Judiciário e Legislativo “Relação ampla, próxima e respeitosa”

5 de abril de 2021

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Entrevista com o Presidente da Câmara, Deputado Arthur Lira

O 55º presidente da Câmara dos Deputados, Arthur César Pereira de Lira, 51 anos, é alagoano de Maceió, advogado, agropecuarista e empresário. Filiado ao partido Progressistas desde 2009, hoje é considerado o principal líder do Centrão, bloco parlamentar que tem sido o fiel da balança nos grandes temas do Congresso Nacional.

Nessa entrevista exclusiva ­ concedida ao Editor-Executivo Tiago Salles e ao presidente do Conselho Editorial da Revista JC, Ministro Luis Felipe Salomão (STJ e TSE) o Presidente Lira fala sobre enfrentamento à pandemia, reformas constitucionais, pautas de interesse da magistratura no Congresso Nacional e tensões entre os Poderes da República: “Não vejo nenhum risco de quebra da institucionalidade. Nossa democracia é jovem, mas as instituições funcionam na sua plenitude”.

Tiago Salles – Presidente, agradecemos por seu tempo, principalmente no momento em que vivemos, com a pandemia e outras questões. É uma honra para a Revista. Agradeço ainda ao Ministro Luis Felipe Salomão, presidente do nosso Conselho Editorial, que também nos honra com sua presença. Como o senhor vê a relação entre os Poderes e o papel do Judiciário no atual contexto?
Presidente Arthur Lira – Agradeço o convite. A relação entre os Poderes no Brasil deve ser de muita independência e altivez, mas com absoluta harmonia. Os Poderes precisam uns dos outros para funcionarem tranquilamente. Costumo dizer, na linguagem do Nordeste, que é cada um no seu quadrado. Sabemos da importância para o sistema legal brasileiro de um Judiciário forte, altivo, com a participação próxima da sociedade, é claro, mas em que a letra fria da lei seja observada e obedecida com a maior imparcialidade possível. O Legislativo é um parceiro, dentre os três Poderes da União, que muitas vezes se eximiu de legislar e deu oportunidades para o Judiciário ocupar esse espaço. O que estamos pedindo nessa nova gestão da Câmara e do Congresso é que essa oportunidade seja revista, porque o Congresso está mais ciente, está mais atencioso. É lógico, com toda a harmonia necessária entre Judiciário, Legislativo e Executivo, mas a parceria entre a confecção das leis e a execução das leis deve ser mais próxima, deve ser harmônica, com cada um desempenhando seu papel constitucional. O Judiciário está mais atento a isso ultimamente e o Legislativo também. Essa atenção de ambos os poderes vai fazer bem à democracia.

Ministro Luis Felipe Salomão – Presidente, é uma honra recebê-lo nesse momento em que estamos passando por inúmeras mudanças. Hoje é importante contar com sua presidência, um homem que conhece o parlamento, que tem liderança muito expressiva na Casa, que é um ponto de equilíbrio para a República. Agradeço muito sua disposição de falar com a classe jurídica e com a magistratura em especial. Pretendemos tratar alguns temas, mas nesse início de entrevista gostaria de perguntar sobre a comissão que integro na Câmara, presidida pelo Ministro Gilmar Mendes (STF), que trata da elaboração de eventual projeto de Código de Processo Constitucional. Presido a discussão sobre a declaração de inconstitucionalidade e vejo que o trabalho caminha velozmente. Como o senhor vê essa iniciativa e como a Casa recebe um projeto de lei para tratar do Processo Constitucional no Brasil?
AL – Essa comissão foi criada ainda na gestão passada. Considera muito importante que se reduzam as legislações esparsas com uma sistematização mais correta e mais ampla. Estamos proporcionando isso internamente na Casa com um grupo de trabalho relacionado ao Código de Processo Eleitoral. Esse grupo que sistematizará o Código de Processo Constitucional também tem uma responsabilidade muito grande. Apoiamos porque consideramos importantíssimo o trabalho desempenhado. Há ali representantes de diversos Poderes, ministros do STF, do STJ e de outros tribunais superiores, e advogados constitucionalistas. Essa sistematização, para tornar mais previsível e de fácil compreensão o Processo Constitucional é e será prestigiada pelo Congresso. Sua presença, Ministro Salomão, e a do Ministro Gilmar Mendes dão a essa comissão uma condução de homens que trabalham pela manutenção das garantias constitucionais no Brasil. Não tenho dúvidas de que esse trabalho será reconhecido e votado com extrema primazia tão logo seja terminado pela comissão.

