Interrogatório judicial – conceito, natureza jurídica e características

17 de maio de 2015

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INTRODUÇÃO

O presente estudo se propõe a tratar do instituto processual penal chamado de Interrogatório Judicial, desde os primórdios de sua origem, passando por sua utilização no Sistema inquisitivo, no qual havia uma concentração de todos os atos do processo (apurar, acusar, defender e julgar) nas mãos de um único órgão, momento em que era considerado meio de prova apenas; até começar a ser questionado quanto à forma que era utilizado, passando a figurar no Sistema acusatório e sendo assim considerado meio de defesa.

9A partir de feitas as considerações históricas sobre o Interrogatório, passaremos a uma análise do conceito e características do interrogatório no âmago jurídico, mencionando que o mesmo deverá ser público oral, personalíssimo e alguns casos particulares para a sua realização, como é com os surdos-mudos e estrangeiros dentre outras muitas considerações que serão feitas.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INTERROGATÓRIO

O interrogatório é o momento em que o acusado é ouvido pelo Juiz no decorrer do processo. É assim e sempre o foi, porém foi valorizado e realizado de diversas formas no decorrer de sua história, em dois sistemas, o inquisitivo e o acusatório.

No Sistema Inquisitivo, no qual havia uma concentração de todos os atos do processo (apurar, acusar, defender e julgar) nas mãos de um único órgão, o interrogatório era tratado como mais um meio de prova. A principal diferença é que no sistema inquisitivo o réu não era parte, mas sim um objeto do processo, e no sistema acusatório este passa a ser parte do processo. Vale ressaltar, que no sistema inquisitivo o interrogatório só poderia ser encarado como um meio de prova, pois o principal objetivo no Estado, nesta época, era punir o acusado, ou seja, se valer de seu jus puniendi.

Um exemplo claro que o interrogatório era tratado apenas como meio de prova se vê pela valorização da confissão, a chamada Rainha das Provas. Sempre lembrando que os meios dos quais o Estado dispunha para a obtenção desta confissão eram dos mais variados possíveis, sempre eivados de muita violência.

No decorrer do tempo e após muitos excessos praticados pelos Estados que adotavam o sistema inquisitivo, houve algumas reações por parte de diversas populações. Em consequência disto foi adotado o Sistema Acusatório, no qual ocorreu o a separação entre as funções de acusar, julgar e defender, sendo três personagens diferentes: autor, juiz e réu. No século XVIII, com o advento do princípio liberal, determinaram-se profundas modificações no processo penal. Com a prevalência da ideal liberal e individualista, nesse retorno ao sistema acusatório, o interrogatório muda de aspecto.

A partir desse momento foi possibilitado ao acusado determinar o “se” e o “como” de suas respostas. Com a “V” Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América foi criado o “privilege against self-incrimination” que representa a garantia da liberdade de consciência do réu submetido a interrogatório. Podendo este se opor ao acertamento da verdade, mediante sua recusa em responder, surge para ele um direito que visa substancialmente colocar um limite à busca da verdade.

Após toda esta evolução o interrogatório passa a ser visto como meio de prova, e principalmente, como meio de defesa do réu. O ponto máximo de sua transformação, no Brasil, foi a promulgação da lei 11.719, de junho de 2008, que alterou o artigo 400 do Código de Processo Penal, a qual determinou que o interrogatório seria o último procedimento na audiência de instrução e julgamento. Com tal medida o legislador transformou de forma evidente o interrogatório em meio de defesa para o réu, pois após observar todo o desenrolar do processo este terá melhores condições de elaborar sua defesa perante o juízo.

Mas no decorrer de toda essa evolução o interrogatório passou a apresentar algumas características próprias, que não podem faltar para sua plena realização, as quais iremos demonstrar no tópico seguinte.

Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008)

 2. O interrogatório: natureza jurídica, conceitos e caracteristicas

A natureza jurídica do interrogatório é motivo de grande divergência na doutrina, pois se discute se o mesmo é meio de prova ou meio de defesa, e ainda há uma corrente que prega que o interrogatório possui uma natureza mista, ou seja, ele seria ao mesmo tempo meio de prova e meio de defesa.

A doutrina que defende o interrogatório como meio de prova possui alguns argumentos nesse sentido, em primeiro lugar porque está este ato colocado no Código entre as provas; depois porque as perguntas podem ser feitas livremente,em terceiro porque pode atuar tanto contra o acusado, no caso de confissão, como em seu favor, e por fim, porque acreditam que o silêncio pode atuar como um ônus processual.

