Judiciário Independente

28 de fevereiro de 2007

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O Judiciário quer ser independente e sabe que, para isso, um dos caminhos que precisa percorrer rumo a esse fim passa pela autonomia financeira. Esse feito foi uma das razões que levaram o Conselho Nacional de Justiça a instituir uma comissão especial, em junho de 2005, para estudar a estrutura de receitas e gastos da justiça brasileira.

Segundo o presidente do grupo, o desembargador e conselheiro Marcus Faver, a principal meta é a elaboração de propostas que permitam às cortes do País a constituição de um fundo próprio. Um ano e meio após o início dos trabalhos, entretanto, a constatação é a de que não será tão fácil atingir esse objetivo. “Verificamos que o fundo não pode ser desenvolvido. Em muitos estados, a justiça não tem receita”, afirmou.
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JORNAL DO COMMERCIO – Qual é o objetivo da comissão especial criada pelo Conselho Nacional de Justiça?
MARCUS FAVER – O objetivo é a realização de um estudo sobre a implementação de um fundo próprio pelos tribunais de justiça do Brasil. Pretendemos elaborar uma resolução que seja capaz de estabelecer regras gerais sobre esse fundo para todo o País.

JC – Como esse fundo será constituído?
MF – A reforma Constitucional determinou que todas as custas processuais, emolumentos e taxas judicias fossem revertidas para o custeio do Judiciário. Cada uma dessas receitas tem uma finalidade diferente. A taxa judicial é responsável pela despesa do Poder Judiciário, ou seja, pela remuneração dos gastos oriundos da prestação jurisdicional. As custas são cobra-das para cobrir o custo dos atos processuais. Os emolumentos são destinados ao custeio das atividades extrajudiciais. É pago quando o cidadão lavra uma escritura ou registra um imóvel. Assim, o Judiciário conta três fontes oficiais de recursos.

JC – De que forma essas receitas seriam utilizadas pelo Judiciário?
MF – Essas receitas seriam gerenciadas por meio de um fundo como o que existe no Rio de Janeiro, e seriam usadas para arcar com as despesas e os investimentos do Poder Judiciário. O fundo, no entanto, pode contar com a arrecadação de outras receitas. No Rio de Janeiro, por exemplo, a taxa de inscrição dos concursos públicos vai para o fundo. Há ainda a arrecadação de 20% feita sobre os emolumentos para cobrir as despesas advindas do poder de polícia exercida pela Justiça ao fiscalizar os cartórios extrajudiciais, como os cartórios de notas e de imóveis. No Rio, todas essas receitas vão para o fundo do Tribunal de Justiça. São com essas receitas que o Poder Judiciário fluminense paga despesas como água, luz e fotocópias. O Governo não paga nada.

JC – O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é o único a ter um fundo próprio?
MF – Não. Verificamos, entretanto, que o fundo não pode ser desenvolvido por todos os estados. Em muitos locais, a arrecadação é pequena. Ou seja, a justiça não tem receita. Isso aconteceu porque a população empobreceu e dois terços dos serviços judiciários são feitos gratuitamente. Trata-se da justiça realizada nos juizados especiais criminais e cíveis onde não há cobrança de custas. Nesses locais, a prestação jurisdicional é feita sem remuneração. Para que o fundo seja suficiente para cobrir as despesas do Judiciário, é necessário que a atividade jurisdicional arrecade receita significativa. E boa parte dos estados brasileiros, principalmente do Norte e Nordeste, não tem receita capaz de suportar os gastos. Esse, então, é o principal obstáculo para se tentar instituir o fundo em todos os tribunais do País.

JC – Como a comissão pretende solucionar esse problema?
MF – Pretendemos tomar os exemplos dos estados onde o fundo funciona e ver de que forma poderíamos aplicá-lo em outras unidades federativas, mas é complicado. Em muitos estados, o percentual de 20% cobrado sobre os emolumentos para custear a fiscalização exercida pelo Judiciário sobre os cartórios extrajudiciais sequer é cobrado. Em muitos locais, não há também cobrança da taxa judiciária. Em algumas regiões, as custas são muito elevadas e, por essa razão, acabam dificultando o acesso do cidadão à justiça. Tudo isso precisa ser avaliado.

