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João Goulart o Presidente do povo

31 de dezembro de 2006

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No dia 6 de dezembro de 1976 faleceu no exílio, na cidade de Mercedes, Argentina, o presidente João Goulart, tendo sido enterrado em sua cidade natal, São Borja, depois de permanecer cerca de 6 horas na fronteira, ao sol na urna funerária, impedido mesmo depois de morto de entrar em sua pátria.

João Goulart, o presidente das reformas de base, foi depois do presidente Getúlio Vargas, o governante que mais defendeu os direitos e interesses dos trabalhadores, através de medidas de alto cunho social e em tentativas para implantar mudanças no setor agrário, que poderiam alavancar a reforma e que daria aos trabalhadores rurais uma solução efetiva em benefício da população mais desprotegida da nação.

Em junho de 1953, apoiado pelo presidente Getúlio Vargas, assumiu o Ministério do Trabalho e, ao propor o aumento de 100% do salário mínimo, sofreu violenta e insidiosa campanha movida pela elite conservadora compactuada com militares desavisados, arregimentados por desvairados e frustrados políticos que viviam como verdadeiras vivandeiras às portas dos quartéis e, resultando, face um manifesto de coronéis, em sua exoneração em 23 de fevereiro de 1954.

Eleito sucessivamente vice-presidente, com o presidente Juscelino Kubitschek, quando recebeu 3.591.409 votos, superando os votos do presidente JK em cerca de 500.000 votos, e com o presidente Jânio Quadros, que ao renunciar em 25 de agosto de 1961, esteve na eminência de não assumir a presidência, face à oposição golpista de 3 ministros militares, que atendiam aos interesses políticos frustrados e entidades financeiras da época.

Para assumir, teve de transigir assumindo a presidência em sistema parlamentarista de governo e somente com a realização de plebiscito foram restabelecidos os poderes presidenciais, através do voto de mais de 10 milhões de eleitores.
A ascensão de João Goulart na plenitude dos poderes presidencialistas que o plebiscito lhe assegura em 6 de janeiro de 1963 não escapa às contradições: trazia consigo o Plano Trienal, elaborado pelo ministro Celso Furtado, que a um só tempo se propunha a lograr a estabilização monetária e o desenvolvimento econômico social. Nesse período, a participação popular se fez intensa e generalizada e conseqüentemente todas as questões econômicas e sociais vieram à tona. O país debatia, reivindicava, pressionava. Todos queriam romper as barreiras, abrir espaço para os direitos inerentes à cidadania e deixar de ser meros enunciados jurídicos.

Os trabalhadores urbanos durante tanto tempo atados a uma estrutura sindical verticalizada rompem com ela e, à margem da lei, criam os pactos intersindicais, dando à luta reivindicatória uma força sem igual.

O campo, por sua vez, desperta, à margem da luta dos posseiros, que sempre eclodiram ao longo dos tempos e então, surgem naqueles anos as ligas camponesas, que reuniam trabalhadores rurais de todo o país, levantando bandeiras da reforma agrária e dos direitos sociais, com um vigor sem precedente.

Os sindicatos rurais, cuja criação foi estimulada pelo Ministério do Trabalho, organizaram-se no número de 1.200 com âmbito de jurisdição, às vezes, em vários municípios.

Os estudantes universitários, sob a liderança da UNE, e os intelectuais também, sensíveis ao estado de espírito que dominava o país, se entregavam à tarefa de estudar a realidade brasileira, numa admirável sucessão de livros sob os mais diversos enfoques, configurando a um só tempo arte e denúncia.

No âmbito político, através de uma legislação cada vez mais atenta aos interesses nacionais, o país erguia a fronte: a lei nº 4.131/62 que disciplinava o investimento de capitais estrangeiros e a remessa de lucros para o exterior, regulamentada, apesar dos protestos do embaixador Lincoln Gordon; lei nº 4.117/62, que define o Código Brasileiro de Telecomunicações; lei nº 4.118/62, que fixou a política nacional de energia nuclear, deferindo à União o monopólio na pesquisa, lavra, produção, industrialização e comércio de minerais, que apesar de sancionadas na vigência do sistema parlamentarista, refletiam de imediato nos condicionamentos do governo João Goulart.

