Influência do Estado na regulamentação da IA

9 de maio de 2020

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O tema da Inteligência Artificial (IA) ao longo de recentes anos vem despertando paixões e ao mesmo tempo preocupações, ou seja, o que parecia algo de cenário de ficção científica, atualmente é uma realidade que já vem acentuando debates em relação a sua utilização e regulamentação.

Por ser uma tecnologia de ponta, a IA apresenta poder de impacto em vários setores da sociedade, como saúde, indústria, serviços e até mesmo frente à administração pública. Vários são os países que já desenvolveram estratégias nacionais, tais como China, Canadá, Japão e Estados Unidos, dando a devida importância sobre a regulamentação do tema. Por sua vez, o Brasil não poderia ficar atrás do que vem acontecendo em âmbito global e, portanto, por meio do Projeto de Lei nº 5.051/2019, atualmente visa implementar uma política nacional de IA com o objetivo de abrir para a sociedade brasileira um debate em relação ao seu uso ético, considerando questões como força de trabalho, pesquisa/ desenvolvimento, aplicação nos setores públicos e privados, como também na segurança pública.

Primeiramente, parece contraditório falar em IA na administração pública, já que a mesma é sempre vista como engessamento do Estado por meio da burocracia em senso comum. No entanto, a quantidade de dados coletados atualmente pela administração pública pode ser utilizada de forma inteligente para ações governamentais em benefício da população, como no caso da saúde pública, na qual existe a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), que permite que todos os procedimentos utilizados no Sistema Único de Saúde (SUS) fiquem disponíveis na ficha médica do paciente, em um banco de dados online permanentemente atualizado. Já em relação à segurança pública, a IA atua por meio de sistemas de monitoramento automatizado e políticas de reconhecimento facial.

Visando não somente a questão do desempenho da administração pública, mas também o desenvolvimento do País por meio da iniciativa privada, o Projeto de Lei trouxe à tona quesito muito debatido entre pesquisadores e cientistas do meio, em seu art. 4º, quando descreve que “os sistemas decisórios baseados em Inteligência Artificial serão sempre auxiliares à tomada de decisão humana”. Vale dizer que o Projeto de Lei ressaltou que somente por meio da supervisão humana será possível alcançar total assertividade na aplicação de tal tecnologia, afastando da sociedade brasileira o temor da eliminação massiva de futuros empregos, questão esta que é mais nítida em países com menor índices de educação. Neste sentido, o PL também deixou claro que sendo a supervisão humana valorizada, a responsabilidade civil por danos decorrentes no uso da IA será consequentemente também da pessoa supervisora, de acordo com o art. 4º, inciso 2º.

Portanto, se por um lado o Brasil já possuía uma Estratégia Digital (E-Digital) implementada pelo Decreto nº 9.319/2018, que trouxe diretrizes de forma mais genéricas para a transformação digital do País, ligados à temas como  cibersegurança, comércio eletrônico e outros, faltava o Executivo formular uma política mais voltada para o conceito da “Informação Governamental”, que pode ser entendida como um direito fundamental, cujo exercício não está ligado apenas à promulgação de normas jurídicas, mas também ao reconhecimento ético do seu valor, por meio do debate público. Sendo assim, se fez necessário que a pesquisa e uso das aplicações de IA, conforme prevê o Projeto de Lei, enfatizassem o papel do Estado e sua possível influência em alguns fatores que serão decisivos no papel do governo e na busca por benefícios pelo desenvolvimento econômico sustentável, assim como no controle de excessos por meio desta tecnologia. Tais fatores são: capacitação, investimentos, adoção e ética.

1. Capacitação no que diz respeito a recursos humanos e infraestrutura digital, fomentando, desta maneira, a inovação e formação de mão de obra qualificada;

2. Investimentos no que diz respeito a esforços que promovam a confiança nos sistemas de IA;

3. Adoção no que se refere a plataformas que melhorem a produtividade da economia e, por fim;

4. Ética no que se refere à privacidade e padrões éticos no uso de dados.

Considerando que o fator da capacitação é essencial porque lida com a qualificação humana e mexe com investimentos, tanto da administração pública quanto da iniciativa privada, que levam a aumentos de produtividade com o uso ético da IA, em seu art. 5º, inciso 2º, o Projeto de Lei Nº 5051/2019 estabelece a criação de políticas específicas para a proteção e qualificação dos trabalhadores. O artigo mostrou a preocupação do Estado Brasileiro em saber quão suscetíveis são os empregos à informatização, ou seja, demonstrou preocupação em relação à adoção de políticas governamentais que visam a requalificação de profissionais para permanecer no mercado de trabalho em um futuro não muito distante.

Diante deste cenário, a conexão com o mundo acadêmico é de extrema importância e a implementação de uma política nacional em relação a regulamentação de IA, que parte do pressuposto de fortalecer o desenvolvimento do tema, deve ser feita com o apoio de laboratórios e centros universitários. Em países desenvolvidos, a Inteligência Artificial é um campo de produção de conhecimento e o mesmo estímulo não poderia ser diferente no Brasil, visando um ecossistema de IA que passe a formar profissionais capacitados e fomentar o empreendedorismo, promovendo a interação entre a academia, o governo e o mundo empresarial. De acordo com a mais recente pesquisa “Global Industry Vision”, feita pela empresa chinesa Huawei Technologies, estima-se que a economia global digital deverá representar um montante de US$ 23 trilhões até 2025.

Em suma, as rápidas transformações na economia e na sociedade proporcionadas pelo ambiente digital impõem novos desafios à atuação do Estado como prestador de serviços e garantidor de direitos nos seus mais variados setores. Para a utilização da Inteligência Artificial no Brasil em setores importantes, é recomendável o desenvolvimento de uma estratégia nacional de IA, com o objetivo de focar na melhoria da qualidade de vida da população e a inserção do País na economia mundial de forma competitiva.

NOTAS___________________________

1 https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8009064&ts=1582300610026&disposition=inline Acesso em 12/03/2020.

2  http://rnds.saude.gov.br Acesso em 12/03/2020.

3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Decreto/D9319.htm Acesso em 11/03/2020.

4 https://www.researchgate.net/publication/314202367 Acesso em 11/03/2020.

5 LEE, Kai-Fu. Inteligência Artificial. Como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamos, trabalhamos e vivemos. Editora Globo Livros, São Paulo, 2019.

6 https://www.mobiletime.com.br/noticias/22/02/2019/em-2025-economia-digital-valera-us-23-trilhoes-diz-huawei Acesso em 11/03/2020.