Imprensa e liberdade: o direito democrático de informar e ser informado

3 de agosto de 2022

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I. INTRODUÇÃO

Com gosto pouso os olhos no papel cansado de jornais lidos pela primeira vez há mais de cem anos pelo meu avô. No abandono das almas livres do sertão, o “Correio da manhã” chegava naquela distância geraseira das Minas quase 15 dias depois da data constante do cabeçalho do jornal. Parecia que as coisas aconteciam apenas quando lidas. A imprensa contava a vida. Acho que ainda conta. A atenção e os comentários das novidades eram alimentados até o próximo número.

O rádio atualizava. Mas o gosto do papel-jornal acalentava a curiosidade do mundo. Que força essa, havida na palavra impressa, a manter assuntos e prosas a expectativa até a chegada do próximo jornal. Cem anos depois da edição que agora contemplo e pego-me a sentir o mesmo gosto com a leitura do jornal. Esse regalo matinal não mudou pela transformação de sua forma. O dia não acorda inteiro quando a correria impõe ausência da leitura primeira dos jornais.

Ai, palavras, ai palavras… que estranha potência a vossa!, poetava Cecília.

Escritas, ditas, repetidas, agora abreviadas e às vezes mesmo mutiladas, as palavras persistem, informam, formam, transformam gentes, direitos, amores e desafetos, tudo na forma do dito.

Frequente ouviu-se ou mesmo se leu que a Constituição criou os Estados Unidos da América. Ali se tem o exemplo e a origem da “Constituição escrita”. Mas houve escritos constitucionais anteriores àquele documento fundamental norte-americano de 1787. O que não houve antes de sua promulgação foi um documento formalizado como Constituição, compiladas as suas normas em texto único e, principalmente, publicado. O que foi transformador na experiência constitucional norte-americana foi a publicação do texto constitucional, documentado e entregue ao público. Não se reivindica direito que não se conhece. E o conhecimento dos direitos depende do acesso à informação.

A publicidade pela publicação do documento constitucional foi um passo civilizatório, determinante para a efetividade dos direitos humanos. A maior revolução norte-americana naqueles oitocentos foi a revelação formal, pública e com igualdade para todos do que se tornara o Direito Constitucional de um povo.

A imprensa fez o Direito democratizar-se. O Direito público e publicado fez a democracia consolidar-se. Sem a imprensa não há informação e sem essa não há democracia. A imprensa livre é a garantia do cidadão livre

II. SENTINELA DA LIBERDADE: A IMPRENSA ATENTA

“Estarei porventura sempre a ouvir, e nunca direi coisa alguma? Não por certo. Saio portanto ao respeitável público e peço licença para falar. O distinto título de minha Gazeta é ‘Sentinella da Liberdade’ – eu lamento que tivesse uma Sentinela da Usurpação e Despotismo na Cidade da Bahia e que em todo o Brasil não houvesse outra a atalaiar em favor da liberdade. Por isso, como soldado veterano, cheio de cicatrizes, que milito há 32 anos debaixo das bandeiras desta Divindade, pego na minha arma e medito em uma Guarita sobre o baluarte do invencível Pernambuco, grito desde já – Alerta! Persuado-me que um Gazeteiro é escritor, que pode ensinar, edificar e até moralizar os homens: meus desejos são estes. Escrever para os da cidade e da aldeia, homens e mulheres sábios e poucos instruídos” (SENTINELLA da Liberdade na Guarita de Pernambuco – 9/4/1823, nº 1)

Em 13 de maio de 1808, decreto do Príncipe regente, Dom João, dá origem à Oficina de Impressão Régia do Império:

Não se discutia então liberdade, que dirá liberdade de imprensa. Era 1808! Certo, tinham se passado os atos históricos da Revolução Francesa, cujo ápice data de 1789. Fatos que mudariam o mundo, os conceitos e as práticas políticas, a liberdade de todos fez-se central na vida política.

Mas algumas outras mudanças seriam necessárias para que tudo não continuasse o mesmo e a liberdade não permanecesse como privilégio.

A imprensa impôs-se como sentinela da liberdade. A publicação de Cipriano Barata anunciava a que vinha.

A construção da imprensa fez-se pela atenção do jornalista ao que se passava e não haveria de se manter escondido nas coxias do poder do Estado.

Governantes há – ainda agora e melancolicamente em grande número – pouco afeitos a tornar público e dar a conhecer ao povo o que em seu nome é feito, praticado e aprontado. Aparentam o que querem seja mostrado, mas mantém espaços nos quais a luz da informação não traspassa. A imprensa atenta em duplo significado. Aos que apreciam a penumbra desgosta o claro. A imprensa ilumina. Por isso atenta. Atenta também no sentido de observar e reproduzir, para o que observa. Analisa e escancara o que há de ser dado à mostra. Letra é escrita para ser lida. O jornalista reproduz o que obtém em informações e espalha aos cidadãos o que ocorre nos espaços públicos.

Dá ciência à cidadania o que é o governo por dentro e por fora.

Todo atentado à democracia aposta no cidadão desatento. Por isso, conjura a imprensa.

