Edição 292
III Congresso Nacional do Fonajus coloca a judicialização no centro do debate
29 de novembro de 2024
Da Redação
Ministro Luís Roberto Barroso na abertura do III Congresso Nacional do Fonajus
Durante o evento, os presidentes do CNJ e da ANS assinaram acordo de cooperação técnica visando a prevenção de ações relativas à saúde suplementar e a celeridade no julgamento
Em 21 e 22 de novembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou o III Congresso Nacional do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde (Fonajus), no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo. Desde a primeira edição, o Fonajus vem atuando para elaborar estudos e propor medidas concretas e normativas para o afeiçoamento de procedimentos, reforço da efetividade dos processos judiciais e a prevenção de novos conflitos na área da saúde pública e suplementar. Esta edição, realizada em parceria com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), reuniu cerca de 850 pessoas, e registrou mais de dois mil acessos na transmissão on-line do evento.
Entre os convidados, representantes da magistratura e de diversas instituições vinculadas à área da saúde pública e da saúde suplementar para a troca de opiniões, iniciativas e pareceres. Um dos principais focos do evento foram os temas 6 e 1234 do Supremo Tribunal Federal (STF), respectivamente, relacionados à concessão judicial de medicamentos e fornecimento de medicamentos de alto custo não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e à concessão judicial de medicamentos e a definição de novos critérios de competência.
O evento trouxe para o debate aspectos da medicina baseada em evidências científicas, inovações tecnológicas que podem ajudar a melhorar o acesso à saúde, a urgência de definir parâmetros de incorporação e de precificação e de produtos e serviços médicos e demais questões relacionadas à gestão e financiamento dos sistemas de saúde.
A conferência de abertura, com o tema “Desjudicialização da saúde: desafios e perspectivas”, foi conduzida pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF e do CNJ. Ele trouxe dados do Painel de Estatísticas Processuais do CNJ de 2024, que apontam a existência de 800 mil processos relacionados à saúde pendentes de julgamento. “Apenas em 2024, já foram ajuizadas 483 mil ações de saúde. Não é possível considerar isso como sendo uma coisa normal”, declarou.
O ministro também abordou o tema da jurisprudência do STF e as iniciativas do CNJ em matéria de saúde pública e suplementar. “O tema da judicialização, de modo geral, chega ao Poder Judiciário no Brasil por algumas circunstâncias do arranjo institucional brasileiro. Os juízes estão treinados para fazer justiça, mas boa parte do que fazemos em matéria de saúde hoje produz impacto sistêmico. Portanto, precisamos ter visão mais abrangente de todo o sistema”, disse. “Esse fórum é o ambiente em que todos nós nos reunimos para pensarmos juntos a melhor forma de lidar com esse problema”, completou.
Na sequência, Barroso assinou acordo de cooperação técnica entre o CNJ e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), representada pelo diretor-presidente, Paulo Rebello Filho. Os termos do documento visam à prevenção do ajuizamento de novas ações relativas à saúde suplementar, além de garantir a celeridade no julgamento de processos e oferecer subsídios técnico-científicos para a tomada de decisões de magistrados.
Ainda na mesa de abertura, a ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, avaliou os julgados pelo STF neste ano. “O tema 1234 encontrou deliberação, em uma definição bastante clara e positiva. Da mesma forma, aconteceu com o tema 6. Quero, então, valorizar muito essas deliberações do STF”, enalteceu a ministra.
O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Fernando Antonio Torres Garcia, ressaltou que, constitucionalmente, a saúde é um dos direitos fundamentais garantidos a todos os brasileiros e que, “o esforço de todos deve ser o de concentrar-se em fortalecer e aprimorar as políticas públicas garantindo que medicamentos e tratamentos sejam fornecidos de forma eficaz e tempestiva sem a necessidade de acionamento do Poder Judiciário”.
A supervisora do Comitê Executivo Nacional do Fonajus, conselheira Daiane Nogueira de Lira do CNJ, lembrou que no Brasil existe um sistema complementar, integrado pela saúde pública e privada. “Essas duas esferas estão interligadas e precisam andar juntas. Nós precisamos pensar nos problemas e nas soluções de forma conjunta, encontrar caminhos em prol da maior eficiência e da maior acessibilidade, sem descuidar da sustentabilidade”.
Incorporação de novas tecnologias– O primeiro painel tratou do tema “evidências na incorporação de novas tecnologias em saúde” e foi presidido pelo consultor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Renilson Rehem. Para ele, a tecnologia tem evoluído de forma rápida, e isso traz ganhos. No entanto, ponderou que isso traz custos elevados que criam dificuldades concretas. “Muitas vezes, atendemos uma necessidade individual e compromete-se seriamente o direito de muitos outros”, declarou.
A médica e professora titular da Faculdade de Medicina da USP, Ludhmila Hajjar, abordou a sustentabilidade do segmento. “Nós queremos dar o mesmo acesso para todos os pacientes do Brasil, a melhor tecnologia, a melhor medicina. Mas nós temos um sistema que tem recursos finitos. Vivemos esse dilema, mas, desde 1992, temos avanços no que se refere à medicina baseada em evidências”, disse.
Participaram também do painel a diretora da Segunda Diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Meiruze Souza Freitas, que abordou a questão das novas tecnologias em saúde do ponto de vista das doenças raras, e a presidenta da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e Diretora do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DIGTS) do Ministério da Saúde, Luciene Bonan, que explicou os processos que definem a incorporação ou não de uma nova tecnologia pela pasta.
