Investir para produzir_Entrevista com o Desembargador Newton de Lucca, do TRF-3ª Região

28 de fevereiro de 2012

Da Redação, por Giselle Souza

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Investir para produzir

O novo presidente do TRF da 3‑ Região, desembargador federal Newton De Lucca, afirmou que entre seus planos está o de aumentar o número de servidores em gabinetes. Em entrevista à Revista Justiça & Cidadania, ele também avaliou a crise no Judiciário e a morosidade processual

O Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF-3) iniciará o Ano Judiciário de 2012 sob novo comando. A presidência da corte, que atende aos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, passará a ser exercida pelo desembargador federal Newton De Lucca, eleito em dezembro último para um mandato de dois anos. Em entrevista à Revista Justiça & Cidadania, o magistrado falou sobre suas metas em relação à administração. Uma delas é dar maior atenção aos concursos de remoção e promoção, “de modo a tentar minimizar os desencantos que grassam numa das mais nobres carreiras na sociedade”.

Lucca também prentende dotar de melhor estrutura os gabinetes do Tribunal. “Os gabinetes dos desembargadores sofrem de verdadeira anorexia de pessoal em comparação com várias outras áreas”, afirmou. “Poderemos produzir mais se os desembargadores puderem contar com maior número de servidores, de modo a deixar tudo preparado para que os magistrados decidam o mais rápido possível. O ganho de eficiência poderá ser notável”, acrescentou o desembargador federal, que promete aos seus pares uma gestão “de muita boa vontade e infinita honestidade de propósitos”.

Oriundo do Quinto Constitucional da Advocacia, o novo presidente do TRF-3 é mestre, doutor, livre-docente, adjunto e titular pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde também leciona nos cursos de graduação e pós-graduação. É coordenador acadêmico e científico do mestrado europeu em Direito Empresarial da Escola Paulista de Direito, em convênio com a Universidade Lusófona de Lisboa, professor do programa de educação continuada e de especialização em Direito Gvlaw, assim como é integrante do corpo permanente da pós-graduação stricto sensu da UNINOVE. É membro da Academia Paulista de Direito, presidente da Comissão de Proteção ao Consumidor, no âmbito do comércio eletrônico do Ministério da Justiça, e vice-presidente do Instituto Latino-americano de Derecho Privado.

Na entrevista, o novo presidente do TRF-3 avaliou também a atual crise do Judiciário e os questionamentos acerca do poder de investigação do Conselho Nacional de Justiça por associações de magistrados no Supremo Tribunal Federal. O imbróglio teve início no ano passado, após a Corregedora Nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, declarar que existem “bandidos de toga” no Brasil. A afirmação gerou indignação nas entidades de classe e até no presidente do CNJ e também do STF, ministro Cezar Peluso.

“Penso que a corregedora quis apenas chamar a atenção para uma questão que é sabida e lastimavelmente existente, mas em proporções que me parecem ser absolutamente inexpressivas, conquanto mereçam punição exemplar. Os ‘oportunistas de plantão’, que grassam em nossa República, aproveitaram-se do impacto inerente à frase para semear uma enorme discussão e fomentar a discórdia. Tenho a certeza de que a ministra corregedora sabe muito bem que a magistratura deve ser entendida como a mais eminente das profissões a que o homem se pode entregar neste mundo”, afirmou.

Sobre a tarefa que o Supremo terá que desempenhar à frente – de liberar ou não o poder de investigação do CNJ –, Lucca enfatizou: “Seja ela qual for, preferível será a decisão da nossa mais alta Corte de Justiça àquela que se forja no subterrâneo de certas mídias que se distanciaram da suprema e nobre missão de informar. Em nenhuma hipótese, é preciso que se diga isto em alto e em bom som, o STF estará ‘virando as costas’ para a sociedade brasileira ou estará tomando uma decisão ‘implausível’”.

O desembargador federal também destacou sua posição quanto a questões tais, como o Quinto Constitucional, férias para magistrados, criação de novos Tribunais Regionais Federals, informatização do Poder Judiciário e reforma processual.