JC – A comissão já definiu alguma ação para resolver essa questão?
MF – Nossa idéia é verificar a implementação desse fundo em todos os estados. Isso poderia envolver uma negociação com os governos estaduais para mostrar que esse fundo não vai dar para arcar com as despesas do Judiciário. Esse é o problema: em alguns estados, os governos terão de incrementar (participar do fundo), uma vez que a arrecadação do Judiciário não vai dar para arcar com todas as despesas e investimentos necessários.

JC – O que foi feito pela comissão, até o momento, em relação a essa questão?
MF – Uma das medidas que tomamos foi a realização de um levantamento sobre a situação de cada estado. Verificamos uma disparidade enorme de um local para outro. O CNJ, agora, vai se reunir para ver o que é possível fazer, se não de forma uniforme, para, pelo menos, estabelecer regras básicas a serem aplicadas por todas as unidades da federação.

JC – A criação de um fundo pelo Judiciário dos estados seria o único objeto de estudo da comissão especial?
MF – Ao lado desse fundo, estamos analisando a proposta da criação de um fundo único. Como o Judiciário tem

muitos depósitos judiciais, os bancos federais ficam com o spread desses depósitos. Ou seja, com os depósitos judiciais, depósitos esses a longo prazo, os bancos emprestam o dinheiro a seus clientes a partir da receita que o Judiciário lhes fornece.

JC – O que seria o fundo único?
MF – Também seria uma forma de arranjar receitas para suprir o Judiciário. Não nos parece justo que os bancos depositários desses recursos fiquem com esse lucro chamado spread. Estamos estudando uma legislação que seja capaz de reverter para o Judiciário um percentual desse spread. É claro que os bancos têm os custos administrativos para gerir essas receitas, mas não nos parece razoável que eles lucrem com isso. Alguns estados aprovaram legislação para regulamentar isso. É o caso de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul. Só que as leis foram impugnadas e, agora, estão sendo julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. Nossa comissão não poderá evoluir enquanto o Supremo não julgar definitivamente essa questão. Esperamos que a questão seja julgada no início deste ano.

JC – Os juros dos depósitos não são repassados ao Judiciário?
MF – Em alguns estados, os bancos firmam convênios com os tribunais para fazer repasses em sistema de cooperação. Ou seja, os bancos prestam auxílio indireto ao Judiciário, remunerando ou financiando a compra de computadores por preços mais baixos, por exemplo. Assim, os bancos dão assistência a determinadas necessidades. Hoje, cada estado faz a negociação com o banco, e o Conselho Nacional de Justiça quer padronizar isso. É que isso não é uma regra, não são todos os estados que firmam convênios.

JC – A comissão também não estaria estudando a abertura dos bancos aptos a receber esses depósitos? Hoje, apenas os bancos oficiais podem receber esses recursos…
MF – Certamente. Afinal, os bancos estaduais foram privatizados. Restou apenas o Banco do Brasil que, por sua vez, tem características de banco particular. A mesma coisa ocorre em relação à Caixa Econômica Federal. Os bancos oficiais têm como característica o fato de serem do governo do estado ou da União. E hoje isso está diluído. No entanto, ainda há outra questão (a ser levada em consideração). Os bancos oficiais tendem a remunerar menos que os bancos particulares. Por isso, estávamos pretendendo realizar uma licitação para ver qual banco remuneraria em melhores condições e de acordo com as regras do mercado.

JC – Existe previsão, então, para que a questão seja resolvida pela comissão?
MF – Espero que até meados de 2007 já estejamos com essa questão alinhavada, pelo menos no que diz respeito às regras gerais.

JC – Por que, em sua avaliação, é tão importante que o Judiciário tenha um fundo próprio?
MF – Esse fundo representa a autonomia do Judiciário e isso é fundamental. A instituição Poder Judiciário só será independente se tiver independência financeira. Do contrário, estará submetida aos interesses do Poder Executivo.