A imprensa, vereda cívica institucionalizada na sociedade moderna, construiu-se na conjugação democrática do poder estatal limitado e na participação popular no desempenho das funções do Estado. Os valores da justiça e da segurança jurídica orientam a formulação do sistema jurídico. Sua eficácia depende dos poderes sociais que se exercem afinados com os princípios acolhidos pela cidadania.

Liberdade de imprensa é dever do jornalista, direito do cidadão. Dever do jornalista porque sem ser livre para formar seu convencimento e informar com seriedade o jornalista pode expor o que não condiz com os fatos.

Estar no local do fato noticiado, ter o testemunho do sabedor do que se tenha passado, tudo é parte da formação do convencimento da matéria a ser exposta na matéria veiculada.

Imprensa livre é direito do cidadão. Sem informação não pode ele formar sua ideia sobre o que corre à sua volta, o que precisa ser conhecido. A democracia faz-se pela participação do cidadão no poder. O poder há de ser conhecido, pois, exercido para representar o cidadão, há de saber ele o que ocorre para se posicionar. Sem ciência do que se faz e se omite não há como se considerar parte nem ser partícipe do processo político estatal.

A democracia é caudatária da imprensa livre. A construção da legitimidade democrática depende da informação veiculada, predominantemente, na sociedade moderna, pela imprensa. Com ela constrói-se a sociedade ativa, partícipe do processo formador das políticas legítimas e garantidoras da coerência entre o necessitado e desejado pelo povo e o que é realizado pelo governante.

A informação foi resguardada, medievalmente, em sombrias bibliotecas, inacessíveis aos cidadãos. A escola foi reservada aos silêncios de elites, coniventes e interessados no status quo. Informação transforma. Por isso, para os que não querem mudar, notícias são mais que inconvenientes, são perigosas.

O perigo da palavra! Palavra é luz. Há, para alguns, o incerto conforto indolente do não saber. Escuros da vida, da alma ou da praça servem de explicação para a inação. A irresponsabilidade, a culpa do outro. O sonso essencial, segundo Clarice Lispector. O analfabeto político, para Bertolt Brecht. A imprensa expõe o alfabeto político da cidadania. Ela desenha e publica as letras da democracia. Dificulta a desculpa fácil do desconhecimento ressentido.

Democracia é responsabilidade. E não é responsável aquele que nada sabe e, por isso, nada lhe pode ser imputado, menos ainda o agir ciente dos efeitos e das consequências de seu desempenho.

Na democracia, a imprensa é caminho e condutor para o andar cidadão. Por isso, no processo político legítimo afirmou-se ela como poder. É poder não estatal, sem afastar-se daquela natureza. É poder político da sociedade. O poder estatal não totaliza a cidadania, nem cobre a vida como substituto de todos os gestos e experiências cívicas. Na democracia, poderes sociais combinam-se e são exercidos nos diferentes espaços de convivência das pessoas. E não se descombinam nem se afastam os poderes estatais e os poderes sociais: voltam-se ao atingimento dos anseios, ideais e necessidades das pessoas.

Entre os poderes sociais a imprensa livre destaca-se. É demarcatória do agir estatal. O que nela se veicula é determinante para impedir excessos ilegítimos e práticas corruptas dos governos e para propiciar impulso e apoio às políticas acolhidas.

A imprensa democrática fala, reverbera, não se acaba em ouvidos, reconstrói e expõe atos e fatos e interpreta e analisa o ocorrido; prevê e avisa o que pode ocorrer. Não apenas ouve, por se construir a democracia moderna na ágora da palavra aberta e plural.

A imprensa-instituição democrática da sociedade tem a sua base ética na liberdade. Não há como se dar cumprimento à finalidade da imprensa, em sua concepção democrática, sem se adotar a liberdade como dever do jornalista a ser respeitado para a garantia da confiança devida a seu desempenho.

Esse dever há de ser entendido em harmonia com o direito à livre manifestação do pensamento e de expressão do profissional da imprensa ou de quem produz conteúdos, veiculados nos diferentes órgãos e plataformas jornalísticas. A imprensa é uma expressão intelectual. Logo, ela é resguardada pela liberdade garantida desde os primeiros tempos da concepção e da prática democrática moderna.

As transformações dos diferentes meios pelos quais se se apresenta a imprensa não tocaram essa base que a fundamenta, qual seja, a garantia da liberdade como dever do jornalista e direito fundamental do cidadão. Assim é porque a imprensa influencia aquele que a ela tem acesso. As Constituições contemporâneas tornaram a instituição imprensa titular do direito-dever de informar a sociedade sobre as coisas do Estado e também aquelas dos cidadãos, desde que estas sejam de interesse geral. O limite do exercício dessa liberdade-dever é a dignidade humana e a intimidade, a que se liga a essência indevassável de cada um e que não há de ser exposta ao outro como curiosidade malsã.

O agir que influencia o outro forma o fluxo do que consubstancia a denominada opinião pública. Não se cuida de opinião publicada, senão a que é construída a partir do que exposto, conformando, então, como elemento distintivo e identificador da vida política de cada povo.

