intervenção regulatória e federação

30 de junho de 2009

Desembargador Federal do TRF-2ª Região e Membro do Conselho Editorial

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A intervenção do Estado na economia, como um todo único e interconexo, tal como chegam a aclarar os estudiosos, é, atualmente, definida com certo grau de precisão e tomada como ponto de partida para a fisiologia da moldura estatal contemporânea. O tema ocupa o lugar central das categorias da Economia Política e pode-se, sem dúvida, afirmar que é o centro de gravidade da explicação da riqueza no Estado moderno. Reduzida ao mais consequente dos espíritos e resultante de uma magnitude sensível, a perspectiva intervencionista não tolera arbitrariedades nas formas de produção e serve como marco entre a miséria e a riqueza de um povo.
Está preparado o terreno para uma nova concepção de mundo. É uma necessidade amadurecida, como testemunha da riqueza de uma nação, mas não sem amargar um prolongado e difícil desenvolvimento, que percorre toda história humana. Ao seu próprio tempo, o peso da atividade econômica no destino de um país permitiu sistematizar todo o conjunto de conhecimentos acumulados pela humanidade, durante anos, e dar perfeita conta da necessidade de abandonar os pensamentos e opiniões, os apetites e a paixões mutáveis dos indivíduos e de examinar as causas que têm fundamentos visíveis na natureza econômica. De conformidade com cada espírito de época, brotaram correntes, variadas e muitas vezes opostas, no pensamento econômico e na Economia Política. Para se determinar o conteúdo da atividade estatal, fez-se necessário ter presente que, de acordo com o desenvolvimento da civilização e concomitantemente com a mudança das necessidades sociais, que exigem uma satisfação disseminada e adequada, coube ao Estado determinados fins, que variam no espaço e no tempo.
O pensamento da liberdade não se limitou a impulsionar a economia. Em verdade, ele realizou uma revolução em todas as esferas do conhecimento. O estudo de pensadores sobre os países e o bem-estar dos povos serviu-lhes de método de análise integral das relações sociais, e sobre essa base retiraram as devidas conclusões políticas. Importa assinalar se, realmente, dessas teorias se demonstraria certa ordem no completo caos, no espaço e no tempo, antes das medidas estatais. Foi no estudo profundo da Economia e da Política que se ofereceu novo e abundante material para o movimento intervencionista.
Por outro lado, não bastava apenas conhecer as leis gerais, esmiuçadas em análises teóricas, para compreender-se porque um regime econômico devia ser substituído por outro. De todas as relações travadas em um país, as relações econômicas ocupam o primeiro lugar. Seja porque as relações da sociedade em geral e as relações econômicas são inseparáveis e indissociáveis, seja porque, sem estudá-las, não é possível encontrar a resposta para a questão de como chegar ao optimum da ação intervencionista estatal, em prol do bem comum.
O desejo de tornar o mundo melhor exigiu a substituição de uma economia antiquada e desordenada, por uma nova ordem econômica que, por amor à verdade, resultasse no impulso científico de toda a organização. A forma arcaica e imperfeita foi oposta ao sentido de que se reconhece mais consistente e preciso para regularizar os fenômenos determinantes da economia, de modo a descortinar toda a desordem encoberta por aparências de certeza, que chegava mesmo a firmar verdadeiros paradoxos, incompatíveis com a mais idealizada economia.
A possibilidade de se estabelecer o princípio da participação coercitiva do Estado na circulação mercantil, na produção industrial, no fluxo do transporte, na condução das comunicações, na ideia de quantidade e qualidade da produção nacional fica distante do acaso e passa a estar sujeita aos influxos da ação estatal. A liberdade da empresa e a economia de mercado estariam, de forma consciente, orientadas para a correção de distorções que atentassem contra a soberania nacional, a função social da propriedade e a defesa do consumo, mediante imposições administrativas (art. 170 da Constituição da República). A ideia de um instrumento de intervenção que desnudasse qualquer visão ingênua da ordem da produção e penetrasse nos inacessíveis espaços internos da estrutura econômica e dos agentes econômicos é que conduziu à perspectiva regulatória da economia.
