Igualdade de gênero nas eleições da OAB

8 de março de 2021

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Valentina Jungmann  

Daniela de Andrade Borges

Neste março, mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, ganha relevância o debate pela necessária equidade de gênero em todos os setores da nossa sociedade. Ainda perduram a baixa representação política das mulheres, a desigualdade de salários e de oportunidades, além da violência de gênero.

Para a advocacia, este mês terá um significado especial, de comemoração de um grande avanço – a aprovação da paridade de gênero nas próximas eleições da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se realizam neste ano.

A luta pela paridade é antiga, mas ganhou força na OAB durante a atual gestão, em especial ao longo do ano de 2020. Apresentada em março do ano passado pela Conselheira Federal Valentina Jungmann, na III Conferência Nacional da Mulher Advogada organizada pela Comissão da Mulher da OAB Nacional, a proposta de paridade de gênero integrou a Carta da Conferência como diretriz para as políticas a serem adotadas pela OAB. A proposta foi formalmente apresentada à Comissão Especial de Avaliação das Eleições do Sistema OAB, presidida pelo vice-presidente do Conselho Federal Luiz Viana, e aprovada em junho de 2020 por unanimidade.

No mês seguinte, a CNMA aprovou por unanimidade parecer referendando a proposta de paridade de gênero e pedindo o seu encaminhamento o mais breve possível para o Conselho Pleno. Iniciou-se uma mobilização das advogadas e advogados de todo o sistema OAB em reuniões, redes sociais e eventos virtuais para debater o tema. Foram realizados eventos virtuais sobre a paridade de gênero em 26 seccionais. A proposta foi exaustivamente debatida em mais de 40 reuniões virtuais.

Em 1º de dezembro de 2020 a matéria foi apreciada pelo Colégio de Presidentes, ocasião em que, por maioria, deliberou-se pela aprovação do Projeto Paridade e pela sua aplicação nas próximas eleições, que deverão ocorrer na segunda quinzena de novembro de 2021, em todo o País.

O Conselho Pleno, órgão integrado pelos conselheiros federais de cada delegação e pelos ex-presidentes, ao apreciar a matéria em 14 de dezembro de 2020, no mesmo sentido, aprovou o voto do Conselheiro Federal Fábio Jeremias (SC), adotando a paridade de gênero. Na mesma data também foi aprovada outra proposta de extrema relevância que estabeleceu a adoção de cotas raciais para as mesmas eleições neste ano.

Hoje são 605.628 advogadas inscritas nos quadros da OAB, 49,9% do total. Sendo que dez seccionais já têm mais advogadas que advogados. Um número em especial se destaca: entre os advogados até 25 anos, 65,3% são mulheres. São 39.057 advogadas com até 25 anos inscritas na OAB e 20.722 advogados na mesma faixa etária.

Apenas esses números são suficientes para constatar que, se as advogadas representam metade dos inscritos na Instituição, exercendo diariamente a advocacia e pagando metade das anuidades, é justo e razoável que estejam igualmente representadas em seus órgãos diretivos.

Eventualmente se poderia pensar que se as mulheres já representam 50% dos inscritos, naturalmente chegariam a 50% nos órgãos de direção da OAB. Mas a realidade mostra que o fato de as mulheres serem maioria numérica dos eleitores não lhes assegura igual representatividade nos órgãos dirigentes. Quando se analisam, por exemplo, as eleições nacionais, verifica-se que as mulheres representam 52,5% dos eleitores no Brasil, mas são apenas 15% dos parlamentares no Congresso Nacional, percentual inédito nas últimas eleições de 2018, quando uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral determinou a destinação de 30% das verbas de campanha e do tempo de propaganda às candidaturas femininas (antes esse percentual nunca havia passado de 10%). Segundo estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), que avalia 40 indicadores, o Brasil é o antepenúltimo País da América Latina em participação das mulheres na política.

No próprio sistema OAB, mesmo após a adoção da obrigatoriedade dos 30% de cada gênero nas chapas, apesar de três seccionais (BA, DF e SE) adotarem paridade de gênero já nesse triênio, a presença das advogadas em muitas seccionais é predominante nos cargos de suplência. Nenhuma advogada foi eleita presidente nas seccionais. No conselho federal, quatro seccionais não elegeram para esse triênio nenhuma advogada. E dos conselheiros federais eleitos para a titularidade apenas 16 eram originalmente mulheres.

