Idem. pp. 6 (gráfico 2) e 8. Em 2003 o número de ocorrências de letalidade violenta foi de 8.054 (54,3 por 100.000 habitantes) e em 2015 foi de 5.010 (30,3 por 100.000 habitantes).

3Idem. p. 31. Tabela 10.

4 Idem. p. 32. Tabela 12.

523.658 processos de réus presos em relação ao total de 195.823 processos em tramitação.

6 2.998 processos de réus presos em relação ao total de 18.311 processos.

7 Instituto de Segurança Pública. Op. Cit. p. 35, tabela 20.

8 Registre-se que a deterioração da situação financeira do Estado do Rio de Janeiro apresentou seus impactos mais negativos no ano de 2016, cujos dados não foram considerados no presente estudo.

9 Vide http://www.isp.rj.gov.br. É importante ressalvar que, conforme já apontado no presente estudo, apesar desse percentual houve redução dos índices de letalidade violenta no Estado no período de 2003 a 2015.