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Fonajus itinerante: soluções nacionais para reduzir a judicialização da saúde

9 de setembro de 2024

Da Redação

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O objetivo do programa, que irá percorrer todos os estados do país, é reunir informações, sondar desafios e conhecer as demandas estaduais para buscar soluções nacionais

A cidade de São Paulo recebeu a primeira edição do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus) itinerante. A iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visa reunir informações, sondar desafios e conhecer as demandas estaduais para buscar soluções em âmbito nacional, a fim de reduzir o alto volume de judicialização da saúde. A expectativa é que o evento itinerante percorra todas as unidades da federação nos próximos meses.

Na programação, magistrados participaram de reuniões e oficinas na Escola Paulista da Magistratura (EPM). 

Houve ainda o seminário Desafios e Perspectivas da Judicialização da Saúde, na sede do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Na abertura, por meio de videoconferência, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, destacou a importância do enfrentamento do excesso de judicialização no âmbito da saúde, definindo-o como “uma epidemia de litigiosidade”. 

De acordo com o estudo Estatísticas Processuais de Direito à Saúde, elaborado pelo CNJ, apenas em 2023 foram ajuizadas 565 mil ações relacionadas à saúde, um aumento de cerca de 20% em relação a 2022. “Nesse contexto, é fundamental a atuação colaborativa entre o CNJ, os tribunais e os Comitês Estaduais de Saúde, a fim de traçarem um diagnóstico das razões do aumento da litigiosidade e buscarem soluções para a racionalização das ações judiciais na área de saúde”, declarou Barroso.

A conselheira e supervisora do Comitê Executivo Nacional do Fonajus, Daiane Nogueira de Lira, reforçou a importância dos Comitês de Saúde estaduais. “De nada adiantaria o estabelecimento de políticas se não houvesse o trabalho árduo do Comitê de Saúde, que faz todo o acompanhamento e nos fornece dados da judicialização nos estados.” Segundo ela, os eventos itinerantes visam estabelecer diálogos para que os membros que atuam nacionalmente conheçam as demandas regionais e, a partir de escutas ativas, definam estratégias de atuação, além de fortalecer as políticas que já existem. 

A conselheira elogiou o trabalho do Judiciário paulista, que tem feito um mapeamento das ações buscando impedir fraudes e litigância predatória. “A judicialização da saúde é uma garantia do cidadão, mas não podemos deixar que o Poder Judiciário seja utilizado para fraudes e ações artificiais”, declarou a conselheira.

Segundo o presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), juiz Thiago Massad, o diálogo é “fundamental para fazer a intersecção entre os mundos da saúde e do direito”. O presidente do Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF-3), desembargador Luiz Carlos Muta, mencionou que “nesses tempos de complexas demandas de massa na área de tratamento e de medicamentos, o Fonajus itinerante – em território bandeirante – inaugura etapa importante de consolidação do esforço multidisciplinar e interinstitucional de construção de uma política judiciária de resolução adequada de demandas de assistência à saúde”. 

Destacando a produtividade do TJSP e a eficiência do Sistema Único de Saúde (SUS), o ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal (STF) comentou que “a iniciativa de fazer fóruns itinerantes é extremamente importante para que Brasília e as demais bases [dos estados] estejam unidas em propósitos”. O ministro apontou, ainda, situações que precisam ser observadas. “Se existem mais de 500 mil ações, existem também falhas de gestão, falhas de outros órgãos de Estado e falhas na sociedade”, afirmou.

O presidente do TJSP, desembargador Fernando Torres Garcia, destacou que apenas com esforços nacionais será possível dar vazão à avalanche de demandas, principalmente no estado de São Paulo. “O TJSP, em número de processos, é o maior do mundo. De modo que fica evidente que a maior judicialização da saúde, tanto pública quanto suplementar, está aqui no estado.”

Incorporação de novas tecnologias – O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Giovanni Guido Cerri presidiu a palestra magna do evento, que abordou a incorporação de novas tecnologias em saúde. Ele destacou que, diferentemente do passado, quando impactaram o aumento de custos, as novas tecnologias, a exemplo da saúde digital, da inteligência artificial e da interoperabilidade, podem refletir positivamente, melhorar o acesso da população à saúde e reduzir desigualdades. 