O poder da imprensa baseia-se na necessidade do cidadão de informar-se e na demanda democrática de toda a sociedade de ter outra fonte de conhecimento sobre a atuação do poder político que não o Estado. Para se saber do Estado não se há de contar unicamente com o que ele expõe, mas com o que outras vertentes podem transmitir sobre os atos e omissões de governos, governantes e mesmo dos governados.

A imprensa alargou seu papel nas experiências democráticas contemporâneas e passou a reformular-se para ser sentinela da liberdade não apenas do cidadão em face do Estado, mas a ser vigilante da liberdade do indivíduo na relação horizontal com o outro.

O jornalista perscruta, analisa, sonda e analisa, afirma, expõe e publica. A imprensa-instituição da sociedade democrática contrapõe-se, assim, à visão única e alienante do governo, impedindo a fabricação de estórias que amorteçam sentimentos cívicos de oposição e até mesmo de apoio crítico a políticas públicas. O que se busca é impedir que seja dificultado ou impedido o conhecimento de fatos de interesse público, suas causas e consequências históricas. A imprensa apresenta o que, não poucas vezes e tragicamente, o governo oculta. Se a sociedade desconhece, a tirania cega.

Livre o ser humano para pensar e decidir há que livre ser para conhecer e escolher. Que a ignorância não é poder, é depender. Perde-se em liberdade o que não se ganha em saber. A imprensa ajuda na aquisição de conhecimentos, aí incluídos aqueles que respeitam à ciência das coisas e do poder do Estado. Forma-se a cidadania com o acesso à informação e institucionaliza-se a imprensa como o caminho para a informação. Por isso a sua natureza de poder social institucionalizado na experiência democrática.

A criação da Imprensa Oficial Régia do Império, em 1808, foi decretada para dar a público leis e atos diplomáticos do “real serviço”, determinando-se que nela poderiam ser impressas “outras obras”. O poder estatal tem força para muito fazer. Para enormes obras. E também para grandes desumanidades. Mas não supera a humanidade. Esta se constrói em sua dimensão de comunicar – ser um com o outro – para além e até contra o Estado. Basta seja atingido o ser humano em sua essência de sentir, querer e temer. O sentimento supera o temor, o querer supera o receio. Ser um com o outro – unir-se com ou comunicar-se – está além do que o poder do Estado, até mesmo o que se pretenda exercer de forma absoluta e tirânica, é capaz de fazer prevalecer.

Assim é que a imprensa tem a liberdade em seu exercício mais como dever democrático do que como direito fundamental, ainda que assim seja rotulado nas Constituições contemporâneas. Direito-dever, compete à imprensa, com fundamento no que ressai de sua peculiar condição de fazer claros os espaços públicos, a função de fazer valer a sua independência e autonomia para dotar a cidadania do saber essencial à sua condição de partícipe do processo político. É com a informação dos dados da vida e da dinâmica política que se garante a sua livre condição de atuar com ciência do que os atos e os fatos da vida plural revelam e a partir deste saber ele escolhe e age.

A imprensa livre é dever do jornalismo e direito fundamental do cidadão no processo democrático. Sem essa liberdade de imprensa não se forma a base do saber político que garante a liberdade do cidadão.

III. FAROL DA LIBERTAÇÃO: A IMPRENSA INFORMA

“…a liberdade das almas, ai, com letras se elabora…”
Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meirelles

A imprensa afirmou-se como sentinela da liberdade, nomeado que assim foi, no cenário jornalístico brasileiro, desde o início do Século XIX. Mas espraiou-se para além da liberdade conquistada e garantida contra atuações do Estado. Tornou-se farol da libertação.

Cumpre, assim, a imprescindível função de facilitadora da emancipação do pensamento formado e conformado. A informação inova e desorganiza para permitir nova organização de ideias e práticas. Vale para a vida pessoal e particular, vale muito mais para a vida social e política. O sentinela da liberdade, a mirar governos e governantes, estende sua atuação para além dos palácios e casas governamentais e ganha as ruas. Reinventa-se candeia a iluminar além, farol da libertação. Os humanos constroem suas vidas com o sentido permanente da libertação. Não se resigna apenas ao espaço livre conquistado. Viver é libertar-se. A informação é a base desse processo permanente de vida que se expande, estendendo-se para a reinvenção constante da aventura de viver.

Na vida com o outro, no espaço da polis, a imprensa é o instrumento, ainda hoje preferencial, de que se vale o ser humano para informar-se e, então, fazer escolhas, possibilitando-lhe novos passos e formulando novos ideais.

O homem não se conforma, a imprensa o informa. Curioso, o ser humano busca mais e sempre. A imprensa labuta no sentido de estar no endereço do que é a procura humana pelo que é do seu interesse, sua necessidade, ideia ou produção.

O constitucionalismo contemporâneo concebeu a imprensa livre como instrumento garantidor da eficácia dos direitos fundamentais, respeitando-se aqueles inerentes à personalidade. Nem o exercício da imprensa tem permissão para avançar na intimidade que compõe a essência da identidade humana, nem se acanha e estanca nos umbrais da porta de palácios e residências oficiais dos poderosos e dos seus asseclas e seguidores que atentem contra o direito dos outros.

