Edição 127
“ideal de justiça somente se alcança mediante comunhão de espíritos, de sonhos, de forças e de ideias”
28 de fevereiro de 2011
O desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos assumiu, no início do mês de fevereiro, a presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para o biênio 2011/2012. Na ocasião também foram empossados o Corregedor Geral, desembargador Antonio José de Azevedo Pinto, e o primeiro, segundo e terceiro vice-presidente do TRERJ, respectivamente os desembargadores Nametala Machado Jorge, Nascimento Antonio Póvoas Vaz e Antonio Eduardo Ferreira Duarte. Também foi empossada a diretora-geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), a desembargadora Leila Maria Carrilo Cavalcante Ribeiro Mariano.
Foram empossados, também, os membros do Conselho da Magistratura, desembargadores Marco Aurélio Bellizze Oliveira, Marcus Henrique Pinto Basílio, Marcos Alcino de Azevedo Torres, André Gustavo Corrêa de Andrade e Ricardo Couto de Castro, e da Comissão de Regimento Interno, com os desembargadores Marcus Quaresma Ferraz, Camilo Ribeiro Ruliére e Jacqueline Lima Montenegro. Já a Comissão de Legislação e Normas é integrada pelos desembargadores Kátia Maria Amaral Jangutta, Custódio de Barros Tostes, Maria Angélica Guimarães Guerra Guedes e Paulo Sergio Rangel do Nascimento.
Em seu discurso, o desembargador Manoel Alberto defendeu a união em favor da troca do conhecimento. “Sei que não se ensina sozinho, como não se aprende sozinho e nada se faz sem comunicação”, disse. “Espectros nos rondam a todo o instante, à luz do dia ou na calada da noite”. E afirmou: “O crime, a corrupção, o desmando, o arbítrio, a injustiça, a turbarem a paz e a enodoarem o zelo da coisa pública, a tornarem rouco o grito da liberdade, a distanciarem a Justiça como apenas um sonho intangível. Não pode ser.”
A sessão solene de posse contou com a presença do ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional da Justiça (CNJ); dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Aldir Passarinho, Luís Felipe Salomão e Benedito Gonçalves; do governador Sergio Cabral; do prefeito Eduardo Paes; do Conselheiro do CNJ Nelson Tomaz Braga; do procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro Cláudio Lopes e do presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), deputado Paulo Melo.
Discurso proferido pelo Presidente do TJERJ, Desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, na ocasião de sua posse
“Um dia, um distante dia, sonhei ser professor. Deslumbrava-me a ideia de ensinar, mostrar caminhos, prevenir descaminhos, aclarar dúvidas, desafiar inteligências, semear ideias, colher ideais. Estudei, planejei e imaginei respostas, e, não mais que de repente, como diria o poeta, vi-me indagando. Sim, indagando. Pois que os pequeninos cérebros tinham mais perguntas para mim do que eu respostas para eles. E perguntei com eles, perguntei por eles, perguntei para eles, perguntei a eles. E aprendi com eles. Aprendi a imensidão do que não sabia, a desafiar-me pelo brilho dos olhinhos sagazes. E tive a noção, ainda menos perfeita que a própria possibilidade do perfeito, do tão pouco que sabia em face das respostas perspicazes dos que tão pouca vida ainda tinham. Tão pequenas vidas, tão imensos ensinamentos! E eu é que tivera um dia a pretensão de ensinar… Pois o que aprendi ensinando, ou pretendendo ensinar, foi a aprender, sobretudo aprendendo de quem aparentemente tão pouco sabia. O que aprendi respondendo foi a perguntar, a perguntar mais e mais, mais e mais estudando e procurando saber. Que sabia eu? Certamente, apenas um minúsculo ponto diante da vastidão do que sabia que não sabia. Julgo ter aprendido um pouco de humildade, mas ainda tão pouca, que não posso nem ouso pensar em ensiná-la, apenas projeto continuar a aprendê-la. Que sei eu? Sei que não sei. Sei que a interrogação é ainda maior do que infindas reticências. Mas sei, hoje, ou julgo saber, que não se ensina sozinho, como não se aprende sozinho e como nada se faz sem comunicação e empatia com o semelhante, por mais pequenino e mais humilde que possa ser. Aprendi a união.
Num outro dia, menos distante dia, fui pai. E novamente a missão e a lição de ensinar e de educar me ensinaram a aprender, a par de me evidenciarem quanto ainda tinha por educar a mim próprio. E me lembrei de meus pais e de meus próprios professores, que num outro dia, mais longínquo dia, tanto me ensinaram e educaram, luzindo-me o caminho do bem e da retidão, que, afinal, não sei se bem aprendi, sem embargo do constante, incessante e incansável esforço no sentido de trilhá-lo. Mas aprendi que aprendi com meus filhos, como aprendera com meus pais e mestres, os quais – quem sabe? – podem igualmente ter aprendido com meu próprio aprender e não saber: a lição de união persistia como elemento primeiro e indispensável do aprendizado do caminho da virtude e do alcance de sonhos e ideais. Nesse passo, acudiu-me à mente e ao coração a doce lembrança de cantigas de roda, aprendidas e entoadas de mãos dadas. E outra vez me fiz criança, sequiosa por saber, ansiosa por outras mãos que pudesse de um lado e de outro empolgar em meio a outra cantiga.