Na mensagem ao Congresso Nacional, ao inaugurar-se na sessão legislativa de 1964, deixou escrita como lição às elites dirigentes:

“Os contrastes mais agudos que a sociedade brasileira apresenta, na fase atual do seu desenvolvimento, são de natureza estrutural e, em virtude deles, a imensa maioria da nossa população é sacrificada, quer no relativo à justa e equânime distribuição de renda nacional, quer no referente à participação na vida política do país e nas oportunidades de trabalho e educação que o desenvolvimento a todos deve e pode oferecer. Optei pelo combate aos privilégios e pela iniciativa das reformas de base, por força das quais se realizará (…) a instauração de uma convivência democrática plena e efetiva. O Brasil dos nossos dias não mais admite que se prolongue o doloroso processo de espoliação que durante mais de quatro séculos, reduziu e condenou milhões de brasileiros a condições subumanas de existência”.

Vale a pena, passados quarenta e dois anos, recordar o conjunto de providências que João Goulart propunha aos representantes do povo:

– “A ninguém é lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade.”

– “Poderão ser desapropriadas, mediante pagamento em títulos públicos de valor reajustável, na forma que a lei determinar:

a) todas as propriedades não exploradas;

b) as parcelas não exploradas de propriedade parcialmente aproveitada quando excederem a metade da área total.”

– “O preço da terra por arrendamento, aforamento, parceria ou qualquer outra forma de locação agrícola, jamais excederá o dízimo do valor das colheitas comerciais obtidas.”

A história nestes 42 anos de deposição do presidente João Goulart, já mostrou que os envolvidos principais na trama que propiciou o golpe político-militar de 1964, Carlos Lacerda, Adhemar de Barros e Magalhães Pinto com a ânsia pelo poder para galgarem a presidência da República, não titubearam em conquistar a vaidade de comando das lideranças militares da ocasião, causando a tragédia que sacrificou com prisões, torturas, exílios e mortes de milhares de patriotas, além do descalabro que propiciaram.

Os motivos evocados contra João Goulart, todos eles estão desmentidos com o teor das ações e principalmente do discurso pronunciado em 13 de março de 1964, onde o presidente afirma categoricamente:

“A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, anti-reforma, ou seja, aquela que melhor serve ao grupo que eles servem e representam. A democracia que eles querem é aquela que quer privatizar a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais; é a democracia que luta contra governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício. Democracia é o que meu governo vem procurando realizar pelos caminhos da legalidade, pelos caminhos do entendimento e da paz social. Perdem o seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais. De minha parte, à frente do poder executivo, tudo continuarei fazendo para que o processo democrático siga um caminho pacífico. Vamos continuar lutando pela construção de novas usinas, pela abertura de novas estradas, pela implementação de mais fábricas, por novas escolas, por mais hospitais para o nosso povo sofredor; o caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos. Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da supra com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior da nossa pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos. Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido. Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado, mas é o primeiro passo: uma porta se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.

O que se pretende com o decreto que considera de interesse social, para efeito de desapropriação, as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável. Não é justo que um benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses de especuladores de terra, que se apoderam das margens de estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiros do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de sua propriedade, mas sim o povo.

A reforma agrária é também uma imposição progressiva do mercado interno, que necessita aumentar sua produção para sobreviver.

Com o alto testemunho da nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, reafirmo seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.”

Não é sem sentido, que na lápide que encima o túmulo do grande líder, no cemitério de São Borja, escrito em letras de bronze, está inscrito como uma legenda que ressoa como um julgamento da História:

“JOÃO GOULART – PRESIDENTE DO POVO.”

*PS: Este editorial – refletindo a distância que nos mantém à margem de qualquer conotação político- partidária – é uma homenagem que resgata um fato histórico. E, para nós, a História só tem compromisso com a Verdade.