LFS – A Casa recebe bem a ideia de um Código de Processo Constitucional?
AL – A Casa ferve sempre, nunca conseguimos ter uma posição única, mas esse grupo foi criado em boa hora. O interesse objetivo é muito bem visto. Vamos esperar o resultado, não espero outro que não seja um belíssimo trabalho, para que possamos ter essa sistematização e essa unificação de maneira mais producente para a população, que é quem se utiliza dela, e também para o Judiciário e o Legislativo – porque, afinal de contas, ali será terminada a confecção do Processo Constitucional. É muito importante que isso tenha acontecido e nós temos a obrigação de dar apoio para que a comissão tenha todas as condições, por parte do legislativo, para confeccionar seu trabalho e ter andamento.

LFS – Pelo que percebo, é claro que depois o parlamento vai trilhar o caminho que considerar melhor para o processo legislativo, mas vejo que há um indicativo de qual resultado será apresentado. Ou vai surgir uma minuta de código único ou legislações esparsas que cuidam do Processo Constitucional. Quero aproveitar para emendar outra pergunta, sobre a reforma política, e como se insere nela a magistratura eleitoral. Há alguma ideia de mudança de processo político? Como está nisso a Justiça Eleitoral? Como o senhor vê a questão do voto distrital e do voto distrital misto? Há espaço para tratar disso nesse momento pela Câmara?
AL – Andei por todo o Brasil no período eleitoral, nos 26 estados e no Distrito Federal. Conversei com todos os deputados que na oportunidade da visita estavam presentes. Há realmente uma preocupação séria com relação ao modelo eleitoral de 2022. Algumas formas estão bem sedimentadas. É difícil retornar às coligações, é impossível mexer na cláusula de barreira, mas há uma discussão interna entre o modelo do “distritão”, o modelo do distrital e o modelo atual. Algumas alterações devem acontecer. Não sei ainda e é muito cedo para prever o caminho que o Congresso irá discutir, até porque é bicameral. O que interessa às vezes à Câmara não interessa ao Senado e vice-versa. O mínimo que nós temos que fazer para ajustar mais ainda essa legislação eleitoral, no sentido das eleições, é para que o pluripartidarismo seja diminuído, para que nós de uma vez por todas consigamos enxugar os partidos que são usados como siglas de aluguel, para que a população tenha a oportunidade de escolher entre as tendências desse ou daquele partido de maneira mais clara, mais objetiva, sobre as pautas que ele defende. É uma visão mais ampla. Teremos uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que será apresentada e admitida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A partir daí será criada uma comissão especial, rapidamente, para que tenhamos tempo até outubro de discutir se vai ter mudanças ou não e em que parâmetros.

Outra ação que está caminhando no Legislativo é um grupo de trabalho criado por nós, no qual estão presentes deputados e deputadas que estão trabalhando para a sistematização do Código de Processo Eleitoral, para que o TRE de Alagoas não julgue de uma maneira, o TRE da Bahia de outra, o TRE do Maranhão de outra e o TRE do Rio Grande do Sul de outra. Para que tenhamos um mínimo de previsibilidade de como vão acontecer e quais serão as punições para quem não obedecer o regramento aprovado. Como nesse grupo que foi formado com muita competência para a sistematização do Código de Processo da Constituição, o Código Eleitoral é outro caminho em que nós estamos trabalhando com muito cuidado, sem muito barulho, sem propaganda, ouvindo os integrantes do TSE, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos TRFs e advogados, porque são eles que fazem o quórum do TSE, que é ao final onde as dúvidas se dirimem. É importante facilitar para que a legislação não atrapalhe a boa política e a boa política não seja pega de surpresa por interpretações que, muitas vezes, não são únicas a respeito do mesmo assunto. Cansamos de ver decisões sobre assuntos idênticos de maneiras diversas, até no mesmo tribunal. Essa regulamentação penso que também vem nesse processo, em um ano de afirmação de mais liberdade de expressão e também de um corporativo legislativo e judiciário competentes, para que possamos chegar ao final desse ano com isso arrumado, tanto a nova legislação eleitoral quanto a sistematização do Código de Processo Constitucional.