Já a doutrina que defende ser o interrogatório apenas meio de defesa considera que é neste ato que ocorrerá a concretização de um dos momentos do direito da ampla defesa, constitucionalmente assegurado, qual seja, o direito de autodefesa, na forma de direito de audiência, pois no interrogatório o réu tem a oportunidade de fazer alegações e citar fatos que possam exculpá-lo. Ainda há a doutrina que prescreve que o interrogatório possui natureza jurídica mista, ou seja, meio de prova e meio defesa. Com a qual nós concordamos.

Fato de ser assim não significa que o réu não possa valer-se dele para se defender. Pode, e é excelente oportunidade para fazer alegações defensivas… o objetivo do interrogatório é provar, a favor ou contra, embora dele possa aproveitar-se o acusado para defender-se ao contar a sua versão do ocorrido o réu poderá fornecer no juízo elementos de instrução probatória, funcionando o ato, assim, como meio de instrução da causa.

Todavia, essa não é a finalidade a qual se predispõe, constitucionalmente, o interrogatório, sendo a sua qualificação como meio de prova meramente eventual, insuficiente, portanto, para conferir-lhe a natureza vislumbrada pelo Código Processual Penal e também a maioria da doutrina, pois no momento em que o acusado oferece sua versão dos fatos, exercendo seu direito de defesa, ele é observado pelo juiz que pode colher outros elementos necessários para julgar sua responsabilidade e dosar a pena eventualmente aplicada.

Dessa forma o interrogatório será considerado por nós meio de prova e meio de defesa do acusado, onde este pode ser ouvido pelo juiz sobre o fato que lhe é imputado e ao mesmo tempo esse colhe dados para o seu convencimento, ou seja, o interrogatório é o momento no qual o Juiz pode estabelecer contato direto com o acusado, sabendo mais sobre a sua personalidade, a sua versão dos fatos e questionando-lhe sobre pontos obscuros.Para uma melhor colheita desses dados o interrogatório pode ocorrer em qualquer fase do processo, admitindo contraditório, sendo ato público, na maioria dos casos, oral e ato extremamente necessário, não devendo, e não podendo, ser dispensado, o que poderia prejudicar a ampla defesa do réu.

Quando mencionamos que o interrogatório pode ocorrer em qualquer fase do processo devemos lembrar que a lei processual penal assinala a oportunidade em que deverá ter lugar a sua realização. No inquérito policial, nas hipóteses de flagrante, será o ato processual de encerramento deste. Nos outros casos será feito quando o acusado se apresentar à autoridade policial, ou vier a ser preso preventivamente, antes de encerrada a fase investigatória. Em juízo, o réu será ouvido após a oitiva das testemunhas de acusação e defesa, diferente do que ocorria antes da Lei 11.719/08.

Portanto sobre o momento, o interrogatório deverá ser realizado a qualquer tempo em que o acusado se apresente, salvo em juízo. Por ser o interrogatório também peça de defesa do acusado, é de seu interesse ser ouvido, como entende o Superior Tribunal de Justiça. Outra característica é que o interrogatório é personalíssimo, ou seja, só o réu poderá ser interrogado, não se admitindo representação, substituição ou sucessão. Dessa forma não há a possibilidade do defensor do acusado maior, ou curador do menor poder ser ouvido em seu lugar. Sendo ainda ato privativo do juiz e do acusado, podendo as partes apenas o assistir. Porém, a ausência de advogado não lhe tira a validade jurídico-processual. Sua ausência vicia todos os atos antes praticados, ou seja, há uma nulidade absoluta.  No mesmo sentido pensa o Supremo Tribunal Federal.É, portanto, o interrogatório espécie sui generis de ato do processo, que se destaca dos demais por sua natureza personalíssima e por outorgar ao interrogado apenas o direito de defesa pessoal.

Devido a isso, o entendimento majoritário na doutrina é que, embora a lei processual penal desconheça o princípio da identidade física do juiz, é de suma importância que o interrogatório seja realizado pelo juiz sentenciador. Conveniente é que o juiz do feito realize a inquirição. Todavia, sempre que o brocardo ad impossibilia nemo tenetur ressumbre concretizado em determinada espécie, outra solução não será possível. Como fórmula para contornar o impasse processual, senão a da realização em caráter excepcional do interrogatório por rogatória.

A jurisprudência convergia para a possibilidade da realização do interrogatório por carta rogatória, desde que necessário e não haja prejuízo para o Réu. Porém com o advento da lei 11.900/09, as cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, de acordo com o artigo 222, parágrafo 3º e222-A do Código de Processo Penal.