A informação formulou-se como direito constitucional autônomo, dele decorrendo deveres positivos do Estado, além de impedimentos para atuar de forma adversa em relação à sua eficiência. Não apenas não pode o Estado opor-se à divulgação ampla dos dados a serem acessados pelo público, mas a de adotar todos os meios para facilitar o seu conhecimento, especialmente em relação aos órgãos e profissionais da imprensa.[1]

Na divulgação livre de informações, atos e fatos, pode-se dar aparente colisão de direitos fundamentais entre a atuação do que cumpre a função de dar a público o acervo de que tem ciência e aquele sobre o qual versa a notícia. Por isso o Direito cuidou de assegurar meios de questionar juridicamente eventuais abusos, decorrentes de avanços impróprios em áreas constitucionais resguardadas à divulgação pública. Como antes afirmado, o que se há de respeitar é o espaço de intimidade guardada do indivíduo, por ser componente do direito à vida pessoal, desde que a informação não tenha repercussões sobre os direitos dos outros.

Esse limite que a Constituição mesma afirma não se derrama além do imprescindível para o que garante o direito da pessoa, nem pode configurar proibição impeditiva de luz sobre espaços que respeitem a outras pessoas. O que é indevassável (inviolável na terminologia constitucional brasileira) é o que se identifica e mantém-se na essência que singulariza e respeita apenas à própria pessoa. O que se transmite na relação com o outro no espaço da socialidade não se retém na intimidade e por isso pode ser exposto, podendo ser objeto de divulgação pública.

É a informação que promove a ciência sobre as coisas da polis. Então, os cidadãos formam os consensos e mostram os dissensos, a partir dos quais se assenta a identidade do grupo social ou político. Do que se põe e expõe e daí se extrai, condensa e no que se acredita e o que se deseja como objetivo para todos forma a essência do grupo social e político.

A fundamentalidade da imprensa está nisso: ela é o instrumento da informação legitimada, tradicional e racionalmente, a expor dados necessários ao saber do povo, traduzindo o seu querer. Sem ela a cidadania se cala em seus próprios pensamentos, inertes, não dialógicos ou comunicantes. Isolam-se pensamentos, mentes, ideias em gesto de avareza de ideais e necessidades. O egoísmo não é um bom caminho, mas uma tranca à humanidade dos encontros.

Não saber do público é desconhecer-se de uma parte de si. É acantonar-se em borralhos da alma, esperando que uma varinha mágica surja a transformar o que a só ação do ser humano é apto a construir e a inventar, a desfazer por obsoleto ou injusto e a recriar para libertar-se.

A imprensa livre oferece o caminho para se pensar e repensar. O ânimo cívico e a crença democrática são elaborações para a educação cidadã que a sociedade há de assegurar sempre a partir do necessário exercício libertário.

A informação libertadora põe-se, assim, no rol dos direitos fundamentais contemplados nos sistemas constitucionais e internacionais como núcleo do movimento expansivo do ser humano em sua contingência pessoal e em sua convivência política.

O direito à informação, abrigando neste cenário o fundamento necessário da liberdade de imprensa, foi reconhecido por muitos documentos de direitos humanos. Aquele direito foi erigido à condição de direito universal, não podendo, assim, ser anulado ou dificultado por Estados que tenha acolhido os documentos internacionais de direitos nem por particulares.

A Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Conselho da Europa e da União Africana, dentre outros organismos internacionais protetivos de direitos humanos, adotaram como direito fundamental aquele referente ao direito à informação livre.

Nem é tão recente o reconhecimento do direito de acesso à informação como direito reconhecido em legislação interna de um Estado. Noticia-se a legislação sueca de 1766 como o primeiro a expressar esse direito, que se foi espraiando por outros povos. Dos quase cem Estados nacionais, que contemplam em sua legislação interna o direito ao livre acesso à informação, o Brasil traz expressamente esse direito como fundamental (inciso XXXIII do art. 5º. dentre outros da Constituição do Brasil de 1988).

E há de se reiterar que o direito à liberdade de informação não é assegurado apenas em relação ao Estado, ao qual cabe fornecer as informações quando exigidas e também produzir informações, impedindo que essa liberdade seja restringida ou dificultada por órgão público ou particular. Estende-se como direito em relação ao particular que pretenda objetar ou embaraçar, de forma direta ou indireta, a atuação da imprensa na produção e na divulgação de informações de interesse público.

A natureza de direito-dever da imprensa livre para garantir a efetividade do direito à informação de toda pessoa conduziu à sua inserção na lista dos direitos e garantias fundamentais.

Em 1946, a Organização das Nações Unidas editou a Resolução nº 59, na qual reconheceu o direito à informação como fundamental às democracias. Dois anos depois, o art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos tornou expresso que a liberdade de expressão é direito fundamental a ser garantido sem limitações territoriais, jurídicas ou políticas: “Art. 19 – Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Esse direito foi reafirmado em 1966, na XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, ao ser ajustado o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado por 160 Estados soberanos em 2007.