TS – Aproveitando o tema das eleições, uma pergunta sobre urna eletrônica. O senhor acha factível a possibilidade do retorno do voto impresso ou, em outra direção, a possibilidade do voto por outros meios eletrônicos, como os smartphones?
AL – Não acho que o Brasil esteja preparado para votar de maneira tão democrática quanto pelo telefone. Sem querer fazer juízo de valor, sentimos muito pelo ocorrido, mas tínhamos um senador internado em uma UTI, entubado, e apresentaram suas emendas no sistema eletrônico, no qual há uma senha no smartphone que faz isso. O Brasil ainda precisa amadurecer um pouco mais sua democracia para tanto. Confio nas urnas eletrônicas. Participei de oito eleições na minha vida, duas de maneira manual e seis nas quais o sistema que imperou foi o das urnas eletrônicas. Não vou dizer que nada no mundo é perfeito, mas é um sistema que não levantou muitas dúvidas quanto ao seu funcionamento. A única coisa que nós perguntamos, já que tem tanto questionamento sobre uma coisa que a Justiça, tenho certeza, e a maioria do povo brasileiro acha que não tem, não tem porque se ignorar a possibilidade de fazer um teste. Isso pode ser feito em um projeto piloto. Cobra-se muito que o projeto de voto impresso aconteça de novo na Câmara dos Deputados. Já aprovamos uma PEC com relação a isso, que encontra-se no Senado há alguns anos e do Senado nunca saiu. Esse assunto volta de novo à Câmara e se voltar e tiver maioria no plenário para decidir e essa maioria se decida, pelo bom senso, que se exija um percentual mínimo de contraprova para que não tragamos para o processo eleitoral a insegurança jurídica, porque todo mundo esta questionando por qualquer assunto. Se fixar um percentual de 5% a 10% de urnas auditáveis, como já existe algumas no Brasil, não vejo prejuízo nenhum. Onde não temo, não me preocupo se vou ser testado. Ao inocente e à boa prática nas ações, esse tabu tem que ser quebrado. A pior coisa que acontece no Legislativo brasileiro é quando a gente vive na expectativa das versões. A versão de determinado assunto no plenário daquela Casa é tão temerária quanto um assunto da pior natureza que possa ser aprovado. Temos que afastar as versões. Se não há o que temer, vamos afastar qualquer dúvida sobre esse assunto, de maneira racional.

LFS – É bom para todo mundo que seja auditado, porque representa segurança para todos, independente de quem participa do processo. É também segurança para o próprio Judiciário.
AL – Afinal de contas, ministro, não é da vontade de ninguém que se tenha um sistema falho. Não é da vontade do Judiciário, nem de quem se candidata e coloca seu nome ao crivo da população. Nós precisamos e temos um sistema que merece ser tratado da maneira certa. Se há dúvidas, vamos resolver, se não há, vamos esclarecer. É simples. Até hoje não foi trazido, mas imagine se chegar um dia algum problema em que se confirme algum tipo de impropriedade? Esse assunto vai causar um burburinho muito grande. Para isso é importante – onde não há dúvidas, esclarecido está – que se facilite de todas as maneiras o esclarecimento.

Tiago Salles – Os magistrados têm acompanhado com atenção algumas PECs, como a PEC emergencial (186/2019) e a PEC da regra de ouro (438/2018), em que percebem pontos prejudiciais à própria magistratura. A PEC Emergencial prevê a redução para 30 dias do período de férias do magistrado e do membro do Ministério Público. Já a PEC da regra de ouro estabelece medidas emergenciais para corte de despesas, como proibição de reajustes ao funcionalismo, redução de jornada e salários dos servidores. O que o senhor pensa a respeito dessas propostas?
AL – Na realidade, as PECs têm na Câmara e no Senado um crivo muito alto para sua aprovação. Portanto, elas têm que ser tratadas com muita propriedade. A PEC Emergencial, que veio com algumas ferramentas de controle por parte do Poder Executivo para evitar o engargalamento ou os sobressaltos da administração, ela tem a sua importância. Nós temos que nos empenhar para dar previsibilidade orçamentária e diminuir, tanto quanto possível, sem ferir nenhum direito adquirido de nenhum brasileiro, as despesas com o serviço público. Nós estamos com um orçamento hoje, é fato, com 96% de despesas obrigatórias, de um orçamento de R$ 3 trilhões ou mais, o Governo Federal tem hoje menos de R$ 60 bilhões de despesas discricionárias, ou seja, para investimentos. Então, nós temos que cumprir nosso papel.