Como já mencionado em linhas anteriores o interrogatório deverá ser um ato público, pois neste poderá ocorrer à confissão, portanto é inquestionável que o princípio da publicidade permita-nos concluir que essa confissão tenha sido espontânea, sem a utilização de meios ilegais e coercitivos. Outra característica que deve ser lembrada é que Interrogatório deverá ser oral. O tom de voz, os gestos e a espontaneidade do acusado ao responder às perguntas são importantes elementos de convicção do juiz a respeito do réu.

Não é essencial, entretanto, a oralidade, pois a legislação processual penal prevê como exceção, nos artigos 192e 193, regras para o interrogatório de surdo-mudo e de estrangeiro. Ao imputado surdo serão apresentadas perguntas por escrito e ele as responderá oralmente. Ao mudo, as perguntas serão feitas oralmente, e as respostas dadas por escrito. No caso de surdo-mudo as perguntas e respostas serão escritas. Entretanto, pode acontecer de além de serem portadores dessas deficiências físicas, serem também analfabetos. Nesse caso, uma pessoa habilitada servirá de intérprete, sob compromisso de seriedade e idoneidade.Caso o interrogado não falar a língua nacional, será então necessária a presença de um tradutor. Nesse ponto é bom observar que, ainda que o juiz fale a língua do acusado, não poderá interrogá-lo sem intérprete, pois o Código, no artigo193 é incisivo e induvidoso a respeito. É evidente que não propriamente pelo intérprete, mas pelo juiz, por meio de intérprete.

Já sobre a localização do agente, se esta for certa e conhecida, o seu interrogatório é da essência do processo, acarretando a nulidade deste a sua não intimação para audição. Nessa contingência é que se diz que o interrogatório é termo essencial do processo, cuja supressão injustificada acarreta a sua nulidade, de acordo com o que nos diz o artigo 564, inciso III, “e”, do Código Processual Penal.

Concluindo, o interrogatório é um ato processual estritamente necessário. A necessidade vem da importância da verificação pelo juiz da personalidade do interrogado e dos motivos e circunstâncias do crime.

Porém, apesar de o interrogatório ser ato processual obrigatório quando o acusado está presente, não é ato imprescindível, tanto que há processo contra revel.

Assim é que cabe ao réu a prescindibilidade do ato. Deverá esse suportar as conseqüências da revelia ao renunciá-lo.

CONCLUSÃO

Foi possível ao longo do estudo proposto pelo artigo acima apresentado, perceber profundamente a discussão que, ainda atualmente, dificulta uma convicção plena acerca da Natureza Jurídica do Interrogatório do réu. Isso porque ainda não é pacífico entres os doutrinadores do nosso Direito Processual Penal Brasileiro se o aludido instituto jurídico trata-se de meio de prova ou meio de defesa. Mais especificamente, existem três correntes doutrinárias nesse sentido quais sejam: definir o Interrogatório como meio de prova; definir como meio de defesa e uma terceira surgida mais recentemente, a qual define o Instituto como sendo tanto meio de prova quanto meio de defesa.

O presente trabalho defendeu a terceira tese de que o Interrogatório figura tanto quanto meio de prova do crime  como meio de defesa do réu, uma vez que a confissão ainda é considerada como a rainha das provas e justamente durante seu Interrogatório, é que o réu tem a possibilidade de confessar o delito caso o tenha cometido. Porém, é também no Interrogatório, de frente para o Juiz, que o réu tem a possibilidade de narrar o acontecido e consequentemente defender-se das acusações a ele direcionadas. Há ainda a possibilidade de manter-se em silêncio, o que não configura consentir em ser culpado do delito a ele imputado.

Portanto, o artigo acima escrito permeou pelo histórico do Interrogatório Judicial a fim de fazer entender o conceito do mesmo, bem como suas características, e também, para esclarecer o motivo o qual deu ensejo as acima mencionadas discussões sobre sua Natureza Jurídica.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS________________________________________

Código de Processo Penal Comentado (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, 9º ED. REVISTA E ATUALIZADA – 2009);

“O valor da confissão como meio de prova no processo penal” (RENÉ ARIEL DOTTI, p.234 – 236);

Morais, Paulo Heber de. Da Prova Penal. São Paulo, Copola Editora, 1944. 2º Edição.

Romeiro, Jorge Alberto. Elementos de Direito Penal e Processual Penal. São Paulo, Editora Saraiva,1978.

Tornaghi, Hélio. Curso de Processo Penal, volumes 1 e 2. São Paulo, Editora Saraiva, 1989. 6º Edição.