Analisou ainda o problema da morosidade na Justiça. Entre as razões desse mal, o novo presidente do TRF-3 destacou o emaranhado de leis existentes no país e até mesmo a falta de boa vontade do Poder Público. “Todos os levantamentos existentes revelam que a União, por intermédio de suas autarquias e empresas públicas – leia-se INSS e Caixa Econômica Federal, respectivamente –, é responsável pela imensa pletora de feitos que infestam nossos armários. Quantos processos deixarão de existir, por exemplo, se houver vontade política de fazer com que a Seguridade Social tenha efetivamente a importância que a Constituição Federal de 1988 lhe atribuiu?”, disse.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Revista Justiça & Cidadania – O senhor foi eleito presidente do Tribunal Regional Federal da 3a Região em dezembro último, para um mandato de dois anos.

Quais são os seus planos para a Corte?

Newton De Lucca – Quero tentar, em primeiro lugar, modificar o eixo axiológico sobre o qual a administração do Tribunal vem tramitando. Embora possa parecer que esteja repetindo uma verdade simplesmente elementar, o fato é que a área judiciária da nossa corte carece de atenções maiores do que as atualmente dedicadas às áreas administrativas […] Fico estarrecido, para dizer o mínimo, quando faço singelo cotejo entre o número de servidores existentes em ambas: os gabinetes dos desembargadores sofrem de verdadeira anorexia de pessoal em comparação com várias outras áreas. Como se não bastasse essa desconcertante assimetria, quadra assinalar que todos os desembargadores participantes do chamado “mutirão” foram obrigados a ceder dois de seus servidores para que determinado objetivo (conquanto louvável, diga-se…) fosse atingido. Embora generalizando, em palavras mais diretas, posso dizer que há os que se matam de trabalhar e os que “se matam de rir”… Desagrada-me ver ambas as coisas. Tal como o sonho do nosso poeta parnasiano Olavo Bilac para seus versos, gostaria de ver “um pouco de modéstia aos mais felizes” e “um pouco de bondade aos mais perversos”.

JC – O que os magistrados federais podem esperar de sua administração?

NL – Devo dizer, por enquanto, que podem esperar muita boa vontade e infinita honestidade de propósitos. Posso estar enganado em meu diagnóstico, é claro, mas por tudo o que tenho visto e ouvido ao longo desses mais de q uinze anos de Tribunal, sinto que um estado de indisfarçável tristeza parece ter tomado conta da alma de boa parte da magistratura federal brasileira. Fico profundamente abatido com isso, como não poderia deixar de ser. Pretendo lutar, o quanto puder, e isto prometo fazer desde já, mesmo antes de assumir a presidência, para alterar esse estado de coisas verdadeiramente confrangedoras e lastimáveis. Irei refletir cuidadosamente sobre o tema, e o que me ocorre dizer, no momento, é que pretendo dar maior atenção aos concursos de remoção e de promoção, de modo a tentar minimizar os desencantos que grassam numa das mais nobres carreiras existentes na sociedade.

JC – Quais seriam as razões, na sua opinião, para esse estado de descontentamento da magistratura federal no Brasil?

NL – Exige-se dela, de um lado, segundo resolução do colendo Conselho Nacional de Justiça, reguladora da matéria, que tenha conhecimentos de Filosofia do Direito, de Sociologia Judiciária, da Teoria Geral do Direito e da Política, etc. Por mais sensaborona que seja essa explicação, cumpre esclarecer que, apenas na primeira disciplina, o candidato a juiz deverá estudar o conceito de justiça; o sentido lato de justiça, como valor universal; o sentido estrito de justiça, como valor jurídico-político, além das divergências sobre o conteúdo do conceito. Deverá, ainda, aprofundar-se no conceito de Direito, no da equidade e nas relações entre o Direito e a Moral. Mas não é só. Ainda no âmbito da Filosofia do Direito, deverá saber tudo sobre a interpretação do Direito, a superação dos métodos de interpretação mediante puro raciocínio lógico-dedutivo e, ainda, o método de interpretação pela chamada lógica do razoável.

Obriga-se, também, que a magistratura conheça, no âmbito da Sociologia Judiciária, os seguintes tópicos: Introdução à sociologia da administração judiciária; Aspectos gerenciais da atividade judiciária (administração e economia); Gestão e gestão de pessoas; Relações sociais e relações jurídicas; Controle social e o Direito; Transformações sociais e Direito; Direito, Comunicação Social e opinião pública; Conflitos sociais e mecanismos de resolução; Sistemas não-judiciais de composição de litígios.