Com relação ao mérito das PECs, como eu disse, elas têm um quórum qualificado. Na câmara, para qualquer alteração dessas, são necessários 308 votos. Não é fácil conseguir construir a aprovação de uma PEC em dois turnos se o tema não estiver amadurecido no plenário e na sociedade. Mas se estiver, ela será discutida, avaliada, analisada e votada. Os efeitos que advém de uma votação dessa são de mudança constitucional. É importante que essa questão das férias, seja para a magistratura, seja para o Legislativo ou para o Executivo, na minha visão elas precisam ter uma adequação mais próxima do brasileiro comum e da sociedade civil, de quem vive no mundo privado e como detém suas férias. Porque, além de tudo, esse momento da pandemia nos ensinou uma coisa muito séria. Na hora de uma crise mais grave como essa, sempre a ponta que mais sofre é a ponta do privado, daquele informal, daquele que não tem estabilidade de ação prevista na sua vida. Quer queira quer não, o funcionário público, seja ele da classe política, do Legislativo, do Judiciário ou da magistratura, ao final do mês, com ou sem pandemia, ele tem o seu salário preservado por direito adquirido constitucional. Precisamos ter sensibilidade nesses temas. Não é uma opinião minha, a opinião será da Casa, de maneira oportuna quando essas matérias chegarem. Uma máxima da minha campanha é que em nenhum assunto, independente de qualquer tema, a Casa se privará de discutir. Temos 513 deputados que representam o pensamento de direita, de centro e de esquerda, de minorias e de maiorias eventuais. Ao deputado a voz e a oportunidade de trazer sua bandeira de luta e que a discussão seja feita no plenário. Muitos temas polêmicos vão vir ao plenário Câmara, mas nem todos serão aprovados, muitos serão rejeitados. É do processo democrático. Essas PECs terão máxima discussão, com transparência absoluta, tempo de discussão para que ao final, se acontecer de serem aprovadas, que o sejam com a maior poder de convergência possível.

LFS – Como ficou o orçamento em relação ao Poder Judiciário?
AL – A cada ano temos mais dificuldades de mexer no orçamento da União com menores possibilidades de gravames. É por isso que a classe política hoje, seguindo a sociedade, se conscientiza de que nós temos que ter um rumo para o Brasil nos próximos anos que nos permita aportar medidas de crescimento e de investimento para que a economia cresça e suporte. Temos um problema sério hoje que se chama teto de gastos, um problema que não é mundial, os países desenvolvidos não têm essa ferramenta, mas o Brasil com uma economia instável, uma economia posta à prova todos os dias, sujeita às mais inóspitas variações… Nosso dólar parece um exame de ecocardiograma, oscila todo dia, vai a R$ 6, vem a R$ 5. É a absoluta especulação. Se o mercado sonhar que o presidente da Câmara vai gripar e que vai acontecer um desastre na semana que vem, porque quem assumir vai fazer algum impropério… Não pode ser assim, mas durante algum tempo vamos ter que nos sujeitar a esse teto de gastos. Cada vez o piso sobe mais e o teto desce mais, nossa margem está muito pequena. Esse ano os orçamentos ainda foram preservados nos seus serviços essenciais, sem muitos sobressaltos, mas precisamos votar matérias que destravem o crescimento e ofereçam ao Brasil a oportunidade de ter investimento interno e externo, para que tenhamos cada vez mais recursos financeiros, o que não é o caso, mas diminuirmos nossas previsões de despesas para frente, para que essa folga entre piso e teto possa ficar mais elástica, como será, não tenho dúvidas, no ano de 2022, com o incremento de mais de R$ 80 bilhões no teto. Mas temos que cumprir o nosso dever de casa. Tenho certeza de que tanto o Legislativo quanto o Judiciário estão atentos às demandas que o Executivo tem que gerir nesse mister.