Conquanto não se tivessem, naqueles instrumentos, expressamente o direito à informação, adotando-se a liberdade de expressão como direito, não se manifestando sobre o acesso aos dados, o movimento expansivo dos direitos fundamentais passou a acolher esse conteúdo e a prestigiá-lo e garanti-lo.

Em 1969, reconheceu-se o direito de acesso à informação pela Organização dos Estados Americanos, ao se adotar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica).

Em 1994 sobreveio o art. 13 daquela Convenção, na qual se estatuiu que:

I – Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo.

II – Toda pessoa tem direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos.

III – As autoridades devem estar legalmente obrigadas a por à disposição dos cidadãos, de forma oportuna e equitativa, a informação gerada pelo setor público. Nenhum jornalista poderá ser obrigado a revelar suas fontes de informação.

No Brasil, a Constituição de 1988 introduziu, no inciso XIV do art. 5º o direito à informação: “XIV – É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional…”. Combinado com essa norma se tem a do art. 220, na qual se estampa que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição’[2].

Na Carta outorgada, nos sombrios tempos autoritários de 1967, se fez constar como direito expresso no parágrafo 8º do art. 150: “Art. 150 – … § 8º – É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe.”

Naquele período, como de sabença geral e tristíssima, a liberdade era retórica normativa. E perigosa! A manifestação livre do pensamento, especialmente sobre o que se passava no País, podia levar à prisão e à cassação de mandatos, entre outras providências antidemocráticas.

De se enfatizar nada alterar, na prática antidemocrática então experimentada, a inclusão formal deste reconhecimento do direito à expressão livre em texto de Carta outorgada por um regime imposto pela força, rasgando-se a Constituição anterior, que vigorara até 1º de abril de 1964.

No período, a imprensa foi calada: pela força, pela prisão de jornalistas, pela ameaça a órgãos da imprensa… Os jornais alternativos que buscaram fugir ao bloqueio da liberdade de imprensa, como “O Pasquim”, “Opinião” ou “Movimento”, tiveram seus dirigentes presos durante parte de 1969 até 1971, mantendo-se ativos os periódicos durante o tempo em que a sua popularidade garantia a venda de exemplares em números superiores ao de muitos dos jornais e revistas tradicionais juntos.[3]

Aquela dicção normativa de um direito ineficaz na prática ditatorial foi repetida no texto da Emenda Constitucional (depois mencionada com a numeração – EC nº 1) de 1969, no qual se copiou o dito normativo no parágrafo 8º do art. 153. Então, experimentou-se no País o constitucionalismo de opereta, denominado por alguns juristas como constitucionalismo formal, quer dizer, sem substrato sócio-político, sem legitimidade e sem compromisso com a efetividade do que nas normas se dispunha.

A imprensa estava garroteada pelos que se arvoraram em donos do poder, da vida e da morte, exigindo silêncio, impondo trevas e forjando desaparecimentos dos que ousassem pensar livre.

Informar livremente passou a ser considerado subversão criminalizada. Porque é certo que o pensar livre subverte. Aliás, ser livre é uma permanente subversão. Mas pensar e ser livre não é crime, é vida. A vida subverte a morte, a liberdade subverte a servidão.

Por isso, a imprensa que informa é alvo preferencial de ditadores, tiranos e corruptos. Porque descobre o que querem encoberto, esclarece o que pretendem ensombreado, escancara o que pretendem desconhecido. Informado, o povo pode indignar-se; indignado, pode reagir. Sua ação é sangria que não se estanca nem por canhões, ondas ao sabor de ventos incontidos e inquebrantáveis. E por isso também a imprensa não é instrumento de liberdade estática, mas de libertação, movimento expansivo e permanente de humanidade em transe constante pela mudança, que é da vida.

No exercício desta nova formulação da imprensa como instrumento propiciador da libertação, tem-se a expansão das liberdades individuais, sociais e políticas do ser humano, no movimento de ampliação constante dos limites de cada um, em decorrência de suas condições pessoais, familiares e sociais e mesmo no espaço político. Informação é poder e falta de informação ou informação errada é instrumento de acanhamento do poder, é devolver o cidadão desinformado à condição de servo da mentira forjada, de maneira ardilosa e dolosa, arquitetada como instrumento de diminuição ou extinção da liberdade de decidir de que cada ser humano é titular. Falta de informação ou falsa informação é instrumento de acanhamento silencioso e fraudulento da liberdade para o poder, é extração do poder do seu titular – cada cidadão – segundo falsos informes e contaminação doente do poder. A falta de informação livremente garantida conduz a um modo novo de silenciar mentes livres, de “amansar” povos livres, tornando-os rebanho do plantador de mentiras servilizantes. Já não se põem tarjas a impedir a informação; semeiam-se mentiras para confundir a leitura.

A Constituição brasileira de 1988 fez da informação direito que se exerce para conhecer o interesse particular ou coletivo, imposto aos órgãos públicos: “art. 5º. XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal…”.