Conduzindo a palestra magna da manhã, o ministro Gilmar Mendes do STF, pontuou a atuação do Tribunal nas questões relativas aos temas 6 e 1234, além de trazer dados do sistema DataJud – painel do CNJ que permite lançar um olhar sobre estatísticas processuais de direito à saúde, detalhando os tipos de demandas, que vão desde um simples fornecimento de fraldas até o de medicamentos de alto custo.
Financiamento à saúde – O painel “financiamento da assistência à saúde no Brasil” ficou a cargo do presidente da Comissão de Planejamento e Controle do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Giovanni Guido Cerri. Primeiro a falar, Carlos Amilcar Salgado, diretor do Departamento de Regulação Assistencial e Controle do Ministério da Saúde trouxe dados sobre o orçamento da pasta. “Se excluirmos hoje os 51 milhões de brasileiros que têm acesso ao segmento de saúde suplementar, temos a responsabilidade de cuidar de quase 160 milhões de pessoas. O SUS tem organização relativamente complexa. Três esferas de governo participam do orçamento, mas os desafios são muito grandes e vão além da questão do financiamento”.
Medicina baseada em evidências – No período da tarde, o debate foi sobre a medicina baseada em evidências na visão dos temas 6 e 1234 do STF, iniciando com o subtema 1: “o papel do NatJus e qualificação das notas técnicas”, em mesa coordenada por Arnaldo Hossepian Júnior, diretor-presidente da Fundação Faculdade de Medicina (FFM).
Entre os painelistas, o ministro Paulo Sérgio Domingues, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacou a qualidade do atendimento em saúde prestado pelo SUS e a importância do NatJus, que “veio para enfrentar exatamente este problema, que é a dificuldade de o magistrado ter segurança para tomar uma decisão sobre fornecer ou não um medicamento para um tratamento”.
No subtema 2, discutiu-se o tópico “doenças raras e oncológicas: desafios no acesso aos novos tratamentos”, em mesa coordenada por Felipe Neme, diretor de Gestão Corporativa da FFM.
Priscilla Torres da Silva, conselheira do Conselho Nacional de Saúde (CNS) esclareceu que, hoje, no Brasil, existem mais de 13 milhões de brasileiros convivendo com algum tipo de doença rara. Ela trouxe dados sobre protocolos de atendimento e a estrutura disponibilizada a esses usuários no sistema público de saúde. Outros palestrantes que contribuíram com dados e informações sobre a capacidade de atendimento, desafios e iniciativas visando ao aprimoramento dos serviços médicos para este grupo de pacientes foram Raul Cutait, médico do HCFMUSP e do Hospital Sírio-Libanês, Maria Del Pilar Estevez Diz, professora do departamento de Oncologia da FMUSP, e Magda Maria Sales Carneiro, professora do Departamento de Pediatria da FMUSP.
No subtema 3, coordenado pela assessora jurídica do Conass, Mônica Lima, os palestrantes trouxeram mais esclarecimentos sobre o processo de precificação de medicamento no Brasil. De acordo com a secretária-executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) da Anvisa, Daniela Marreco Cerqueira, ainda existe desconhecimento geral sobre esses processos, que envolve diversas variáveis.
Sobre o tema, também falaram Renato Porto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Alexandre Fioranelli, diretor de Normas e Habilitação de Produtos da ANS, e Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).
Ainda no dia 21, foi realizado o painel temático “questões processuais nas demandas de saúde e os temas 6 e 1234 do STF”, que teve como subtemas “competência e ressarcimento”, “fluxo e cumprimento das decisões judiciais” e “a visão das funções essenciais à Justiça”. E, finalmente, o painel temático “desafios da Judicialização da Saúde”, com os subtemas: “fraudes na judicialização da saúde”, “Justiça, saúde e defesa dos vulneráveis” e “saúde mental e Transtorno do Espectro Autista (TEA)”.
Desafios da saúde suplementar – Os debates do painel temático “desafios e futuro da saúde suplementar”, foram conduzidos pelo presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), Breno de Figueiredo Monteiro. Primeiro a se apresentar, o ministro Antonio Saldanha Palheiro, do STJ, destacou que, mais do que a judicialização, a grande preocupação são as fraudes no sistema de saúde. “Da judicialização, nós conseguimos ver e atacar o problema. Mas não conseguimos saber o tamanho das fraudes, que consomem quase R$ 30 bilhões por ano”.
O painel final foi “tecnologia, inovação e o futuro da saúde”, coordenado pela conselheira Renata Gil do CNJ. Os painelistas foram Giovanni Cerri, presidente da Comissão de Planejamento e Controle do HCFMUSP, Sidney Klajner, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, Fernando Ganem, diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês, e Ana Stella Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, que mostrou todas as evoluções em tecnologia em que a pasta vem trabalhando. “Estamos conseguindo avanços importantes no processo de transformação digital do SUS. O programa SUS digital se insere no ‘Brasil bem cuidado’, que vem para fortalecer a atenção primária à saúde”, disse.
O painel de encerramento do evento, “judicialização da saúde e diálogos interfederativos”, com a presença do advogado-Geral da União, Jorge Messias e do senador Humberto Costa. O ministro Dias Toffoli, do STF, reforçou a necessidade de “seguir o que estabelecemos na súmula que editamos”, referindo-se às soluções para combater a alta judicialização da saúde no Brasil. Concluindo os trabalhos, a conselheira Daiane Nogueira de Lira anunciou a entrega do Prêmio Justiça e Saúde do CNJ, dedicado a reconhecer ações, projetos ou programas na área da saúde.
Conteúdo relacionado: