Ilegalidade da cobrança do uso do solo

31 de maio de 2006

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.” Os Srs. Ministros Eliana Calmon e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 18 de abril de 2006 (Data do Julgamento).

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): 

Trata-se de recurso especial interposto com fulcro no artigo 105, III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nestes termos ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS MUNICIPAIS. USO POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE ENERGIA ELÉTRICA. REMUNERAÇÃO. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA DE TARIFA.

É legítima a cobrança de remuneração – preço público – pelo uso de bem público, ainda que de uso comum, do povo, quando há utilização privativa de porção, como é o caso da que realiza concessionária de distribuição de energia elétrica.

Autorizada a cobrança por lei, sequer a resistência quanto à forma e competência se faz presente.

APELAÇÃO PROVIDA POR MAIORIA” (fl. 364).

A recorrente sustenta negativa de vigência aos artigos 77 do Código Tributário Nacional, 1º e 2º do Decreto nº 84.398/80, na redação dada pelo Decreto nº 86.859/82. Defende a tese de que:

“(…) a Prefeitura de Parobé não estará prestando serviço específico algum à impetrante em permitir o uso das vias e logradouros públicos para a passagem de fios, não incidindo o art. 103 do Código Civil, uma vez que a utilização dos bens públicos não embaraça qualquer outro que se pudesse fazer do mesmo espaço” (fl. 393).

Argumenta que é vedada a cobrança de quaisquer valores dos concessionários de serviços públicos de energia elétrica para a utilização das faixas de domínio de rodovias e de terrenos de domínio público por linhas de transmissão, sub-transmissão e distribuição de energia elétrica. Suscita dissídio pretoriano, colacionando precedentes desta Corte que entendem não ter a natureza de preço público a cobrança, atribuída pelos municípios, pelo uso do solo, subsolo e espaço aéreo dentro de seus territórios, de concessionárias de serviços públicos.

Foram apresentadas contra-razões às fls. 446-486 em que pugnado o improvimento do recurso e manutenção do entendimento adotado pelo acórdão recorrido.

Admitido o recurso na origem, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 694.684 – RS (2004/0139906-1) EMENTA

ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. ARTIGO 77 DO CTN. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. ART. 145, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA. UTILIZAÇÃO DE ESPAÇO AÉREO POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA. PASSAGEM DE CABOS. “RETRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA”. ILEGITIMIDADE.

1. O artigo 77 do Código Tributário Nacional reproduz dispositivo das Constituição Federal, implicando sua interpretação a apreciação de questão constitucional, inviável em recurso especial.

2. Ante a dicção legal de que é vedada a cobrança de valores quando da utilização pelas concessionárias de serviço público de energia elétrica, dos bens de domínio público, sendo as calçadas e ruas de uso do povo – comum, a cobrança da “retribuição” pelo uso merece ser afastada.

3. A nominada “remuneração pecuniária” não se encaixa no conceito de taxa ou preço, pois não há serviço prestado pelo Município ou exercício de poder de polícia.

Também, ao “ceder” o espaço aéreo e o solo para a instalação de postes e passagens de cabos transmissores de energia elétrica, não desenvolve atividade empresarial, seja de natureza comercial ou industrial. Precedentes: RMS 12.081/SE, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 10.09.01 e RMS 12258/SE, Rel. Min. José Delgado, DJU de 05.08.02.

4. Recurso especial conhecido em parte e provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator):

Preliminarmente, verifica-se que o recurso não enseja conhecimento no tocante à alegação de ofensa ao artigo 77 do Código Tributário Nacional, visto que repete o preceito constitucional contido no art. 145 da Carta Magna. Assim, a competência para apreciar tal matéria é do Pretório Excelso. Vejam-se: AgRg no Ag 547.338/MG, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 07.11.05 e REsp 726.174/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 21.11.05. Por outro lado, verifica-se que no tocante às demais questões foram preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, pelo que passo a seu exame. Versam os autos acerca de mandado de segurança impetrado para afastar a cobrança da Lei Municipal nº 1.912/02 que instituiu a cobrança da retribuição pecuniária, em virtude da utilização pela concessionária de serviço público de energia elétrica pela passagem de cabos e fios.

O artigo 1º, com a redação dada pelo Decreto nº 86.852/82 e 2º do Decreto nº 84.398/80, assim dispõem:

“Art. 1º – A ocupação de faixas de domínio de rodovias, ferrovias e de terrenos de domínio público, e a travessia de hidrovias, rodovias, ferrovias, oleodutos e linhas de transmissão de energia elétrica de outros concessionários, por linhas de transmissão, subtransmissão e distribuição de energia elétrica de concessionários de serviços públicos de energia elétrica, serão autorizadas pelo órgão público federal, estadual ou municipal ou entidade competente, sob cuja jurisdição estiver a área a ser ocupada ou atravessada.

Parágrafo único – Para os fins do disposto neste artigo, será considerada entidade competente a pessoa física ou jurídica que, em razão de concessão, autorização ou permissão, for titular dos direitos relativos à via de transporte, auto ou linha a ser atravessada, ou a ter a respectiva faixa de domínio ocupada.

Art. 2º – Atendidas as exigências legais e regulamentares referentes aos respectivos projetos, as autorizações serão por prazo indeterminado e sem ônus para os concessionários de serviços públicos de energia elétrica”

Portanto, ante a dicção do referido dispositivo legal de que é vedada a cobrança de valores quando da utilização pelas concessionárias de serviço público de energia elétrica, dos bens de domínio público, sendo as calçadas e ruas de uso do povo – comum, denota-se que a cobrança da “retribuição” pelo uso merece ser afastada.

Além disso, conforme preleciona Hugo de Brito Machado, identifica-se o que seja taxa ou preço:

“a) se a atividade estatal situa-se no terreno próprio, específico, do Estado, a receita que ela se liga é uma taxa;

b) se a atividade estatal situa-se no âmbito privado, a receita a ela vinculada deve ser um preço;

c) havendo dúvida, pode a lei definir a receita como taxa ou como preço”

(Curso de Direito Tributário, 19ª edição).

No caso, a nominada “remuneração pecuniária” não se encaixa no conceito de taxa ou preço, pois não há serviço prestado pelo Município ou exercício de poder de polícia. Também, ao “ceder” o espaço aéreo e o solo para a instalação de postes e passagens de cabos transmissores de energia elétrica, não desenvolve atividade empresarial, seja de natureza comercial ou industrial.

Esta Corte analisou a questão em casos análogos:

“ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO – TAXA DE LICENÇA PARA PUBLICIDADE E PELA EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE EM LOGRADOUROS PÚBLICOS.

1. A intitulada ‘taxa’, cobrada pela colocação de postes de iluminação em vias públicas não pode ser considerada como de natureza tributária porque não há serviço algum do Município, nem o exercício do poder de polícia.

2. Só se justificaria a cobrança como PREÇO se se tratasse de remuneração por um serviço público de natureza comercial ou industrial, o que não ocorre na espécie.

3. Não sendo taxa ou preço, temos a cobrança pela utilização das vias públicas, utilização esta que se reveste em favor da coletividade.

4. Recurso ordinário provido, segurança concedida” (RMS 12.081/SE, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 10.09.01);

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. UTILIZAÇÃO DE SOLO URBANO. INSTALAÇÃO DE POSTES DE SUSTENTAÇÃO DA REDE DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. INSTITUIÇÃO DE TAXA DE LICENÇA PARA PUBLICIDADE E PELA EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE EM LOGRADOUROS PÚBLICOS. ART. 155, § 3º, DA CF/88. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE.

1. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto contra v. Acórdão que denegou segurança ao entendimento de ser constitucional a cobrança, por parte do

Município recorrido, da taxa de exploração de logradouro público sobre a utilização do solo urbano por equipamentos destinados à transmissão e distribuição de energia elétrica para atendimento da rede pública.

2. ‘A intitulada ‘taxa’, cobrada pela colocação de postes de iluminação em vias públicas não pode ser considerada como de natureza tributária porque não há serviço algum do Município, nem o exercício do poder de polícia. Só se justificaria a cobrança como PREÇO se se tratasse de remuneração por um serviço público de natureza comercial ou industrial, o que não ocorre na espécie. Não sendo taxa ou preço, temos a cobrança pela utilização das vias públicas, utilização esta que se reveste em favor da coletividade.’ (RMS nº 12081/SE, 2ª Turma, Relª Minª Eliana Calmon, DJ de 10/09/2001)

3. É ilegítima a instituição de mais um tributo sobre o fornecimento de energia elétrica, além dos constantes do art. 155, § 3º, da CF/88.

4. Recurso provido” (RMS 12258/SE, Rel. Min. José Delgado, DJU de 05.08.02).

Cabe, pois, restabelecer, porque escorreita, a sentença de primeiro grau.

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial, dando-lhe provimento.

É como voto.