Abstenho-me de prosseguir, por razões óbvias, no macrocosmo de conhecimentos que se exige para que uma pessoa formada em Direito possa concorrer ao cargo de magistrado no Brasil. Não deixa de ser muito curioso que, de outro lado, em nome da “razoável duração do processo”, exige-se que esses mesmos juízes decidam rapidamente, pouco ou nada importando o que sairá no papel, fruto desse trabalho apoucado e maquinal. Sabe-se que a palavra de ordem é tirar o processo da mesa, pois o jurisdicionado tem direito a uma solução, sendo despicienda a consideração axiológica de ela ser justa ou injusta. Será isto razoável? Será razoável exigir-se que um magistrado conheça gestão de pessoal? Não seria preferível termos um administrador oficial da Vara para que o juiz ficasse liberado para a sua verdadeira função, que é a de julgar processos?…

JC – A maior parte dos processos em curso na Justiça Federal envolve entes públicos, que contam com prazos diferenciados. Por conta disso, é grande na população a sensação de morosidade. O que pode ser feito no âmbito administrativo e pelos próprios tribunais para acelerar o julgamento das ações?

NL – No que toca ao Tribunal, uma das providências, sem dúvida, é a inversão das prioridades a que fiz referência na primeira resposta. Poderemos produzir mais se os desembargadores puderem contar com um maior número de servidores – com disposição para trabalhar, é claro – de modo a deixar tudo preparado para que os magistrados decidam o mais rápido possível. O ganho de eficiência poderá ser notável. A segunda providência diz respeito ao aproveitamento dos avanços da informática e telemática. Há um longo caminho a ser percorrido ainda para que passemos do processo tradicionalmente papelizado e também digitalizado para o verdadeiro processo eletrônico.

JC – Que ações o senhor adotará no TRF-3 para combater a morosidade?

NL – Além daquelas que já mencionei, penso que será preciso insistir – e, para isso, a grande imprensa poderia contribuir decisivamente – na necessária mudança de mentalidade do Poder Público brasileiro, especialmente do Poder Executivo. Todos os levantamentos existentes revelam que a União, por intermédio de suas autarquias e empresas públicas – leia-se INSS e Caixa Econômica Federal, respectivamente –, é responsável pela imensa pletora de feitos que infestam nossos armários. Quantos processos deixarão de existir, por exemplo, se houver vontade política de fazer com que a Seguridade Social tenha efetivamente a importância que a Constituição Federal de 1988 lhe atribuiu?

JC – Como o senhor avalia a informatização dos tribunais nesse processo?

NL – Avalio muito mal. Há um misoneísmo no meio judicial difícil de ser totalmente removido. O excessivo apego ao suporte papel, que durou muitos séculos, constitui verdadeiro entrave ao desenvolvimento do processo eletrônico entre nós. Se analisarmos alguns casos que são levados ao Superior Tribunal de Justiça, a respeito de processos relacionados à questão informática, veremos que existem motivos para preocupação. A fim de que se tenha uma pálida ideia do quão difícil é essa passagem do meio tradicional para o processo eletrônico, basta verificar-se o seguinte precedente jurisprudencial. Trata-se do RESP 1.258.802 – MS, de que foi Relator o E. Ministro Castro Meira, no qual foi dado provimento para que o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul prosseguisse no julgamento de uma apelação que não fora por ele conhecida, pela ausência da assinatura ológrafa na mesma. Mas a apelação já havia sido recebida pelo juízo de primeiro grau, no qual o processo era inteiramente digitalizado. Como na segunda instância o processo não o era, sendo ainda “papelizado”, na reprodução dos arquivos eletrônicos para o papel é claro que a assinatura física não poderia mesmo ser reproduzida. Custa a crer, em suma, que foi preciso o STJ dizer que a apelação deveria ser conhecida.

JC – Discute-se, na Câmara dos Deputados, a reforma do Código de Processo Civil, aprovada em 2010 pelo Senado. O texto foi elaborado por uma comissão de juristas presidida pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. Como o senhor analisa a proposta no que diz respeito ao combate da morosidade?

NL – Sabe-se que a matéria é polêmica. Louvável, sem dúvida, a iniciativa de alteração da legislação processual civil, no sentido de tentar dar-se maior celeridade ao processo. Sucede, porém, que algumas alterações propostas dificilmente obterão tal desideratum, pois não vislumbro como poderão contribuir para a agilização do processo, por exemplo, a sustentação oral em agravos de instrumento e a contagem de prazos, levando-se em consideração apenas os dias úteis.

JC – O senhor é oriundo do Quinto Constitucional – instituto que magistrados de carreira querem a extinção. Como o senhor vê essa polêmica? O Quinto é necessário para o bom funcionamento do Judiciário?