LFS – Sobre a questão da reforma administrativa, nós queremos, é claro, um Estado que funcione de maneira eficiente. Vemos algumas iniciativas por parte do Executivo e do próprio Legislativo fazendo uma proposta de reforma administrativa, algumas privatizações, desestatizações, o lançamento de uma Medida Provisória que busca melhorar o ambiente de negócios no Brasil para melhorar nossa posição nos marcadores econômicos, como o ranking Doing Business do Banco Mundial. Tudo isso é muito louvável. Mas sobre o papel do parlamento, o que é prioritário nessa reforma administrativa em termos de privatizações e melhoria do ambiente de negócios?
AL – Na minha visão, muito própria – porque a partir do momento em que a gente se elege presidente da Câmara deixa de votar, salvo em raras exceções, como nas propostas de emenda à Constituição – nas privatizações, por exemplo, temos que observar o binômio necessidade x melhor oportunidade. Não adianta privatizar por privatizar, para jogar fora um patrimônio público. Um tema que vai ser bastante discutido na casa, ministro, vai ser o da Eletrobras. O governo tinha uma visão mais radical de privatização, que agora é de capitalização, há várias visões dentro da Casa do que possamos fazer para que essa privatização tenha regras claras, depois de um acompanhamento pelas agências nacionais de regulação – que às vezes falham, como falhou naquela questão lá do Amapá – e que nós fortalecêssemos esse sistema de vigilância. Outro ponto é que nós temos que fazer, se for o caso, se houver maioria, a privatização da melhor maneira possível para os brasileiros e para o Poder Público. Uma situação como a da Eletrobras, que claramente hoje não tem dinheiro para investir e que por mais que o governo invista, daqui a dez anos, ela vai valer 10% do que vale hoje, tem alguma coisa de errado. Ou o governo muda a concepção de investimento ou tem que fazer o melhor negócio possível.

Com relação à reforma administrativa, ela embrionariamente está na CCJ. A proposta do Poder Executivo somente para o Poder Executivo tem efeito. O Poder Legislativo está a uma semana de poder enviar também a sua proposta a nível de Legislativo federal, estou falando pela Câmara dos Deputados, mas garantindo todos os preceitos constitucionais básicos. Não fere direito adquirido, não retroage para prejudicar, guarda sempre os conceitos constitucionais daquele momento e daquela fase em que aquele cidadão prestou um concurso. Estamos discutindo isso, ela está na CCJ da Câmara. Penso que já ter um relator escolhido, o Deputado Darci de Mattos (PSD-SC) que vai fazer a discussão da admissibilidade. Daí vamos criar uma comissão especial e tudo o que está escrito lá poderá parecer nada de um dia para outro, pode mudar completamente. A comissão especial tem esse condão de fazer com que o texto aprovado e admitido na CCJ possa ser totalmente modificado. Costumo dizer que não devemos nos preocupar como chega um projeto ou PEC no Legislativo, mas como vai sair. Pode sair muito melhor ou muito pior. Isso vai ao encontro de toda a dinâmica do Legislativo. Mas tenha senhor ministro e todos os senhores o compromisso de que esse presidente vai dar todo o espaço para que qualquer matéria que tenha demanda social, política, administrativa ou fiscal tenha o máximo debate, para que todos tenha a oportunidade de se colocar. Como foi feito na reforma previdenciária, que era um tema tóxico para a classe política, a administrativa não será fácil, mas se ela estiver amadurecida na sociedade, principalmente na sociedade civil, que demanda muito de nós todos enquanto Poder Judiciário e Poder Legislativo, dificilmente ela será barrada ou freada, ela vai caminhar para frente. Cabe a nós a responsabilidade de ajustar os temas que, por enquanto, ainda estejam à margem do Processo Constitucional.

TS – Presidente, hoje a sociedade percebe que hoje o ambiente político está bem tensionado, o que envolve até conflitos entre os Poderes. Na semana passada o senhor afirmou que acendeu uma luz amarela no Congresso. O senhor enxerga algum risco de quebra da normalidade democrática no Brasil? O que o senhor tem feito para buscar que não acenda uma luz vermelha?
AL – Não vejo risco nenhum de quebra da institucionalidade. Nossa democracia é jovem, mas as instituições funcionam na sua plenitude, com erros e acertos. Já tivemos momentos mais calmos e momentos mais difíceis. Hoje o momento entre os Poderes está mais tranquilo e mais harmônico. Um elemento de um ou outro Poder não pode fazer com que essa média seja arranhada. Nossa fala na semana passada foi para alertar que somos todos de carne e osso, não somos robôs, não temos metodologias sem nenhum tipo de modificação de humor. Se um deputado ou senador vai para o seu estado e o recrudescimento da pandemia vai afetando a vida de todos nós, temos todos que trabalhar no mesmo sentido. Foi isso o que eu quis dizer, o Poder Executivo nas três esferas, o Congresso, as Assembleias e o Poder Judiciário, todos têm que trabalhar no sentido de enfrentar nosso inimigo comum que é o vírus. No futuro, daqui a três ou quatro meses, se Deus quiser, aí se for o caso se instala CPI, CPO ou CPU para ir atrás de erros que possam ter acontecido, porque eles estão lá. O fato de sermos demandados para abrir uma CPI em um momento desses não contribui com absolutamente nada na resolutividade dos problemas. Temos que resolver vacinas, insumos, leitos. O Congresso tem feito junto com o Executivo e o Judiciário acordos para que isso ande com a máxima brevidade. Não podemos tratar roboticamente das reformas, por mais que tenhamos, ao longo dos últimos dois meses, votado a autonomia do Banco Central, a PEC Emergencial, o pacto federativo, a lei do gás e resolvido os vetos do saneamento. Do ponto de vista econômico, as coisas estão andando muito. Mas e o social e o humanitário? As pessoas é que fazem o nosso País. O deputado vai toda semana para o seu estado e volta mais ou menos animado. De acordo com o humor dele nós poderemos votar ou não. Demos então um tempo, nas próximas duas semanas, para que todos os Poderes foquem exclusivamente na gestão momentânea de um período crítico, enquanto as vacinas não fizerem efeito no Brasil. Foi essa a nossa intenção, não há risco nenhum de nenhuma ruptura política, porque sabemos o que isso representa para o País, para a economia, para a sociedade e para todos os problemas que já vivemos nesse momento de pandemia.

LFS – Presidente, nós normalmente falamos apenas sobre temas jurídicos, é uma das poucas vezes em que, para engrandecimento da Revista, temos a honra de conversar com um líder político expressivo como o senhor, Presidente da Câmara em um momento decisivo para nossa caminhada rumo a uma economia pujante e a um País verdadeiramente grande no cenário internacional. É o que esperamos que aconteça conosco e o senhor tem um papel fundamental nisso. Para encerrar, da minha parte, quero lhe perguntar sobre um tema que tenho acompanhado e batido um pouco, mesmo que cause certa surpresa, que é a questão da quarentena para o magistrado exercer cargos políticos ou outros cargos fora da sua atuação no âmbito do Poder Judiciário. Acompanhei julgando no TSE a cassação da Senadora Selma Arruda (PODE-MS) e agora recentemente tivemos o episódio da suspeição do Juiz Sérgio Moro. Vejo como nocivo para a magistratura, já adianto minha posição, vejo como uma coisa ruim pendurar a toga em um dia e no dia seguinte pedir votos para um cargo público ou para ir atuar no Executivo em outra função. O que o senhor acha dessa quarentena? Isso se discute no parlamento? Acho que é um resguardo para a própria magistratura essa restrição à nossa função.
AL – Não tenho absolutamente nenhuma dúvida disso, ministro. Com essas duas frentes de trabalho na Câmara dos Deputados, não posso absolutamente me atrever a falar pelo Senado, mas temos um grupo de trabalho que trata da sistematização do Código de Processo Eleitoral e vamos ter uma comissão especial tratando das regras eleitorais, mudanças de sistema e coisas do gênero, que podem ser mais amplas ou mais diminutas. O senhor tem absoluta razão. Tivemos em 2018 um ano em que não só a magistratura, mas também as forças policiais, envolvidas no acirrado combate a uma suposta corrupção acima de tudo e de todos. Volto a frisar que muitas ações foram e são louváveis no sentido do combate à corrupção, que tem que ser duro e firme, mas sem direcionamento, sem perseguições políticas, sem endereço certo, sem alvo a ser investigado. Quando o magistrado, o promotor, o procurador ou o coronel tem metas políticas, é lógico que ficará mais suscetível a cometer abusos, para se sobressair na imprensa ao cumprir o que era uma obrigação institucional. O Poder Judiciário, nosso porto seguro na resolutividade dos problemas que possam existir em todas as áreas do Direito, fica realmente fragilizado. O magistrado raiz, por convicção, ou o membro do Ministério Público que faz da sua atividade uma proteção, é o advogado da sociedade, não pode ser confundido com aquele que quer um degrau para alcançar um objetivo maior. Penso de maneira bem tranquila que uma quarentena seria importantíssima, imprescindível, para aquele que pensa em fazer da sua atividade um trampolim para a atividade política. Não é fácil o lado de cá, não é fácil o tempo todo ter que prestar contas da sua vida, o que você faz, por onde anda, com quem conversa e o que conversou e o que vai conversar na semana que vem. Quando se sai de pedra para vidraça, temos muitos exemplos claros de que a vidraça fica com a pele mais fina do que a de quem tanto combatia. Nessas hipóteses é absolutamente louvável que o Congresso tenha coragem de discutir, sem nenhum tipo de perseguição. Porque se for feita uma pesquisa dentro da magistratura e do Ministério Público teremos uma esmagadora maioria no sentido de que tenhamos uma legislação com previsibilidade, para dizer assim: “Olha, se você quer entrar para a vida pública, tudo bem. Fique três ou quatro anos fazendo outra atividade, para poder ingressar e não ter nenhum fruto de ações que eram meramente jurisdicionais e se transformar em um político, muitas vezes sem nenhum conceito de bandeira para defender, a não ser o do oportunismo e da força da caneta que exercia em determinado momento”.