Os atributos da regulação e seu mecanismo de interferência junto aos agentes econômicos fazem com que ela se separe das demais formas de intervenção do Estado na economia e preserve seu caráter essencial e universal. Houve, nas intervenções estatais na economia, a redução das formas existentes a espécies próprias, que conservam seus traços e peculiaridades, essenciais para compreensão de cada uma. No quadro de existência das formas de intervenção do Estado na economia encontramos, ao lado da (i) intervenção regulatória, (ii) a intervenção concorrencial, (iii) a que traduz um monopólio do próprio Estado — as intervenções monopolistas, como é o caso da indústria nuclear no Brasil — e (iv) aquele grupo de intervenções destinado a punir abusos econômicos, praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular (art. 173, § 5º, da Constituição da República) ou na aplicação do imposto sobre propriedade urbana não-edificada ou subutilizada (art. 182, § 4º, da Constituição), que consubstancia a intervenção sancionatória.
Somente em meados do Século XX, amadureceram as premissas para o surgimento de uma concepção básica e unificada de regulação. A liberdade econômica provocou o aparecimento de economias fortes, o que levou ao surgimento daquilo que se cunhou de grandes potências, como a Inglaterra, a França, a Alemanha e, em especial, os Estados Unidos da América.
Todas as tentativas de criar uma teoria universal acabada estavam de antemão condenadas ao fracasso. Com o passar dos anos, as teorias extinguiram-se com o término das épocas que lhes deram vida, passando à história juntamente com os agentes econômicos, cujos interesses expressavam. Só as ideias que refletiam mais profundamente a realidade de cada povo, de cada país, é que permaneceram na memória do pensamento social da humanidade. E são essas que foram assimiladas pelas novas teorias, que expressam os imperativos da prática.
Os dados obtidos pela experiência dos povos confirmam e autorizam a assertiva, apoiada nos fatos mais visíveis das mais diversificadas nações, que a regulação é inerente à economia de cada país, de modo que ela não constitui uma forma de infirmá-la ou limitá-la. A regulação não é estranha a nenhuma economia livre e concretamente identificada. A palavra “intervenção” para a locução “intervenção regulatória” deve ser entendida como forma de realizar a própria economia. Em nenhum momento, a intervenção regulatória pode residir na ideia de que seria estranha ou um obstáculo ao normal funcionamento da economia, como seriam, por exemplo, o planejamento econômico ou mesmo o retorno a uma ideia de Estado-patrimonial, no qual tudo que tivesse expressão econômica seria titularizado pela própria entidade estatal, como a atividade agrícola, a pecuária, a indústria e tudo mais.
A dinâmica dos fenômenos regulatórios e o seu reflexo nos conceitos e categorias da ciência econômica exigem uma certa distinção, que a prática evidencia: o Estado moderno, que, tão cioso de tutelar os direitos fundamentais, não permite retirar conclusões ou mesmo recomendações que se adiantem à realidade econômica e ao sistema de liberdade de empreender e competir. A fase que se reputaria mais clássica do Estado volta-se ao antagonismo entre a democracia e as formas de limitação da liberdade humana. Coube ao Estado estruturar-se para avançar em direção aos mais comezinhos influxos democráticos e na formação dos ideais que cada instituição democrática pudesse gerar. Dessa forma, desdobrou-se o Estado, por meio de sua ordenação, para a realização do homem e de seus ideais. O desenrolar dessa nova modalidade de condução do Estado amputou dele a capacidade de extrair do contexto vivo e da vasta escala de fenômenos de raiz econômica a aptidão para lidar com o movimento econômico e suas exigências.
Se alguém se propuser a interpretar e estudar os mais díspares objetos econômicos, com discernimento, ficaria esmagado perante a infinita diversidade de fatos isolados e casuais que em nada ou muito pouco auxiliam a compreensão do panorama geral. A importância de descobrir, dentre todo o conjunto de relações gerais, aquelas que são essenciais e necessárias, só se faz possível por meio da análise técnica de instituições reguladoras. Quando se estuda a fundo qualquer esfera de conhecimento do mundo que nos rodeia, constata-se no seu desenvolvimento uma certa ordenação, uma sequência, uma sistematização, uma regularidade. Esse fenômeno também se apresenta no estudo do Estado moderno, que necessita de específicas instituições para que se conheça qualquer esfera da realidade, em estreita ligação objetiva com a economia. Um Estado, como um todo único, que determine e regule a tendência do desenvolvimento da economia, estaria fadado ao insucesso. Ao se decomporem, os estados formam as instituições, com autoridade e independência, que melhor conduzirão as profundas e complexas interligações que existam entre a economia e a administração pública: as entidades reguladoras independentes.