Para além dessa previsão garantidora do direito fundamental à informação e exigível dos poderes públicos, a Constituição brasileira de 1988 inovou ao conceber nova garantia fundamental entregue aos brasileiros. Formulou-se, no sistema, o habeas data, conferido àqueles que queiram obter informações de seu interesse não atendível pelos órgãos de caráter público. Incluiu-se no inciso LXXII do art. 5º: “LXXII – conceder-se-á habeas-data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”.

Essa garantia respondeu à demanda social surgida e explicitada durante o período ditatorial que antecedeu a experiência constituinte de 1987-1988. Não foram poucos os que foram condenados em processos secretos, que tiveram direitos fundamentais ao seu ofício, profissão ou trabalho, à propriedade, à expressão livre, mesmo que sem consequências para a sua vida e a de seus próximos, sem sequer ter ciência das razões que teriam conduzido a tais efeitos.

A ausência de informações sobre o que constava de registros de caráter público levou jornais a serem “empastelados”, quiosques de jornais e seus proprietários a serem incendiados (física e simbolicamente), publicações a serem proibidas e seus autores a serem exilados, sem saber os motivos que teriam – sempre ilegitimamente, quaisquer fossem as alegações – levado a essas atitudes. O descalabro chegou à ausência de limites tal que um advogado ilustre foi preso e somente muito tempo depois se soube que tanto se dera por confusão entre ele e um irmão sobre o qual repousariam dúvidas sobre sua ideologia. A qual, por sinal, era carimbada como crime pelos governantes de plantão.

Informação incomoda. Educação revoluciona. Saber transforma. A imprensa informativa e educativa é sempre transformadora. Poder instalado, especialmente o ilegítimo e tirânico, é covarde. Com medo, busca a morte do opositor, o silêncio da imprensa e o fim do jogo democrático.

Esquecido o tirano que a libertação tem a força inestancável da vida. Quem morre é o homem, a humanidade persiste. Por isso, a imprensa livre prossegue a informar

IV. SOMBRAS NA DEMOCRACIA: A IMPRENSA RESISTE

Democracia sujeita-se, como todas as conquistas da vida, a brisas de renovação e a ventos de destruição. Apesar de tudo e sempre, a vida impõe-se e segue. Tirania mata, porque até a vassalagem reage e, às vezes, contesta e busca livrar-se de peias impostas.

Democracia é modelo de convivência com diferenças conciliadas na liberdade comum. Não se acaba com uma para fazer valer a de outrem. Livre é o que sabe e busca mais saber para ser mais liberto.

A democracia traz em si o paradoxo de admitir liberdades que se combinam e se descombinam até a formação do consenso, que não é unanimidade nem extermínio do diferente. É a conjugação de convergências e divergências na pluralidade que se torna unidade sem perder a diversidade. Democracia não é processo fácil. É apenas imprescindível para a preservação das liberdades.

Só consente quem é livre. O não livre pode ser alforriado, desalgemado de alguns elementos socioeconômicos, mas libertado não está nem se dá a ser. Para consentir há de se conhecer: a si mesmo, ao outro, à praça, ao fisco, à falta, à fartura, ao feito e ao por fazer.

Sem informação não se forma livremente o ser e por isso não há como prescindir dos órgãos de informação. A imprensa independente, o jornalista livre em sua investigação, em sua expressão e em sua divulgação, esses são fatores políticos imprescindíveis na construção democrática de uma sociedade livre. Responsável por saber e dar a saber o que se passa nos espaços de poder público e social, a imprensa provoca temores nos que preferem o esconderijo dos atos e dos fatos.

E vem o peso da censura. E vem o silêncio de ideias. E vem o aperto da corda. Mordaças apagando candeias. Tipografias quebradas. Sonhos de liberdade aniquilados. Se tirania for contada há de começar pela destruição da arte e da palavra que revelam a humanidade e suas desumanidades. A imprensa pede liberdade. O autoritarismo impõe servidão. Para o tirano, jornalista é perigo. Para a cidadania, é aurora a pôr luz onde ainda restam escuros.

No Brasil de tantas tristes experiências autoritárias, imprensa é necessidade primeira da cidadania em permanente construção.

Desfazendo amarras que se acumularam a afastar juízes, calar artistas, exilar poetas e fazer desaparecerem jornalistas, estudantes e pensadores, a década de oitenta do Século XX destrancou as gavetas da imprensa e a constituinte acolheu como regra intransponível a proibição da censura.

Na esteira do que as normas internacionais consagraram, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabeleceu em seu art. 13:

Art. 13 – Liberdade de Pensamento e de Expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:

o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. (…)

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.

No Brasil, a proibição da censura nasce com o Estado constitucional estabelecido pela Carta de Lei de 25 de março de 1824, observada como Constituição do Império. No inciso IV do art. 179 daquele documento se estabeleceu:

Art. 179 – A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte…

IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publica-os pela Imprensa, sem dependenciade censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela forma, que a Lei determinar.”[4]

O direito à liberdade de expressão e o exercício livre da imprensa, vedada a censura, foi conteúdo repetido no inciso IX do art. 113 da Constituição brasileira de 1934[5] e no parágrafo 5º do art. 141 da Constituição de 1946[6].