NL – Confesso que esse tipo de polêmica não é daquelas que despertem em mim maiores paixões. Há tantas coisas mais importantes a serem discutidas no Brasil… Mas, respondendo a pergunta, eu diria que a representação do Quinto Constitucional, embora não seja absolutamente necessária, pode ser – e quero crer que tenha sido – muito útil. Não se trata de trazer “arejamento” às cortes de Justiça, como se costuma dizer impropriamente. Se de algum arejamento elas efetivamente precisassem, penso que seria de outro tipo de “vento”. No caso dos advogados e membros do Ministério Público, podem eles contribuir, a meu ver, com aquele “saber das experiências feito”, de que nos falava Camões.

JC – Como juiz federal, como o senhor avalia as propostas para a criação de mais tribunais regionais federais, a exemplo da Proposta de Emenda Constitucional 544/02, em tramitação na Câmara, que prevê a instalação de cortes no Paraná, Minas Gerais, Bahia e Amazonas?

NL – Posso dizer, por enquanto, que sou plenamente favorável à ideia. A questão da relação existente entre número de habitantes e juízes sempre se mostrou extremamente desfavorável ao Brasil, mesmo se a comparação ficar adstrita à América Latina. Não estou querendo dizer, com isso, que o aumento do número de juízes e de tribunais irá, por si só, resolver o problema da morosidade do nosso Poder Judiciário. Nem fiz referência a isso em minhas respostas anteriores relativas a esse problema. Mas é claro que ajudará muito. Já tive a oportunidade de dizer, em ocasiões anteriores, que não existe uma forma única para resolver o problema da demora da oferta da prestação jurisdicional no Brasil. Este tem sido, infelizmente, um grande mal de nossa República: o de acreditar que possa existir alguma fórmula mágica capaz de resolver o altíssimo grau de litigiosidade da sociedade brasileira. Não será demais lembrar, segundo dados recentes divulgados pelo CNJ, que temos quase metade da população brasileira em juízo, com cerca de cem milhões de processos tramitando na Justiça brasileira. Qual vem a ser o mal causado pela inabalável crença na tal fórmula mágica? A explicação é fácil: cria-se clima propício para o surgimento de políticos atrabiliários e embusteiros, que passam a se apresentar ao povo e à mídia como se fossem os “salvadores da pátria”. Já vimos o que aconteceu em um passado não muito distante: planos mirabolantes e inconstitucionais que acabaram por abarrotar o Judiciário com milhares e milhares de processos, tudo em função da demagogia despudorada que sempre enxovalhou, e continua a enxovalhar, o nosso Brasil.

 JC – Existem, na sua opinião, problemas na legislação brasileira que comprometem a atuação do Poder Judiciário?

NL – Sim, existem. E o problema é que, para a população brasileira, ignara da própria noção da tripartição dos poderes, a culpa por muitas coisas acaba recaindo sobre a magistratura. Contradições que ultrapassam os limites do inverossímil pululam em nossa ordenação jurídica sem que ninguém se incomode minimamente com elas. Nossa legislação infraconstitucional dá numerosos exemplos abstrusos do que se poderia chamar de isonomia à brasileira, feita muita vez “apenas para inglês ver”, como já ocorria com a chamada Lei Eusébio de Queirós, de 1850. E a culpa por um sem número de injustiças que ocorrem na sociedade brasileira é erroneamente atribuída, pelo homem do povo, ao Poder Judiciário, que nada tem a ver com as incongruências da legislação pátria.

JC – O senhor é favorável às férias de dois meses para os magistrados?

NL – Sim, sou plenamente favorável, assim como sou favorável às de três meses para os professores, como já existe, na prática. Rui Barbosa já dizia – e, muito antes dele, Aristóteles – que a isonomia consiste em tratar desigualmente coisas desiguais na exata proporção de suas desigualdades. Nunca me queixei de ter um mês de férias enquanto fui funcionário da Associação dos Bancos no Estado de São Paulo, quando fui diretor da Serasa ou quando chefiei a Consultoria Jurídica da CESP. Ser magistrado no Brasil é coisa muito diferente. “Pimenta nos olhos dos outros não arde”, como diz o velho rifão popular.

