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Jurista Ney Prado assume cadeira 20 da Academia Paulista de História

22 de novembro de 2012

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O jurista Ney Prado tomou posse no dia 22 deste mês na presidência da Academia Paulista de História, em solenidade realizada no Teatro CIEE, no bairro do Itaim Bibi, São Paulo, com saudação proferida pelo acadêmico Ives Gandra da Silva Martins. Ney Prado é detentor de um grande número de títulos conquistados durante sua carreira, tanto no magistério como na magistratura. É professor aposentado de Ciência Política da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, coordenador do curso de especialização em Direito do Trabalho e professor de Direito Constitucional do Centro de Extensão Universitária, também em São Paulo, e ex-chefe da Divisão de Estudos Políticos do Colégio Interamericano de Defesa em Washington, Estados Unidos. Professor emérito da Escola de Comando do Estado Maior do Exército (ECME) e ex-integrante do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra. Desembargador Federal do Trabalho aposentado, o jurista Ney Prado detém, entre outros títulos, o de membro da Comissão de Defesa do Contribuinte da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo

Compareceram, para prestigiar a cerimônia, o presidente da Academia Paulista de História, acadêmico titular Luiz Gonzaga Bertelli; o presidente do Conselho de Administração do CIEE e vice-presidente da Academia Paulista de História, Dr. Ruy Martins Altenfelder Silva; a acadêmica Yvonne Capuano, secretária da Academia Paulista de História e presidente da Academia Cristã de Letras; o acadêmico Antonio Penteado Mendonça, diretor-tesoureiro da Academia Paulista de História e presidente da Academia Paulista de Letras; o ministro Sydney Sanchez, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e o professor Paulo Nathanael Pereira de Souza, presidente emérito do CIEE e presidente da Academia Paulista de Educação.

Segue abaixo os principais trechos do discurso proferido pelo jurista na ocasião:

“Desejo inicialmente agradecer ao meu dileto amigo, mestre e confrade Ives Gandra Martins pelas amáveis e elogiosas palavras proferidas a meu respeito. A generosidade com que realçou os méritos que em mim encontrou se deve, em parte, aos laços fraternos que, de longa data, nos unem.

Todavia, as razões que me motivaram a escolher o jurista Ives Gandra Martins para saudar-me transcendem o plano das nossas relações afetivas. Sua afabilidade no trato com as pessoas, o brilho da sua inteligência, sua vasta cultura geral e jurídica, sua impecável postura ética e sua notória competência profissional, comprovada no exercício da advocacia e do magistério, tornaram-no, inquestionavelmente, uma unanimidade nacional no mundo jurídico e das letras.

Desejo também saudar as pessoas que se dignaram a prestigiar este evento. Meus amigos, parentes, antigos alunos, colegas de magistratura, de magistério e da advocacia. A cada um, o reconhecimento de minha satisfação pessoal pela lisonjeira e prestigiosa presença.

Aos senhores acadêmicos que me distinguiram com o decisivo apoio e o sufrágio indispensável ao meu ingresso neste elevado sodalício, o meu sincero preito de agradecimento.
Não poderia deixar de fazer um especial registro de gratidão à minha família,

E a meus queridos pais. A meus filhos diletos, Mônica e Ney Jr., e ainda meus netos Antônia, Rafaela, Eduardo, Rodrigo e Juliana, bem como, minha adorável nora Lavínia e o querido genro Aguinaldo.

Muito especialmente à minha querida e saudosa esposa Regina, dizendo com carinho:

‘Que Um dia com você foi muito tempo; Mas uma vida com você foi muito pouco’.

Conceito da História

O dicionário de língua portuguesa Houaiss define História como sendo o conjunto de conhecimentos relativos ao passado da humanidade segundo o lugar, a época e o ponto de vista escolhido. Já a enciclopédia colaborativa Wikipédia descreve: ‘a História é o estudo da ação humana ao longo do tempo’ por meio da avaliação de processos e de eventos ocorridos no passado. O filósofo Arthur Schopenhauer acreditava que ‘o que a História conta não passa do longo sonho, do pesadelo espesso e confuso da humanidade’. E o imperador francês Napoleão Bonaparte afirmou: ‘a História é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo’.