Essa realidade não decorre da ausência de mulheres competentes, preparadas e interessadas em participar das eleições da OAB. Origina-se sobretudo das desigualdades materiais invisíveis que sustentam a desigualdade numérica visível, impondo às mulheres desafios e obstáculos a mais: mulheres competentes esperando uma oportunidade, condições que permitam a elas ocupar os espaços.

A adoção da paridade de gênero nas eleições da OAB é justa porque as advogadas representam a metade dos inscritos na Instituição e ao mesmo tempo é necessária para garantir equilíbrio nas eleições de classe justamente diante das desigualdades materiais que se verificam na realidade.

Também, porque entre as finalidades da OAB está a de defender os direitos humanos e a justiça social, o que justifica o uso de ações variadas, de forma a garantir essa almejada participação política igualitária entre os seus inscritos.

A paridade de gênero ainda é necessária, porque não há democracia efetiva sem representatividade. As ações e políticas da OAB regulam e afetam a vida de todas as advogadas no Brasil, e precisam ser elaboradas com sua participação efetiva. As advogadas brasileiras precisam falar por elas mesmas sobre os temas que as afetam diretamente.

As advogadas, assim como os advogados, enfrentam inúmeros desafios no exercício da nossa profissão: violação de prerrogativas, desvalorização de honorários, desafios de adaptação aos julgamentos remotos na pandemia, desafios para ser atendida pelo magistrado, para falar com seu cliente preso. Ao mesmo tempo, advogadas e advogados esperam a mesma coisa da advocacia: viver dignamente da profissão que escolheram.

A diferença é todos esses desafios atravessam a vida das advogadas com obstáculos extras e com nuances próprias.

Inspirado no princípio da paridade, as alterações aprovadas têm por objetivo tornar efetiva a participação política da mulher advogada na OAB, com a sua inclusão nas tomadas de decisões políticas e nas formulações de políticas para a advocacia.

A proposta altera o art. 131 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, no qual estão fixados os percentuais mínimos (30%) e máximo (70%) para candidaturas de cada gênero, para estabelecer que as chapas deverão atender ao percentual de 50% para candidaturas de cada gênero, para obterem o registro. Este percentual deve ser adotado tanto para os(as) titulares como para os(as) suplentes.

Com a aprovação, deve-se observar ao percentual de 50% também nos cargos de diretoria do Conselho Federal, das seccionais, das subseções e também das caixas de assistência. Na hipótese da diretoria ter cargos em número não múltiplo de dois, deve-se atender ao percentual mais próximo de 50%.

A representação numérica paritária torna os espaços políticos mais democráticos, harmonizando diferenças e legitimando o regime democrático inerente à nossa Instituição, razão da representatividade estar sendo uma política efetivamente adotada pela OAB. É certo que a participação igualitária constitui instrumento fundamental para a construção de uma sociedade mais humana e justa para todas e todos.

Além de um olhar integrativo, objetiva-se adotar mecanismos que viabilizem, cada vez mais, uma maior e efetiva participação de advogadas de todas as raças, etnias e idades no Sistema OAB, até porque a diversidade aumenta o nível de talento. A adoção da paridade de gênero e equidade racial, ao garantirem representatividade, tornam a OAB mais capaz de adotar políticas e ações que cheguem a toda a advocacia. Quanto mais democrática for nossa instituição, melhor ela poderá exercer suas missões, de defesa da Constituição e dos direitos humanos, e de fortalecimento da advocacia.

Quanto mais diversidade, melhor a capacidade da OAB de implementar ações e políticas que enfrentem os diferentes desafios que atravessam essa advocacia tão plural e diversa que atua nosso país continental. Advocacia fortalecida e valorizada depende diretamente da sua capacidade enquanto instituição de promover a inclusão e de chegar aqueles que mais precisam.

A OAB em 2020 completou 90 anos e foi chamada a refletir sobre o que queria para os próximos 90 anos. A OAB em seus 90 anos quer deixar esse legado de promoção da igualdade em suas estruturas internas e ao mesmo tempo ser farol em nosso País, inspirando outras instituição e organizações.

Nota__________________________________

1 Estudo publicado em 2020 por PNUD Brasil, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. ONU Mulheres, Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres. IDEA Internacional. Atenea – Mecanismo para acelerar a participação política das mulheres na América Latina e no Caribe: Onde está o compromisso com as mulheres? Um longo caminho para se chegar à paridade.