Entrevista com o novo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Juiz Frederico Mendes Júnior
Eleito por aclamação no final de 2022 como o novo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para o triênio 2023-2025, o Juiz de Direito Frederico Mendes Júnior fala nessa entrevista à Revista JC sobre o perfil corporativo que pretende imprimir à sua gestão.
Magistrado há 24 anos, ele atualmente é titular da 1a Vara da Fazenda Pública de Maringá (PR). Já atuou como juiz auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e presidiu a Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) por dois mandatos.
Além de Mendes Júnior, foram empossados em dezembro do ano passado os 12 vice-
presidentes, cinco coordenadores e cinco membros do Conselho Fiscal da AMB. São vice-presidentes a diretora da Associação dos Magistrados do Trabalho da 12a Região (Amatra XII), Juíza Andrea Cristina Waldrigues; o presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Maranhão (ANMA), Juiz Angelo Antônio Alencar dos Santos; o presidente da Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul (Ajuris), Juiz Cláudio Martinewski; o presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Pernambuco (Amepe), Juiz Emanuel Bonfim Carneiro Amaral Filho; a presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), Juíza Eunice Haddad; o ex-presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Mato Grosso do Sul (Amamsul), Juiz Fernando Chemin Cury; da diretora da Associação Cearense dos Magistrados (ACM), Juíza Joriza Pinheiro; da ex-presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Tocantins (Asmeto), Juíza Julianne Freire Marques; do presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), Juiz Marcelo Pizolati; do diretor da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) Juiz Nilton Santos Oliveira; da presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), Juíza Patrícia Carrijo; e da diretora da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), Juíza Rosemeire das Graças do Couto.
A presidente da Apamagis, Juíza Vanessa Ribeiro Mateus, assumiu como coordenadora da Justiça Estadual; o Juiz do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4) Anderson Furlan Freire da Silva é o coordenador da Justiça Federal; o presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 15a Região (Amatra XV), Juiz do Trabalho Sérgio Polastro, é o novo coordenador da Justiça do Trabalho; e a diretora da Ajuris Leila Fraga foi empossada como coordenadora de Aposentados.
Tomaram posse como secretários o presidente da Amapar, Juiz do TJPR Geraldo Dutra de Andrade Neto, seu colega de tribunal, Juiz Marcel Ferreira dos Santos, o presidente da Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (Amagis-DF), Juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Carlos Alberto Martins Filho, e o Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Jair Francisco dos Santos.
O Desembargador do TJMG Nelson Missias de Morais foi empossado como o novo diretor-presidente da Escola Nacional da Magistratura (ENM); a Juíza do TJDFT Maria Isabel da Silva tomou posse como tesoureira da entidade; e o presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Pará (Amepa), Adriano Seduvim, é o novo secretário-geral da AMB.
Leia a seguir os melhores momentos da entrevista com o novo presidente.
Revista Justiça & Cidadania – Em seu discurso de posse o senhor disse assumir a Presidência da AMB disposto a focar na magistratura e nas pautas corporativas. De que forma pretende cumprir esse compromisso?
Juiz Frederico Mendes Júnior – Desde que nos incumbimos da missão de conduzir a AMB, a maior entidade representativa da magistratura no mundo, buscamos centrar o trabalho propositivo na pauta corporativa, em especial, na questão da remuneração dos magistrados em exercício e dos aposentados e pensionistas. Não é novidade para ninguém que, nos últimos anos, a magistratura amargou perdas remuneratórias sensíveis, tornando o regime de subsídios deficitário. É urgente o estabelecimento de mecanismos para o devido reconhecimento do trabalho daqueles que dedicam a sua vida ao bem público. Do contrário, sem estímulos à permanência e à progressão na carreira, isto é, sem a devida valorização da magistratura, assistiremos a uma fuga de quadros cada vez maior.
RJC – Qual é a medida mais urgente?
FMJ – A partir do compromisso firmado com os nossos mais de 13 mil associados e da recente sanção da lei que reajusta os subsídios, direcionaremos os esforços à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece a Valorização por Tempo na Magistratura (VTM). A PEC no 63, apresentada ao Congresso Nacional há nada menos do que uma década, altera dispositivos constitucionais para estabelecer uma parcela mensal indenizatória pelo período de dedicação do juiz, promovendo um escalonamento na carreira, que faz justiça a quem que está há mais tempo na função. O quadro atual gera desestímulo àqueles que permanecem por mais tempo na carreira, sem perspectiva alguma de acréscimo salarial vinculado à antiguidade no cargo, o que tem levado a um número infindável de aposentadorias.