JC – Atualmente, o Brasil vivencia uma crise no Poder Judiciário, com os questionamentos acerca do poder de investigação do Conselho Nacional de Justiça, promovidos principalmente por associações de classe. O CNJ foi criado com a reforma do Poder Judiciário, justamente para fiscalizar e planejar os tribunais. Nesse sentido, qual é a sua opinião sobre a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio, às vésperas do recesso forense, para que o CNJ apure as suspeitas de irregularidades cometidas por magistrados somente após a atuação das corregedorias locais?

NL – Abstenho-me de pronunciar-me a respeito, por entender que incide no caso a disposição constante do artigo 36 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, segundo a qual é vedado ao magistrado, no inciso III, “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.

JC – O senhor acha que a Corregedora Nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, generalizou ao declarar que há “bandidos de toga”no Brasil ?

NL – Penso que a corregedora quis apenas chamar a atenção para uma questão que é sabida e lastimavelmente existente, mas em proporções que me parecem ser absolutamente inexpressivas, conquanto mereçam punição exemplar. Os “oportunistas de plantão”, que grassam em nossa República, aproveitaram-se do impacto inerente à frase para semear uma enorme discussão e fomentar a discórdia. Tenho a certeza de que a ministra corregedora sabe muito bem que a magistratura – e me permitirei invocar o mais famoso conterrâneo dela, que foi nosso grande Rui Barbosa – deve ser entendida como a mais eminente das profissões a que o homem se pode entregar neste mundo, conforme dito por ele em sua famosa Oração aos Moços.

JC – Como o senhor avalia a reação às declarações da ministra pelas associações de classe e mesmo pelo presidente do CNJ e do STF, ministro Cezar Peluso, que chegou a editar uma nota de repúdio sobre essa questão?

NL – Avalio com absoluta naturalidade e não me seduzo nem um pouco com polêmicas desse jaez. Pelo contrário, vem-me à mente aqueles inolvidáveis versos de Valéry: “Les événements m’ennuyent”, ou, em vernáculo, “Os acontecimentos me aborrecem”. Vejo a parlenda com algum desencanto, pois acho que o episódio não precisava ter tomado proporções tão grandes. Arrisco-me a dizer, então, que tudo não passou de um “lamentável mal-entendido”, lembrando a famosa expressão de Sérgio Buarque de Holanda, a propósito da nossa vida pública. Somos, na verdade, um país incrível: em menos de duas centúrias de existência, como disse o E. Professor Fábio Konder Comparato, conseguimos encenar um “liberalismo de senzala, uma república privatista, uma democracia sem povo e um constitucionalismo ornamental…”  Parece algo d’escachar, como diria o velho Conselheiro Acácio. E, quanto aos tais “bandidos de toga”, estou certo de que estão sendo devidamente punidos, ao contrário do que se propala irresponsavelmente. Tal polêmica, a meu ver, não conduz a nada de proveitoso para a sociedade e perdurará por pouco tempo. Durará o que duram “as rosas de Malherbe”, pois não se pode vestir a “Túnica de Nessus”, por causa de um simples “cochilo de Homero”.

JC – O senhor acha que a magistratura poderá sair com a pecha de corporativista perante a sociedade por causa das ações movidas pela AMB, Ajufe e Anamatra?

NL – Acho que uma eventual acusação de corporativismo seria altamente injusta, mas o risco de ela existir é claríssimo. Sabe-se muito bem o que anda fazendo certo jornalismo trapeiro, de que já nos falava Rui Barbosa. Basta lembrar, a propósito, aquela brilhante passagem do nosso grande Professor Paulo Bonavides, já em 2001: “Com efeito, trata-se aqui da mídia – esta, sim, a caixa preta da democracia, que precisa ser aberta e examinada para percebermos quantos instrumentos ocultos, sob o pálio legitimante e intangível da liberdade de expressão, lá se colocam e utilizam para degradar a vontade popular, subtrair-lhe a eficácia de seu título de soberania, coagir a sociedade e o povo, inocular venenos sutis na consciência do cidadão, construir falsas lideranças com propaganda enganosa e ambígua, reprimir e sabotar com a indiferença e o silêncio dos meios de divulgação, tornados inacessíveis, a voz dos dissidentes e seu diálogo com a sociedade, manipular, sem limites e sem escrúpulos, a informação, numa aliança com o poder que transcende as raias da ética e tolher, enfim, a criação de uma opinião pública, livre e legítima. Se o bloqueio já é perverso, executado por brasileiros, breve se fará insuportável, comandado por agentes estrangeiros da recolonização.”