TS – Presidente, como está a pressão dos parlamentares para colocar em votação o projeto da prisão em segunda instância?
AL – Há uma comissão criada. Houve uma modificação porque, se não me engano, o presidente dela era o Deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que foi eleito vice-presidente da Casa, e por isso perdeu a presidência da comissão. Deve ser nomeado presidente, se não foi ainda, o vice-presidente que é o Deputado Eliel Machado (PSD-PR). À comissão foi dada toda a condição de se discutir, em várias audiências públicas e em determinados eventos, e de lá vai sair um texto, o que é a forma correta. Por diversas vezes se tentou mudar a prisão em segunda instância no Congresso Nacional por projeto de lei, mas é inadmissível mudar um preceito constitucional por projeto de lei, com quórum de maioria simples. O Supremo já se posicionou e é o que está vigendo, a presunção de inocência até o trânsito em julgado. A Câmara vai pautar esse assunto como vai pautar muitos outros, como eu disse no começo da entrevista. Não temos preconceito com absolutamente nenhum tema, mas também não temos compromisso com nenhum resultado que não seja o da maioria do plenário. Se o plenário decidir por 308 votos que a prisão em segunda instância vai valer, valerá – após ser encaminhado para o Senado Federal, se mantiver o texto. Mas se também o plenário decidir que não terá os 308 votos, o assunto estará morto. É importante que a sociedade saiba que nós democratizaremos as discussões, mas não temos absolutamente nenhum compromisso de influir no resultado das mesmas. Isso é convicção de maioria. Um tema como esse precisa estar amadurecido na sociedade e no plenário da Câmara para ter êxito.

TS – Presidente, muito obrigado por seu tempo. A Revista está honrada com sua participação. Muito obrigado também ao Ministro Luis Felipe Salomão por proporcionar esse encontro.
LFS – Eu é que agradeço mais uma vez ao Presidente. Ficamos honrados e pudemos perceber sua importância para o encaminhamento de todos esses temas, que vamos transmitir agora ao nosso público. Mais uma vez, muito obrigado por seu tempo, estamos muito honrados mesmo.
AL – Eu é que agradeço ministro, pelo convite, e ao Tiago da mesma forma. Ministro Salomão, é um prazer estar aqui ao lado, um dos mais respeitados ministros do STJ, que tem uma vida que fala por si. Sua história e trajetória nos trazem muita honra em poder compartilhar esse momento. Quero agradecer à Revista Justiça & Cidadania, que representa um veículo muito forte de comunicação para o Poder Judiciário. Estarei à disposição sempre que for demandado por parte do Poder Judiciário, coirmão do Poder Legislativo. Temos uma ligação muito próxima, entre onde nascem as leis, onde elas são aprovadas, com onde elas são discutidas e executadas. Essa relação tem que continuar sempre muito próxima, muito ampla e na medida do possível muito respeitosa.