Edição 283
Igualdade de gênero e as políticas públicas judiciárias do CNJ
12 de março de 2024
Adriana Ramos de Mello Desembargadora do TJRJ / Professora do Mestrado da Enfam
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem promovendo políticas públicas para a garantia dos direitos fundamentais das mulheres no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. A Resolução no 525/2023, que estabeleceu a paridade de gênero para promover Magistradas aos tribunais de 2o grau, representa um grande avanço rumo à igualdade, sobretudo para garantir a democracia pela representação. No ato normativo foi determinada a utilização alternada de listas mistas e exclusivas para mulheres nas promoções pelo critério do merecimento. A norma busca efetivar a maior participação feminina e a igualdade de gênero no Poder Judiciário, combatendo a sub-representação feminina na carreira da magistratura brasileira, conforme constatada na pesquisa “A participação das Magistradas no CNJ: números e trajetórias”, realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gênero, Direitos Humanos e Acesso à Justiça da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). O estudo demonstrou que, das 120 pessoas que compuseram o CNJ desde a criação do órgão, em 2004, apenas 24 eram mulheres, isto é, 20% dessa composição.
Outra importante iniciativa do CNJ ocorre no âmbito do Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, que busca adotar medidas de igualdade, equidade, inclusão, combate e prevenção ao racismo estrutural e institucional no Poder Judiciário. Nesse sentido, a Resolução no 203/2015 determinou 20% de reserva de vagas a candidatos e candidatas negros nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura; além disso, a Resolução no 516/2023 vedou o estabelecimento de qualquer espécie de cláusula de barreira para os candidatos negros nas provas objetivas dos concursos da magistratura.
A Resolução no 492/2023 representou outro avanço na adoção pelo Poder Judiciário de um olhar voltado ao enfrentamento das desigualdades de gênero. A partir dessa resolução, o órgão estabeleceu a obrigatoriedade de se adotar Perspectiva de Gênero nos julgamentos em todo o Poder Judiciário, a partir do protocolo elaborado em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), além da necessidade de capacitar magistrados e Magistradas, relacionada a direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional. A Resolução ainda criou o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário e o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário. Ambos devem obedecer a pluralidade de gênero, raça e contribuição institucional, com representantes de vários âmbitos do Poder Judiciário, da OAB, da sociedade civil e da comunidade acadêmica.
Segundo o Relatório da Participação Feminina do CNJ de 2023 (ano base-2022), o percentual de Magistradas caiu de 38,8% para 38%, com expressiva diminuição nos postos mais altos da carreira. O número de Desembargadoras caiu de 25,7% (2019) para 25% (2022); já o número de ministras de tribunais superiores subiu um pouco de 19,6% (2019) para 25% no levantamento mais recente, mas mesmo assim está longe da paridade de gênero.
No voto da Conselheira Salise Sanchotene, que embasou a Resolução no 525/2023, alguns fatores foram apontados como obstáculos para as mulheres alcançarem as promoções na carreira judicial: afetação na vida privada, discriminação interseccional, incidência de atitudes discriminatórias no exercício do cargo, até por serem menos indicadas para cargos com critérios subjetivos de preenchimento e na promoção, especialmente por merecimento.
O Diagnóstico Étnico-racial no Poder Judiciário elaborado pelo CNJ apontou que, além do número já reduzido de mulheres na segunda instância, 87,4% são brancas e apenas 9,7% são negras-pardas. Os dados só confirmam o racismo estrutural existente na sociedade brasileira e no próprio Poder Judiciário, o que justifica a necessidade de ações afirmativas para combater o racismo e o preconceito racial.
Após a aprovação da Resolução no 525/2023 pelo CNJ, um grupo de Magistradas de todos os ramos da justiça criou o Movimento Nacional pela Paridade de Gênero no Poder Judiciário, visando fortalecer a pauta das mulheres em todas as esferas e alcançar a igualdade de gênero no Poder Judiciário.
Nancy Fraser (2007) assevera que o feminismo transnacional está reconfigurando a justiça de gênero como um problema tridimensional, no qual redistribuição, reconhecimento e representação devem ser integrados de forma equilibrada. Significa dizer que, para se ter uma democracia plena, é necessário adotar medidas que garantam às mulheres as mesmas oportunidades que os homens em todas as áreas, pública e privada.
As mulheres são impactadas pelas desigualdades culturais e socioeconômicas, as quais as afetam diretamente, causando mais dificuldades na progressão da carreira na magistratura, por isso, a necessidade de políticas redistributivas e de reconhecimento. No campo da representação política, as cotas de gênero são exemplos de políticas afirmativas, que buscam afetar positivamente a igualdade de gênero, como as implementadas recentemente pelo CNJ.
No âmbito do Direito Internacional de proteção aos Direitos Humanos, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) foi um marco importante ao dispor no art. 7o, que os Estados signatários devem tomar medidas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e, em seu art. 4o, que devem adotar ações afirmativas para a promoção dos direitos das mulheres.
A Plataforma de Ação de Pequim, realizada em 1995, prevê várias medidas para os Estados promoverem ações efetivas no sentido de garantir que as mulheres possam alcançar a plena igualdade em todas as esferas, públicas e privadas. Mesmo após 29 anos da realização, os avanços são modestos. Em muitos países, a exemplo do Brasil, as mulheres ainda experimentam desigualdade salarial, são responsáveis pelos afazeres domésticos não remunerados, pelo trabalho de cuidado, vítimas de assédio sexual, violência, e carecem de participação igualitária na política. Nesse sentido, ações afirmativas como as que estão sendo implementadas pelo CNJ são fundamentais e devem ser adotadas por todas as instituições públicas e privadas, para a garantia dos direitos humanos das mulheres e meninas e da democracia, visando uma sociedade mais próspera, justa e igualitária para o presente e para as gerações futuras.
NOTA:
1. ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS.
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gênero, Direitos Humanos e Acesso à Justiça. A participação das Magistradas no Conselho Nacional de Justiça: números e trajetórias. Brasília: DF, 2022. Disponível em: https://www.enfam.jus.br/relatorio-parcial-de-pesquisa-traz-dados-e-numeros-referentes-a-participacao-de-Magistradas-no-cnj/. Acesso em: 23 fev. 2024.
Referências bibliográficas_________________
FRASER, Nancy. Mapeando a imaginação feminista: da redistribuição ao reconhecimento e à representação. Revista estudos feministas, v. 15, p. 291-308, 2007. Acesso em: 25 fev. 2024.
SOUSA, Amanda Oliveira de; SANTOS, Jahyra Helena Pequeno dos. Ações afirmativas de gênero na política brasileira: interfaces entre reconhecimento, redistribuição e representação política. Cadernos UniFOA, Volta Redonda (RJ), v. 16, n. 46, p. 1-11, ago, 2021.
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