Nenhuma teoria poderia dar respostas a todas as questões e prever antecipadamente a multiplicidade de incidência da vida. Nenhuma ideia se transforma em força material, sem ser compreendida e assimilada.  Nenhuma teoria pode surgir e tornar-se realidade sem refletir o surgimento e o desenvolvimento de objetos e fenômenos. Nenhuma soma simples das partes chegará a um objeto acabado, sem as rodas e espirais de seu funcionamento. Não advirão as condições para o desenvolvimento sem a iniciativa de pessoas, sem a sua atividade, sem a sua capacidade de compreender e escolher a mais favorável a realizar.
O Estado brasileiro formou-se com abundância de tensos e complexos acontecimentos, em volume tal que põe em situação difícil qualquer historiador que intente escrever um ensaio histórico relativamente breve. A experiência deste trabalho é a exata medida dessa dificuldade. No desejo de relatar os acontecimentos, mas sem a necessária ordem cronológica de exposição, abandonamos, neste texto, a exatidão dos casos, para explanar a evolução do fenômeno que se pretende destacar.
Os melhores representantes das muitas gerações de nosso país consagraram a vida na luta pelo ideal democrático. Mas a só aparição da democracia como consenso da vontade do povo não foi suficiente.  Desde o princípio, amadurecemos a ideia de que toda premissa objetiva de democracia só merecia triunfar se ela se traduzisse em descentralização. A descentralização democrática no Brasil significa descentralização política. No vasto território da nossa República, é a Federação, historicamente, a mais basilar forma de democratização por descentralização, a descentralização política.
Toda essa questão nos leva a afirmar que a estrutura federativa é norteada pela democracia. E tal dedução prescinde de uma teoria sutil. Outra forma de assinalar esse papel desempenhado pela democracia na federação é a de que essa combinação também não existe como uma peculiaridade de nosso país. Todo governo enfrenta um dilema entre, de um lado, a necessidade de concentrar atividades e recursos na realização de objetivos considerados importantes para nação e, de outro, a necessidade de atender a interesses mais específicos, de caráter regional ou local. A compatibilidade, sempre relativa, entre essas duas funções depende, basicamente, do grau do desenvolvimento do país e do amadurecimento político do seu povo.
A experiência federativa não é tão difundida como se sabe. A coesão do povo, integrado por leis comuns a todo território nacional e por leis peculiares a certas áreas geográficas, de forma a encontrar um edifício de muitos andares, cada um com direção própria, pressupõe a presença de particularidades socioculturais e sociopolíticas que refletem o grau de consciência social e política de um povo, um povo de vida democrática. E se o número de nações determinadas pela precisa demarcação de função, forma, método e trabalho que a federação assinala é bem menor do que se poderia imaginar, em termos abstratos, é porque a vida democrática é pouco diversificada. Ao mesmo tempo, a própria formação política e a estrutura real do poder dependem da distribuição da população e dos recursos econômicos, que transformam, com frequência, as estruturas federais em estados unitários. A concentração de poderes no executivo moderno, na prática, acaba por fortalecer o caráter unitário do país. Esse é, certamente, o caso das federações existentes nas Américas abaixo do Rio Grande. Verifica-se, contudo, que a permanência do equilíbrio federal não depende apenas de equilíbrios econômicos regionais, mas também de características ligadas à formação política de cada nação.
Se o esquema de Estado federativo constituiu algo sem paralelo em nosso país, é porque as forças descentralizadoras, diferenciadas e fragmentadas de poder, existentes desde a colonização do Brasil, projetavam-se no novo país e fizeram prevalecer seus espíritos mais enraizados na história e na geografia. No imenso território do Brasil, os poderes autônomos locais se firmaram na vida política brasileira, se não pelo seu processo histórico, talvez pela sua geografia invulgar, já que, no tempo da sua independência, era o maior Estado do Ocidente. Se há uma hierarquia de conceitos e de ideias a conduzir pesquisas empíricas e teorias particulares, é de se considerar que toda ciência se assenta sempre em determinados valores fundamentais, que constituem a pedra angular de cada ramo concreto do saber.