Num outro dia, já menos distante dia, sonhei ser advogado. Com meu próprio talento, defenderia o indefeso. Com minhas próprias mãos, colheria de um poço divino a justiça com que aplacar a sede dos oprimidos e injustiçados. E vi quão penoso, comprido e estreito, acidentado e espinhoso era o caminho da fonte. Mais tive que aprender. E o que mais aprendi foi que o ideal de justiça somente se alcança mediante comunhão de espíritos, de sonhos, de forças e de ideias. Eu dependia, o oprimido dependia, o injustiçado dependia da lição e da palavra sábia do legislador e do juiz, do administrador e do promotor, assim como do trabalho do serventuário e até da humildade do contínuo. Outra vez aprendi união no folhear e no passar do processo de mão em mão, de mão a mão, como numa ciranda infinita.
Num outro dia, já mais próximo dia, sonhei ser juiz. Por fim, eu próprio me encarregaria de realizar a ansiada justiça. Ledo engano, equívoco tamanho! A justiça teimava em passar por muitas e alheias mãos, brotando como projeto da pena do advogado, fluindo como antítese da escrita de outro, passando pelo crivo do promotor, pelo amarrar das folhas do processo, pela palavra não raro vacilante da testemunha, pelo atestar do perito, pelo deambular dos mandados nas pastas dos oficiais de justiça, pelo desaguar ruidoso e desafiador em minha própria sala de audiências, em minha própria mesa, em minha própria síntese, a não passar, por fim, de outra e mera tese a ser submetida a juízes outros, certamente mais sábios. Vi que a roda se alargava e estendia por muito mais mãos entrelaçadas; a faina era coletiva e complexa. Quem daria a palavra final, mas ainda nem por isso certeza de justiça? Quem riria? Quem choraria? Quem não se sentiria ainda seguro com o próprio riso? Quem ainda não se conformaria com as próprias lágrimas? A justiça era um caudaloso rio a nascer manso como um fiapo d’água, a crescer, a avolumar-se, a derramar-se em cascatas, a contornar pedras e correr curvas rumo a um mar ensolarado e distante. E, eu, apenas mais um simples remador ou timoneiro no barco.
Hoje, neste presente dia, que um dia foi futuro e como os outros passará e se tornará igualmente distante, vejo-me, por fim, e pela vontade de meus pares, a exprimir-me na cantiga de mais uma roda, de mais mãos enlaçadas, presidente do Tribunal de Justiça de um dos mais importantes Estados da federação. Estou contente? Certamente que sim. Estou orgulhoso? De um orgulho sadio, expressivo tão somente da imensa satisfação de ter sido escolhido, dentre tantos tão capazes, para tão importante tarefa, certamente que sim. Mas do orgulho narcisístico, do orgulho que obnubila o servidor e faz aflorar o que empolga, como se fosse sua, a coisa pública, certamente que não: não há de que me orgulhar de apenas mais uma estação à margem do trilho do trem chamado destino. Estou, sim, como é natural, gravemente tomado de um cuidado crescente e proporcional à confiança que em mim depositaram e à delicadeza da missão que me foi confiada; e, como aquela mesma criança da roda de antanho, carente das mesmas mãos que com a minha se constituam em elos de uma corrente de energia benfazeja: as mãos de meus pais, que da longínqua esfera onde estejam hão de estendê-las ao filho emocionadamente grato, as mãos sábias de minha insubstituível e incomparável companheira, as mãos doces de meus filhos, as mãos dos colegas, as mãos dos administradores e legisladores, as mãos das instituições democráticas como o Ministério Público, como a Advocacia, como a Defensoria Pública, as mãos dos juízes, dos serventuários e assessores, nossos imprescindíveis auxiliares, as mãos do povo, de quem, enfim, somos todos servidores. E igualmente espero e confio nas mãos competentes daqueles a quem foi outorgado pelo povo o exercício do Poder Executivo e do Poder Legislativo, os quais, muito mais que por mandamento constitucional, por ordem e anseio natural do mesmo povo a que servem, hão de estar unidos ao Poder Judiciário.
Espectros nos rondam a todo instante, à luz do dia ou na calada da noite. Feras, predadores à espreita da presa e de seu descuido. O crime, a corrupção, o desmando, o arbítrio e a injustiça a turbarem a paz, a enodoarem o zelo da coisa pública, a tornarem rouco o grito de liberdade, a distanciarem a justiça como apenas mais um sonho intangível. Não pode ser! Como esperá-los, combatê-los, como nos cuidar de sua aproximação? Como nos prevenir de seu triunfo? Outra maneira não há: unindo-nos ainda mais, que nenhum de nós é capaz de afrontá-los sozinho. A roda não se pode desfazer. Não deixemos que arrefeça o calor de nossas mãos ou que desentoem nossas cantigas. Como proclamou e conclamou o saudoso presidente Tancredo Neves, em tão marcante, marcada e sofrida circunstância histórica, ‘não nos podemos dispersar’! ‘Solidários, seremos união. Separados uns dos outros, seremos pontos de vista. Juntos, alcançaremos a realização de nossos propósitos’, acrescentaria Bezerra de Menezes. E a sabedoria africana, por fim, pontuaria na boca do povo com o provérbio: ‘A união do rebanho obriga o leão a deitar-se com fome’.”