A Academia Paulista de História, fundada em 1972, é uma instituição de direito privado, de fins não econômicos, de caráter cultural e científico. Seu quadro associativo é formado de 40 membros efetivos, que são os acadêmicos, e por membros correspondentes nacionais e estrangeiros. Segundo rege seu estatuto, sua finalidade é ‘O Estudo da História’.

Mensagem

Permitam-me agora deixar registrada a minha singela mensagem de posse, com a qual pretendo marcar este evento nos fastos desta Instituição e na minha memória.

Seria hipocrisia negar que não me sinto seduzido pelos aspectos desvanecedores, da vaidade pessoal satisfeita, de prestígio e status, ornamentos que dão efetivo realce à personalidade e à qualificação pessoal a quem quer que venha a merecer as palmas acadêmicas.

Desejo, por isso, aproveitar o raro e imperdível ensejo de externar, neste momento, minha visão a respeito de como vejo o papel da Academia nos dias que correm.

O que espera a Academia de seus Acadêmicos,

E o que cada acadêmico espera da sua academia.

A chamada ‘nova ordem mundial’ resulta de mudanças políticas, econômicas e sociais tão abruptas que grande parte da humanidade, mesmo bem informada, ainda não se deu conta de sua extensão e profundidade.

Essa transformação não está concluída, mas já provocou significativas mudanças. Propiciou a falência do chamado ‘socialismo real’ e o desaparecimento do império soviético; promoveu o declínio das ideologias; gerou a crise do próprio Estado e de suas políticas do welfare state; impulsionou a revolução científico-tecnológica; ampliou a robótica e a consequente queda no nível de emprego; internacionalizou a economia; forçou as integrações regionais; enfraqueceu as organizações sindicais; reformulou as relações de trabalho na Nova Europa, na Ásia e na América Latina.

No plano das ideias, a liberdade reconquistada na luta contra os belicismos e as ideologias expandiu-se rapidamente como valor político, econômico, social. A liberdade que havia sido soterrada em muitos países pelo estatismo autoritário voltou a reclamar seu espaço. Os novos institutos passaram a estar profundamente informados pelo valor liberdade, uma afirmação consequente da elevação do nível de consciência das sociedades.

Os novos valores geraram novos conceitos. A revolução das comunicações produz a revolução do conhecimento, que deixa de ser luxo para tornar-se necessidade. No campo econômico, o conhecimento assume o nível de fator de produção, tanto ou mais importante que os fatores clássicos: capital, terra e trabalho.

A revolução do conhecimento penetra e altera profundamente todas as instituições e torna obsoletas as que não consegue alterar. Penetra nos governos, pressionando-os a atender novas demandas. Penetra nos sindicatos, pressionando-os a atender novas reivindicações da classe dos trabalhadores. Penetra nos negócios, pressionando-os para serem mais rápidos e lucrativos. Penetra no trabalho, pressionando-o a coparticipar mais proximamente dos processos produtivos. Penetra no Direito, por fim, pressionando-o a dar respostas mais eficientes e mais rápidas aos conflitos de interesses, forçando-o a se livrar do conceitualismo hermético e do processualismo esclerosante.

O Direito do Trabalho, expressão de uma complexa realidade socioeconômica, termina por ser um dos ramos jurídicos mais demandados. Dele se exige maior adaptabilidade do que dos demais. Mas nem sempre a resposta está à altura, pela extrema dependência de rígidas definições estatais.

A transição para a sociedade do conhecimento levanta novas questões, novos problemas mexem com valores, princípios, instituições, afinidades e comportamento. Provoca e continuaráa provocar grandes resistências. No Brasil, as profundas transformações no âmbito externo teriam que repercutir, necessariamente, em diferentes planos da nossa realidade.

No plano político, a afirmação da democracia neste final de século parece ter decretado o fim do ciclo perverso do autoritarismo versus populismo na vida brasileira. A prática democrática se estabilizou, embora falte muito ainda para se alcançar uma autêntica vivência democrática.

No plano econômico, o esgotamento do modelo de desenvolvimento baseado na substituição das importações forçou a adaptação da economia fechada do País para um modelo de economia mais livre e de mercado.