A Federação brasileira brotou da práxis e da realidade e seguiu estritamente ligada à consciência habitual, para que o processo de autocrescimento do país se tornasse um verdadeiro enigma. As capitanias gerais, em que o Brasil foi dividido para efeitos de administração, governavam-se com ampla autonomia, correspondendo-se, cada uma delas, diretamente com a Corte de Lisboa. Um sentimento local acentuado formou-se e  fortaleceu-se, ao ponto dessas antigas capitanias se transformarem em províncias, com as mesmas divisas da Colônia. A convocação de Dom Pedro I pela Corte de Lisboa, que provocou a enérgica reação do Príncipe que optou por ficar no Brasil, foi precedida pela fragmentação da Administração do Estado do Brasil, que deveria, por meio de cada capitania, relacionar-se diretamente com Portugal. O fortalecimento político de D. Pedro I foi duramente combatido pelas Cortes de Lisboa que, em 24 de abril de 1821, declararam independentes do Rio de Janeiro os governos provinciais do Brasil, os quais ficariam sujeitos, única e imediatamente, à administração portuguesa. Essa determinação de Portugal desorganizava, por completo, a administração do país, transformando-o em um grupo de governos desvinculados da capital, de modo a enfraquecer a autoridade de D. Pedro I. Seria ele reduzido a um simples governador do Rio de Janeiro e das províncias do Sul, e não receberia das demais unidades as rendas que passariam a seguir diretamente para Lisboa. A unidade expressa na atitude do Príncipe Regente nem por isso deixou arrefecer o sentimento local das províncias e de nelas se sentir necessidade de governos subalternos, dotados de poderes suficientes para resolver os mais variados problemas locais.
A Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, declarava, em seu art. 2º, que o território do Império seria dividido em províncias, que nada mais eram do que reproduções das capitanias então existentes. As províncias foram subordinadas ao poder central, por meio do seu presidente, escolhido e nomeado pelo Imperador, pondo fim a uma liberdade que respondia às condições econômicas, sociais e políticas que era realidade desde a colonização do país. Sob as ruínas de uma relação centralizada de um Estado fadado à extinção, o Império não logrou êxito em desalojar as diferentes estruturas estamentais e sociais assentadas nas províncias. Os historiadores retratam um império unitário, mas, na verdade, a fiel reprodução da realidade administrativa da época evidencia o que se poderia chamar de um império de províncias.
O principal programa republicano era a Federação. O paradigma era o exemplo dos Estados Unidos da América. Com a ressalva de que a Constituição do Império dava caráter federativo à incorporação da Província Cisplatina (art. 2ª da Constituição imperial), o fato é que estava centralizada a administração do país, de modo que a simples nomeação de um professor de uma faculdade dependia da Corte. Uma especial referência aos municípios se faz necessária: desde os primórdios da colonização, os municípios tiveram administração própria, suprimida por ocasião do Império.
A glorificação e idealização de Federação centrípeda, na qual estados separados buscam a união e a integração, tornou-se lugar-comum do ideal federativo. A Federação é reputada perfeita se se apresentasse mediante a união de estados soberanos. São exemplos os Estados Unidos da América e a Suíça. Os esforços dos que tentam fazer da Federação brasileira um reflexo do que se passa na grande República do Norte passam por uma negação da história originária para a forma centrífuga, na qual os estados gozam de autonomia antes centralizada, e distribuída para as novas unidades internas. Esse fato contribui para a falsa ideia de que os problemas federativos encontrariam sua razão de ser na junção de estados soberanos, que se tornaram autônomos. Os problemas da Federação estão concentrados fundamentalmente na: (a) repartição de atribuições entre a União e os estados; (b) na discriminação das rendas tributárias; (c) nos conflitos entre estados ou entre eles e a União; e (d) na intervenção federal nos estados.
Países se aglutinaram e se formaram como Federações, mas nem por isso deixaram de suprimir a autonomia das divisões internas. Assim ocorreu com a extinta Iugoslávia, que se formou voluntariamente, ou também na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que reuniu, por via militar, antigas repúblicas. O argumento de que o Socialismo impediria a exata formação da estrutura federal é contraditado pelo fato de que os Países Baixos se juntaram em um só Estado, e esse acontecimento não impediu que o país fosse um Estado unitário. A Itália, de um grupo de países, firmou-se como Estado unitário, embora sob a forma regional. Por outro lado, a Bélgica, a Áustria, o Canadá, a Austrália, com suas histórias peculiares, puderam ser agrupados como o Brasil, na forma centrípoda, e mesmo assim tornaram-se modelos de federações.