A professora titular da Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Ludhmila Hajjar falou sobre os desafios de garantir saúde de qualidade à população brasileira, abordando os tópicos da medicina baseada em evidências, os custos em saúde, a alta judicialização e propostas para reduzi-la. Segundo ela, a medicina baseada em evidências tornou-se um marco na evolução dos tratamentos de saúde. 

“Ao tomar uma decisão, nós levamos em consideração, sem dúvida, a experiência clínica do médico. Mas o que temos de melhor naquele momento é a evidência científica comprovada, sempre avaliando, é claro, os valores individuais do paciente”, disse a professora. Para ela, a medicina baseada em evidências tem que ser o foco da tomada de decisão. E isso vale, segundo Hajjar, sobretudo, no momento de incorporar ou não uma nova tecnologia e medicamentos. 

“Olhando para o sistema de saúde de uma maneira geral, o nosso gasto é médio, se comparado com outros países. Mas em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), é um gasto menor do que a maior parte dos países desenvolvidos. E nós sabemos que os recursos em saúde são finitos”, declarou a palestrante. Ela também salientou os números da judicialização, as questões relativas à eficácia de novos medicamentos e as divergências em torno do rol taxativo baseado em evidências, determinado pelo STJ há menos de dois anos.

O ministro Dias Toffoli encerrou a palestra magna enfatizando a importância do diálogo entre as instituições e a academia. “Muitas vezes ficamos ensimesmados e não dialogamos com o sistema de saúde para entender propriamente todas essas questões. Temos que manter esse diálogo multidisciplinar”, disse Toffoli. Segundo ele, somente três instituições podem garantir a verdade factual: a academia, o Poder Judiciário e a imprensa séria. Sobre a universidade, ele acrescentou que a palestra da professora Ludhmila mostrou a importância da medicina por evidências. “É a comprovação dentro daqueles limites que todos nós sabemos que a ciência tem, mas com base em pesquisa”, concluiu.

Os desafios da saúde suplementar – O painel Judicialização da Saúde Suplementar, presidido pelo juiz substituto em 2o grau do TJSP e auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Márcio Antonio Boscaro, foi aberto com a apresentação do presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Rebello, que destacou o conflito existente entre a garantia de um direito e da prestação de serviço de qualidade integral, com a limitação de recursos. “A saúde é um direito fundamental, mas a efetivação é complexa”, apontou Rebello.

Ele mostrou dados sobre o setor de saúde suplementar na atualidade e destacou que o maior desafio ainda está na questão da incorporação de novas tecnologias. “Tivemos alterações legislativas que fizeram com que o nosso país se tornasse uma ‘disneylândia’ dessas incorporações, pois aqui no Brasil temos o prazo mais exíguo do mundo para incorporar qualquer medicamento”, citou. Segundo ele, nos últimos três anos, 70 novas tecnologias foram incorporadas, demonstrando o dinamismo do rol. “O rol não é estagnado e esse é outro desafio”, disse Rebello. 

O juiz substituto em 2o grau do TJSP e ex-conselheiro do CNJ Richard Pae Kim fez reflexões sobre os efeitos e as consequências da alta judicialização no âmbito da saúde suplementar, começando pelos dados estatísticos mais recentes. “Devemos ter um aumento, neste ano, de aproximadamente 20% em relação a 2023, chegando a 684 mil ações. Dessas, 263 mil na saúde suplementar.” Segundo o magistrado, não há soluções simples para essa problemática, mas sim “uma série de ações que devem ser costuradas”. 

Ele também apontou outro problema, ou efeito, do excesso de judicialização: a ausência de jurisprudência uniforme em determinado sistema, o que leva à falta de previsibilidade, um oponente da segurança jurídica. Para ele, outra questão é a elevação dos custos para as operadoras que acaba “sobrando para o usuário” e a judicialização e a legitimação de alguns tratamentos experimentais. “Dentro desse cenário nós temos que avaliar que tipo de políticas poderíamos implantar no Judiciário e também de forma institucional”, disse.