RJC – Essa iniciativa também beneficia os aposentados?
FMJ – A VTM promove um mecanismo legítimo para assegurar proporcionalidade à remuneração percebida pelos magistrados ao longo da jornada, e isso, é importantíssimo observar, sem prejuízo aos aposentados. Não podemos admitir disparidades no tratamento, uma vez que, quando estavam em exercício, os aposentados atuaram com excelência para garantir o Estado Democrático de Direito. Decréscimos remuneratórios decorrentes de aposentadoria são simplesmente inaceitáveis. Jamais podemos perder de vista a isonomia.
RJC – Há outros benefícios na PEC no 63 além do incremento remuneratório?
FMJ – O principal ganho com a medida será a interrupção do processo de abandono da carreira por magistrados que se sentem desvalorizados e vão buscar na iniciativa privada melhores oportunidades. Entendemos perfeitamente esse comportamento, uma vez que a prioridade de todos é, inequivocamente, a proteção e a segurança da própria família. Por essa razão, a VTM é tão necessária. Quem mais perde com a atual debandada de juízes é justamente o cidadão que vai buscar no Poder Judiciário a resolução de seus conflitos. Sem uma modificação nesse quadro, a magistratura se tornará cada vez menos atrativa para os profissionais com a melhor formação jurídica e humanista.
RJC – A gestão vai também defender o restabelecimento da aposentadoria integral dos magistrados?
FMJ – A previdência é um dos temas mais caros à magistratura. Hoje, temos uma situação de grande incerteza, derivada das sucessivas reformas, que abalam o planejamento financeiro de nossas famílias. Essa circunstância impacta o próprio exercício da atividade jurisdicional, dada a angústia que gera nos magistrados. Nos últimos 20 anos, infelizmente, acumulamos perdas significativas. A nossa proposta é continuar com a defesa incondicional de um regime previdenciário que valorize a magistratura como carreira de Estado, em conformidade com a sua atribuição constitucional de administrar a Justiça no exercício do Poder Judiciário. A nossa maior meta nessa seara é o restabelecimento imediato da aposentadoria integral. Não abrimos mão também da paridade, respeitadas, é claro, as regras de transição e idade mínima.
RJC – Existe a hipótese de judicialização?
FMJ – A aposentadoria é o desenrolar natural da vida profissional e abrange, inescapavelmente, todos os magistrados e magistradas em exercício. É absurdo que os responsáveis por uma missão fundamental ao Estado Democrático de Direito tenham um corte de vencimentos em decorrência da aposentadoria. Vamos estabelecer um diálogo de alto nível com o novo governo, com o Judiciário e com os parlamentares da nova legislatura com o objetivo de restaurar a aposentadoria integral. E não nos furtaremos de judicializar a questão se houver pertinência e viabilidade.
RJC – Nessa mesma linha, a AMB defende a aprovação da PEC no 555, que modifica a fórmula de cobrança previdenciária sobre os proventos e as pensões de aposentados e pensionistas do Regime Próprio de Previdência Social?
FMJ – Essa pauta é muito importante porque acaba com a cobrança de contribuição previdenciária sobre os proventos dos aposentados e pensionistas. Hoje, a maioria dos novos juízes já entra no regime de previdência que limita os ganhos ao teto do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), o que gera uma relevante divisão na carreira. Apenas os magistrados que ingressaram no serviço público antes de janeiro de 2004 têm direito à aposentadoria integral e paritária quando completam 35 anos de contribuição e 65 anos de idade. Existe a possibilidade de migração para o regime de previdência complementar, mas essa é uma decisão de extrema complexidade e que tem impactado negativamente toda a magistratura.
RJC – Há também uma tentativa de se estender o prazo para a migração, não?
FMJ – Há mais de dez anos a magistratura da União busca dilatar o prazo para a migração de regime de previdência. Embora já tenhamos conseguido amenizar impactos e garantir a possibilidade de migração com segurança para o novo regime, a Medida Provisória no 1.119/2022 endureceu ainda mais os critérios. Já as Justiças estaduais, por outro lado, estão iniciando os esclarecimentos acerca das vantagens e dos riscos da migração ou da permanência dentro do atual regime. A AMB tem atuado para fomentar o debate, com o compartilhamento das experiências dos vários estados, além de intervir diretamente dentro das possibilidades legais.
RJC – Com relação à aposentadoria compulsória, qual é a preocupação da AMB, tendo em vista as proposições que tramitam no Congresso?