Outros exemplos históricos podem ser acolhidos. A Argentina, que se formou federação, era, por ocasião da Guerra do Paraguai, uma confederação, conquanto tenha se formado a partir da unidade do Vice-Reino do Prata, que era uma unidade. Seria o exemplo de movimento centrípodo-centrípedo-centrípodo? Tanganica e Zanzibar uniram-se para formar a Tanzânia, mas o novo Estado não incorporou a ideia de Federação.
O território da Luisiana, adquirido pelos Estados Unidos da América, foi fracionado em vários estados; o Texas, por sua vez, foi separado do México e incorporado aos Estados Unidos da América, que se formou através da reunião de vários estados. Também os territórios adquiridos do México, mais a oeste dos Estados Unidos, foram divididos formalmente, como um tabuleiro de xadrez. Seriam eles mais autônomos do que as partes da Federação belga, na qual, língua, costumes e tradições pouco se misturam, ao lado da capacidade de editar leis, apenas porque é o Reino da Bélgica uma Federação centrípoda? Os departamentos bolivianos que lutam pela autonomia seriam menos federados que os estados da grande democracia do Norte, onde a crescente ampliação dos poderes implícitos federais consome as autonomias estaduais? A recente divisão política da República da África do Sul torna centrípoda a federação que um dia foi centrípeda, pela união dos estados racistas de Orange, Transvaal, Natal e Província do Cabo?
As mentes mais iluminadas da humanidade sempre compreenderam a realidade de um país segundo um quadro de ordem ideal. É reflexo dessa assertiva a insuficiência dos fatores centrípodo-centrípedos nas relações e conhecimentos das concepções federativas. Não obstante essas conclusões, o terreno para a concepção de Estado federativo é vasto. E é uma necessidade que bem expressa os imperativos da vida em sociedade enunciar as grandes questões a serem respondidas pelos estudiosos.
O conhecimento científico da Federação é inseparável da evolução histórica do regime ao qual se deve sua formação e denominação nos tempos atuais: a Federação dos Estados Unidos da América. Qualquer formação diversa daquela desenvolvida pela República norte-americana pareceria primitiva ao ideal clássico, mesmo que estejam os Estados Unidos repletos de exemplos de inexplicáveis contradições, ante aos que se viam impotentes de contemplação direta. Como se as variações, com todos os acontecimentos inspirados pelas exigências locais de territórios afeitos à vida independente, de origem variada (inglesa, nas treze colônias originais, espanhola na Flórida, francesa na Luisiana, russa no Alasca, mexicana no Texas), pudessem dar a informação exata do que é uma verdadeira federação.
É na Constituição de cada país que deságua a base para as soluções de problemas tão complexos e espinhosos. Em um Estado genuinamente federal, é necessário o equilíbrio político entre as partes, ou seja, descentralizações políticas entre os estados e entre eles e a União. O mecanismo fundamental dessa estrutura é a Constituição da República. Introduzida como mecanismo fundamental da engenharia federativa, a Constituição, na sua forma rígida, inibe a União de tolher as competências dos estados, como exigência de preservação da mais elementar concepção federativa. A Federação brasileira, em seu aperfeiçoamento, regula as relações entre as partes de sua estrutura e assegura a unidade nacional, ao fixar, rigidamente, as competências das entidades políticas que a compõem. Tendo em conta a vocação regulatória do projeto econômico do país como força motora do desenvolvimento, foram melhoradas por diversas emendas constitucionais as formas de atitudes que o Estado brasileiro haveria de tomar, diante das mudanças e dos conflitos, especialmente ligados ao afastamento da Administração Pública da atividade econômica.
Foi com a oposição à ideia de que a economia nacional seria coisa pública e que o Estado seria agente econômico que a res publica econômica deixa de existir. Procedeu-se à alienação das empresas paraestatais e ergueu-se a ideia de que o Estado passaria a ser intervencionista. A passagem do Estado-agente econômico para o Estado-intervencionista obedeceu a uma radical mudança na economia, pela venda dos ativos empresariais, que, sinteticamente, chama-se despublicatio. Porém, foi com o vocábulo “privatização” que o povo brasileiro conheceu e testemunhou a mais extraordinária mudança da economia nacional em tempos atuais.
A Constituição, escrita e rígida, é fundamental para que o projeto federativo tenha êxito no Brasil, e foi por meio da edição de emendas ao seu texto que se deu a introdução de todo o sistema interventivo regulatório. Está na Constituição a resposta aos conceitos e a generalização da intervenção regulatória. É que as partes e o todo da Federação brasileira estão vinculados à Constituição, e somente ela poderia ampliar a competência da União Federal, dos estados e municípios, na delimitação de competências normativas, que redundam na intervenção da economia e na mais exata determinação de uma estrutura federativa. Sem uma resposta constitucional, não teríamos como vincular todos os agentes econômicos às competências normativas dos entes federados, de modo a que todos, na complexidade de uma estrutura interna de instituições independentes, pudessem implementar a intervenção regulatória por autoridades independentes.