Entre as soluções apontadas, Pae Kim elencou a necessidade de contar com planos de ação estratégicos visando metas preestabelecidas a serem alcançadas no sentido de promover a desjudicialização da saúde. Ele também indicou como solução a melhora no atendimento dos clientes pelos planos de saúde e, ainda, o fortalecimento dos mecanismos de controle e de informações que possam garantir a qualificação das decisões judiciais, a exemplo dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus).

O diretor-presidente da FMUSP, Arnaldo Hossepian Junior, encerrou o painel reforçando que a solução da judicialização não vai passar por uma conversa solitária do Poder Judiciário, do Ministério Público e da advocacia, mas com o diálogo com a academia, com os gestores e com as operadoras de saúde suplementar. “Elas [as operadoras] devem ser punidas naquilo que não corresponder às expectativas e aos ordenamentos que estão colocados. Porém, está mais do que consagrado que um dos sonhos de consumo da população brasileira é ter um plano de saúde. Então, que cumpram da melhor forma possível o que se dispõem a fazer”, declarou.

Mapa da judicialização – O painel Mapa da Judicialização da Saúde no Estado de São Paulo foi presidido pelo desembargador do TJSP Carlos Vieira Von Adamek e teve como primeira palestrante a desembargadora do TJSP e coordenadora do Comitê de Saúde do Estado de São Paulo, Mônica de Almeida Magalhães Serrano. Ela explicou que o Comitê tem como missão impulsionar a resolução de conflitos, reduzir a judicialização e também dar maior eficiência e fluidez no andamento das ações judiciais envolvendo o direito à saúde. “É claro que o aumento da judicialização é preocupante, até mesmo pelo impacto financeiro, seja em relação à saúde suplementar ou ao SUS. Essas novas tecnologias na medicina impactam diretamente essa questão e isso requer, portanto, uma atuação tanto do Judiciário quanto deste Comitê”, disse a magistrada.

Fechando o seminário, a desembargadora federal do TRF-3 e vice-coordenadora do Comitê, Giselle de Amaro e França, apresentou o quadro da Justiça Federal e dos julgados em matéria de saúde. Ela destacou que o TRF-3 conta com três turmas com competência para julgar o tema. “Por força de um acordo de cooperação com o TJ, utilizamos o Núcleo de Apoio ao Judiciário (NatJus) de São Paulo, que é um instrumento técnico essencial, quer seja para amparar a decisão na concessão, quer seja para afastar.” Segundo ela, a utilização do sistema, que se propõe a responder, de modo preliminar, a uma questão clínica sobre os potenciais efeitos de uma tecnologia para uma condição de saúde vivenciada por um indivíduo, é essencial. “Os juízes não são médicos e, quando o juiz recebe uma demanda, não pode se limitar àquela primeira linha do artigo 196 [da Constituição]. Ele tem que conhecer qual é a política pública de saúde. Então para decidir precisamos saber o que o NatJus diz sobre aquele caso concreto.” 

Oficinas – Foram promovidas durante o evento itinerante oficinas sobre evidências científicas em saúde, sob a responsabilidade do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Sírio-Libanês (NTS-HS). Ministraram as aulas os pesquisadores do Núcleo, Rachel Riera (coordenadora), Rafael Leite Pacheco, Cecília Menezes Farinasso, Camila Monteiro Cruz, Patrícia do Carmo Silva Parreira, Julia Victoria Costa Maximino e Renata Rodrigues de Mattos. Entre as atividades desenvolvidas, foram realizadas exposições dialogadas, dinâmicas em grupo e estudos da literatura pertinente ao tema. No primeiro dia, participaram profissionais da saúde, servidores e equipes técnicas dos NatJus, e, no segundo, o evento foi voltado para magistrados e assistentes.

Depois dessa primeira etapa em São Paulo, o Fonajus itinerante percorrerá todos os estados do Brasil com o propósito de promover diálogos, cooperação institucional e capacitação. O objetivo principal é implementar, em conjunto com os Comitês Estaduais de Saúde, a Política Judiciária de Resolução Adequada das Demandas de Assistência à Saúde, aprovada pela Resolução CNJ no 530, de 10 de novembro de 2023.

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