FMJ – Há uma proposta que merece atenção especial, pois visa extinguir a pena disciplinar de aposentadoria compulsória com salário proporcional ao tempo de serviço. Essa é uma compreensão distorcida do tema, que desconsidera o caráter contributivo da previdência e a inconstitucionalidade de se promover qualquer enriquecimento ilícito em favor do Estado. Uma coisa é a punição, a perda do cargo e a aposentadoria; outra coisa é o efeito patrimonial decorrente das contribuições do magistrado ao longo dos anos. Eventual ilícito praticado deve ser investigado e punido, obviamente. Todavia, a penalização não pode comprometer um direito adquirido após anos de aportes financeiros.
RJC – Mas não é necessária maior punição aos eventuais culpados por desvios e ilegalidades?
FMJ – A legislação brasileira já prevê a devida punição, de acordo com a natureza da eventual ilegalidade. No âmbito administrativo, proventos proporcionais não podem ser alcançados pela sanção disciplinar, uma vez que derivam das contribuições pregressas ao sistema previdenciário. Agora, nos casos mais graves, é relevante ressaltar que as leis em vigor autorizam a perda definitiva do cargo, mediante sentença judicial, assegurada a ampla defesa dos acusados e dentro do devido processo legal. A aposentadoria compulsória com proventos proporcionais ao tempo de serviço é, portanto, um benefício previdenciário estritamente limitado ao tempo de contribuição.
RJC – O senhor vê a possibilidade dessa proposição avançar no Congresso?
FMJ – As garantias da magistratura compõem cláusulas pétreas da Constituição e não podem sofrer alterações por meio de emendas. Trabalhamos tanto para denunciar a inconstitucionalidade de textos que, no mais das vezes, padecem de vício de iniciativa, quanto para a manutenção integral do sistema constitucional que envolve a carreira. Não podemos aceitar que a magistratura se torne vulnerável por violações pontuais ao texto constitucional.
RJC – Recentemente, a AMB também se envolveu nos debates sobre a reforma administrativa. O que o senhor poderia comentar a esse respeito?
FMJ – O Executivo apresentou a PEC no 32/2020 e os parlamentares cogitaram a inclusão da magistratura nessa reforma administrativa. Atuamos para que a Comissão Especial aprovasse o texto-base de modo a excluir a magistratura das providências previstas. O nosso papel foi o de aclarar ilegalidades e inconstitucionalidades e de persuasão dos parlamentares. Agora, com a reconfiguração da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, retomaremos os diálogos com as lideranças, sempre com vistas a resguardar as prerrogativas da magistratura, que constituem, na realidade, garantias da cidadania.
RJC – Também acompanhamos, nos últimos tempos, uma série de ataques a magistrados no exercício da jurisdição. O que está acontecendo?
FMJ – De fato, a situação se agravou. É preciso frisar que muitos desses ataques ocorreram durante a realização de audiências. Outros tantos se deram fora do ambiente forense, mas ligados ao exercício da jurisdição. Xingamentos são frequentes, assim como ofensas e outros atos de desrespeito aos magistrados. É imprescindível a defesa das garantias que nos protegem das pressões, das usurpações e da influência dos outros poderes políticos. Refiro-me aos princípios da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, inscritos na Constituição com o propósito de assegurar a independência funcional do magistrado. Tais medidas visam resguardar e manter íntegra a imparcialidade do julgador. Sem garantias e prerrogativas em favor da magistratura, a sociedade se enfraquece e, em consequência, a própria democracia – que não resiste sem um Judiciário forte.
RJC – Agora, no âmbito dos tribunais, o senhor é um defensor da eleição direta. Qual é a justificativa?
FMJ – A justificativa reside na necessidade imediata de democratizar o Poder Judiciário. Os magistrados podem escolher, por meio do voto, vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores, governadores e o presidente da República – mas não podem escolher quem vai conduzir o tribunal do qual fazem parte. Juízes têm responsabilidade social, julgam a vida, o patrimônio e a liberdade das pessoas, conduzem eleições. É evidente que possuem maturidade institucional suficiente para a escolha dos dirigentes dos respectivos tribunais. A democratização interna permitirá, portanto, que cada magistrado do Brasil participe da escolha da cúpula diretiva dos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho. Nada justifica que um juiz não possa influir na decisão de quem presidirá o tribunal ao qual está vinculado, uma vez que, como todo cidadão, exerce o direito ao voto nas eleições para os chefes do Executivo e para os integrantes do Legislativo. Há aí um paradoxo evidente: como admitir que magistrados, a quem compete resguardar o Estado Democrático de Direito, não possam desfrutar de democracia interna?