A necessária constitucionalização da intervenção regulatória e de seus órgãos em nosso país é resultante de um sistema rígido de órgãos de competência normativa, de estrutura federal. É que não socorreria aos agentes uma cláusula geral de liberdade econômica, pois ela, sabidamente, sempre foi limitada pela lei. Apesar do aparente contraste entre liberdade econômica na Constituição e possibilidade de lei para a restrição dessa liberdade, encontramos na própria Constituição da República a conciliação entre os dois temas: a ideia de que o exercício da atividade econômica é dependente de lei.
A definição confirmada de que a regulação encontra previsão constitucional para a afirmação federativa e não para criar uma nova espécie de relação entre a liberdade econômica e a lei está assentada na tendência objetiva de o Estado ter sempre criado formas de restrição da atividade econômica, sem necessidade de alteração do texto constitucional.
A formação do regime regulatório, no Brasil, na fase ascendente do ciclo privatista, a fim de assegurar o desenvolvimento coordenado do capital privado, não encontraria óbice em uma legislação ordinária. O concurso de leis para assegurar a ordem na economia do país tradicionalmente serviu, mesmo nas leis mais restritivas, ao estímulo e ao fomento da produção e do desenvolvimento. O Estado brasileiro, invariavelmente, procurou intensificar a atividade econômica, envolvida quase sempre na espontaneidade do mercado e na sua competitividade, de modo a que a regulação seria apenas uma forma de aproveitamento das potencialidades industriais, agrícolas e da movimentação comercial, de modo a assegurar um ritmo estável de aumento da produção. Ao eliminar os antagonismos que o desenvolvimento e a produção intensa provocam, a regulação econômica consubstancia uma maneira de afirmar a ordem econômica, de realizá-la, de cumprir as necessidades dos agentes econômicos, de fazer avançar a sociedade, de promover a expansão do consumo e o bem-estar geral da população. Se se propõe assegurar o bem-estar e o atendimento do consumo esperado por todos, a regulação está dando crédito a uma sociedade ordinariamente ávida por leis que a regulem e que assegurem o benefício máximo que possam obter com a ação das entidades reguladoras.
A essência da regulação constitucionalizada é a de alcançar as competências das entidades federadas. Pois a atividade das autoridades de regulação adquire particular envergadura no curso da sua atuação, de modo que a competência dos estados e municípios, Distrito Federal e da própria União Federal deixa de existir, na sua feição originária, e passa a ser mais flexível e variada, pela ação das entidades reguladoras.
A experiência de mais de uma década de regulação econômica gera, em nosso país, uma pressão crescente na competência das unidades da Federação e dos municípios. A variedade de assuntos objeto de regulação permite que as entidades reguladoras acentuem, cada vez mais, uma tendência unificadora da atividade econômica nacional, em detrimento dos entes federativos e das suas competências rigidamente estabelecidas na Constituição. A ampliação dos temas regulados propugna o afiançamento da ordenação econômica, mas desbasta a projeção das competências das entidades políticas e agride a sua penosa situação, especialmente os estados e municípios, já depauperados no exercício do pouco de competência que, de fato, podem exercer.
A experiência tem mostrado que as decisões dos Tribunais Superiores têm preterido a competência dos municípios em matéria urbanística, sob o argumento de se tratar de matéria regulada, como é o caso do uso de postes de eletricidades em áreas urbanas, ou mesmo a disciplina do gás pelos estados, por conta da edição de normas editadas pelas entidades reguladoras.
Seria ingênuo supor que a criação das entidades reguladoras não afetaria as competências dos estados e municípios. Por outro lado, a regulação, de fato, atinge e transforma todos os aspectos da vida econômica do país. A possibilidade de um caminho pacífico não deve ser considerada como algo absoluto, nem como renúncia à conquista federativa das competências. Deve-se ter presente, entretanto, que só dispondo de mecanismos constitucionais o exercício das atividades das entidades reguladoras seria possível, já que é esse o único meio de restringir, de modo dinâmico e flexível, as competências das entidades políticas de nosso país.