Como antes mencionado, sem se afirmar revogada esta Constituição, em 1964 sobreveio o golpe de Estado, que configura a ruptura com a estrutura de Direito vigente, solapa especialmente o sistema constitucional e impõe-se pela força. Não obstante a substituição do Direito Constitucional vigente pelos atos de força que se sucederam (Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964), enunciou-se, na ementa daquele ato substitutivo da Constituição de 1946, figurativamente, que ali se dispunha sobre a “manutenção da Constituição Federal de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas emendas… com as modificações introduzidas pelo poder constituinte originário da revolução vitoriosa…”.

Aquele enunciado revogava a Constituição de 1946. Permaneceu ela como simulacro de Constituição, conjunto de normas a dar aparência do que direito fundamental já não era. A força substituíra o Direito. A democracia fora quebrantada e o autoritarismo implantado. Demoraria mais de duas décadas para ser suplantado, restabelecendo-se o Estado de Direito.[7]

A Constituição de 1988 articulou ineditamente, no Direito brasileiro, o tema da imprensa. Dispôs em capítulo específico da “comunicação social”, estatuindo:

Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. (…)

§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.”

A liberdade de comunicação incluiu, assim, no sistema constitucional, de maneira expressa, a liberdade de informação jornalística, realizadora, por excelência, da liberdade de informação. Inclui-se, nela, a liberdade de informar e a liberdade de ser informado. O que vai além do tratamento jurídico tradicional sobre liberdade de imprensa está em que essa é mencionada como um conjunto específico de meios e modos pelos quais se desenvolve. Às vias tradicionais de veiculação de informação, em especial da imprensa, acrescentaram-se novas plataformas para difusão de notícias, informações, comentários, opiniões e todas as formas de se comunicar cada cidadão com o outro, expondo sua confissão cultural, sua produção intelectual e sua prática política.

No texto constitucional há referência a veículos ou meios de comunicação (parágrafos 5º e 6º do art. 220 da Constituição) sem explicitação de seu conteúdo. Ainda que se tivesse expressa alguma referência, não seria ela condicionadora do amplo espectro de possibilidades tecnológicas que se vão acrescentando com o desenvolvimento de novos meios de comunicação social. Como em uma norma se faz referência a veículos e meios de comunicação social e, em outra (parágrafo 6º do art. 220) a veículo impresso, há de se entender que as normas deixaram em aberto o conteúdo específico daquela liberdade de informar possibilitando o seu exercício por qualquer e por todos os instrumentos viabilizadores da informação.

À liberdade primária à informação corresponde a liberdade secundária do proprietário da empresa jornalística e do jornalista. Por isso é dever-direito desses, direito fundamental do cidadão.

Qualquer que seja a plataforma, o meio e o veículo de comunicação, há de se interpretar o sistema constitucional no sentido da vedação da censura.

De logo se há de enfatizar que a Constituição e os textos internacionais protetivos da liberdade de expressão, garantidores da divulgação e da obtenção de informação, voltam-se a assegurar a liberdade. Esse é o objeto específico do direito, núcleo definitivo de todo sistema normativo fundamental. A expressão como manifestação da liberdade é garantida porque essa é a essência da vida humana. Mas é certo que também se pode valer da expressão como fonte de abusos de uma contra outra pessoa. Como qualquer objeto legítimo, pode-se deslegitimar pelo mau uso. O dever de exercer livremente as atividades da imprensa para garantia da informação séria e responsável impõe deveres éticos, juridicamente estruturantes do agir profissional constitucionalmente tutelado, a serem cumpridos. A mentira, alteração de fatos ou do seu significado e de sua contextualização para gerar deformações e não informações descumprem o dever jurídico de informar com independência e com respeito ao direito fundamental do cidadão. Agir em detrimento dos deveres éticos, base do direito à imprensa livre, compromete a formulação dos consensos sócio-políticos e deturpa a opinião pública. A função informativa da imprensa livre é a base de sua força para ser anteparo e defesa do povo contra os excessos, abusos e desvios havidos no desempenho das funções do poder estatal e do poder social, político ou econômico.

Neste cenário de liberdade de informação assecuratória do direito democrático da cidadania é que a censura configuraria, se possível fosse permiti-la, a fragilização de todo o sistema de garantia da construção cívica da democracia política, social e econômica.

Não se admite imposição de limites censórios à atuação da imprensa para se assegurar a liberdade, nem se admitem abusos na informação ou na formulação de notícias, comentários ou opiniões destruidores ou infratores a direitos de alguém.

Por isso, na Constituição brasileira de 1988 se destacaram, no elenco dos direitos fundamentais, ao lado do direito fundamental à informação, o de se ter resposta, “proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” em caso de atuação contrária aos direitos fundamentais (inciso V do art. 5º da Constituição); a “inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” e da “intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (inciso VI do art. 5º da Constituição). Resguarda-se, constitucionalmente, com igual natureza de direito fundamental a liberdade de “expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (inciso IX do art. 5º da Constituição).

Há de se conjugar com a liberdade de imprensa, irmanadas, no sistema constitucional, a liberdade jornalística e o direito à informação.

Constituição é sistema. Assim, sua interpretação faz-se na composição que impede a fragilidade e a limitação indevida à liberdade. Essa há de ser mantida íntegra para o conjunto das pessoas. Não há cogitar de democracia sem imprensa livre, nem de liberdade de imprensa sem responsabilidade com os direitos. Por isso, a Constituição enaltece a imprensa como instituição necessária para assegurar informações que propiciem o aperfeiçoamento humano em seu andar libertador.

CONCLUSÃO

Liberdade é o ar político de que precisa o cidadão para cumprir sua vocação e buscar realizar seus talentos em conjunto com os membros da sociedade.

Ignorância não é liberdade, é carência. A autonomia da pessoa é adquirida com o conhecimento. Informa-se para se formar e não se deixar conformar. Gente quando não se forma, deforma-se. A comunicação é da vida, porque sem ela não se cogita de viver com, mas um viver sem: sem o outro, a solidão é a negação do laço de humanidade.

Informação é alimento da liberdade. Para além disso, é fator determinante ou, ao menos, facilitador da libertação no rumo que cada um escolhe para si e colabora para construir com os outros em seu espaço de experiências vitais.

A democracia é o modelo de convivência política (no caso do Estado de sistema de governo). Nela há espaço assegurado para a construção libertadora do humano em sua condição pessoal e política. Para o controle do Estado se tem a imprensa resistente; para a defesa do cidadão, se tem a imprensa independente; para a invenção do humano, em sua inteireza única, como é cada pessoa, se tem a imprensa livre.

NOTAS_______________

[1] No Brasil, data de 2011 a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527), que assegura ao cidadão a obtenção facilitada dos dados que lhe pareçam necessários por serem de seu interesse ou respeitem o interesse público.

[2] Não é de se deixar sem registro, que, buscando seja a efetividade do direito à informação sobre os direitos garantida como prestação a ser observada pelo Estado, a Constituição do Brasil de 1988 estabeleceu, no art. 64 do Ato das Disposições Transitórias: “A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição, que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas da comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil”.

Essa providência constitucionalmente determinada tem o fim específico de dotar cada brasileiro da informação de seus direitos fundamentais. Apesar de não ter sido integralmente ou sequer medianamente cumprido, mesmo passados quase trinta e quatro anos após a promulgação da Constituição, a norma tem o fim de afirmar que sem se conhecerem não se reivindicam os direitos. Por isso a determinação de torná-los conhecidos.

[3] Assim é que, por exemplo, entrevista de Leila Diniz, atriz brasileira, dada ao cartunista Jaguar e aos jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral, foi tida como o gatilho administrativo para a denominada “Lei de Imprensa”, que prevaleceria como garrote da liberdade jornalística e de imprensa até o julgamento no qual se concluiu, no Supremo Tribunal Federal, pela não recepção daquele documento (ADPF nº 130).

[4] Em suas explicações sobre esse dispositivo constitucional, Pimenta Bueno afirma que “O homem porém não vive concentrado só em seu espírito, não vive isolado… tem a viva tendência e necessidade de expressar e trocar suas ideias e opiniões com outros homens, de cultivar mútuas relações, seria mesmo impossível vedar, porque fora para isso necessário dissolver e proibir a sociedade. Esta liberdade é pois um direito natural, é uma expressão da natureza inteligente do homem. … De todos os meios de comunicação a imprensa é sem dúvida o mais amplo e poderoso, sobre-excede mesmo a gravura e a litografia. É um instrumento maravilhoso, que leva as ideias ou opiniões a todas as localidades, que as apresenta a todos os olhos, atravessa os Estados, percorre o mundo, consegue o assenso de muitos, porque comunica-se com todos, porque põe em movimento o pensar de milhões de homens. É por isso mesmo um instrumento poderoso, cujo uso e liberdade é característica dos povos e governos livres. (…) A imprensa política é a sentinela da liberdade, é um poder reformador dos abusos e defensor dos direitos individuais e coletivos. Quando bem manejadas pelo talento e pela verdade esclarece as questões, prepara a opinião, interessa a razão pública, triunfa necessariamente. É o grande teatro da discussão ilustrada, cujas representações têm mudado a face do mundo político. Encadeá-la fora entronizar o abuso e o despotismo…” (BUENO, José Antônio Pimenta. “Direito Público brasileiro e análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1978, os. 386 e 388).

[5]  “Art. 113 – (…) 9) Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido anonimato. É segurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social.”

[6] “Art. 141 – (…) § 5º – É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.”

[7] Exemplo do esboroamento democrático ocorrido em 1964 foi a mudança promovida no parágrafo 5º. do art. 141 daquela Constituição de 1946, determinado pelo art. 12 do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, segundo o qual “Art. 12 – A última alínea do § 5º do art. 141 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação: (…) ‘Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de subversão, da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe’”.