No plano social, o enfrentamento entre capital e trabalho está cedendo lugar à reconciliação e a uma fase de parceria entre os fatores de produção.
Vivemos novos tempos, de mudança, de adaptação, de criatividade, de globalização e de crises. Daí decorre a necessidade imperiosa de repensar o papel das Academias, para adequá-las aos imperativos da modernidade.

Nessa dialética entre o velho e o novo, entre o retrógrado e o progressismo, as Academias, como Instituição, não podem ficar contemplativas. Precisam ser parte, tomar parte e fazer parte.

Tal tarefa não é fácil

Os aspectos aqui identificados são facetas demasiadamente complexas e originais para permitir, a um só analista, avaliação precisa e formulação de propostas prontas e definitivas para a solução dos angustiantes problemas de nossos dias que, direta ou indiretamente, afetam o bom funcionamento e a sobrevivência da maioria das nossas Academias.

Entendo, todavia, ser oportuno especular sobre o papel reservado às Academias, em geral, e aos acadêmicos, em particular, num contexto nacional e internacional surpreendentemente complexo e inovador.

Alguém já disse, de forma apropriada, que ‘em nossos dias o mais importante patrimônio que se tem é o acúmulo de conhecimentos úteis e o uso inteligente que deles se faça’.

Nesse contexto, à luz de uma visão moderna, o conhecimento histórico passa a adquirir nova dimensão e novo significado. Mede-se seu valor não tanto pelas elucubrações intelectuais e rigores da lógica, da gramática e da retórica, mas principalmente pelos resultados concretos alcançados fora da pessoa detentora do conhecimento, ou seja, na sociedade e no avanço do próprio conhecimento. Significa, portanto, capacidade para fazer algo instrumental, utilizado como recurso para influir e propiciar mudanças na sociedade.

O conceito de conhecimento transmuda-se, assim, da mera condição de bem privado para assumir também a condição de bem público.

Muda igualmente o conceito de pessoa instruída. Desta exige-se sentido maior de capacidade, universalidade, responsabilidade e qualificação para interpretar as grandes transformações e enfrentar os desafios de criatividade de um mundo cada vez mais diversificado e inovador.

Sem desconsiderar a inegável importância institu­cional das Academias, sem deixar de reconhecer o muito que se fez ao longo de suas existências em prol da evolução em todos os ramos do saber, penso que o novo papel a elas reservado é o de tornar suas finalidades mais produtivas. Esse objetivo somente pode ser alcançado se os conhecimentos aferidos forem compartilhados e unificados.

A erudição individual, não obstante sua importância, não produz em si mesma resultados globais. Somente pelo esforço integrado, trabalho permanente, metódico, sistemático e multidisciplinar poder-se-á transformar o inegável potencial individual de cada acadêmico em desempenho intelectual socialmente produtivo.

Mas não basta sentir os anseios populares, identificar as demandas da sociedade, pensar sobre as melhores soluções e produzir excelentes obras técnicas, literárias e históricas. O importante é vê-las materializadas. O prestígio, o preparo, a capacidade e a credibilidade profissional e intelectual de cada um dos seus integrantes conferem às autênticas e ativas Academias a legitimidade de que necessitam para atuar e influir eficazmente no processo de transformação qualitativa da sociedade.

O revigoramento das tradicionais e respeitadas Academias, ao meu sentir, está a exigir o atendimento a algumas premissas, dentre elas a crença no pluralismo das ideias; a existência de um sadio clima convivencial propício ao diálogo aberto e franco na busca do consenso; a capacidade de sentir a magnitude e a natureza perversa da problemática social que nos aflige; a racionalidade crítica infensa às abordagens tendenciosas, dogmáticas e disciplinarmente restritas e, principalmente, o convicto desejo por parte dos acadêmicos de oferecer, à consideração participativa da sociedade e dos poderes públicos, propostas alternativas, bem articuladas e factíveis, de que tanto necessitamos.

Na busca da objetividade e do conhecimento compartilhado é chegado o momento de aproveitar, ainda mais, o notável saber e a experiência vivida pelos acadêmicos a fim de que, sem utopias e preconceitos, possam enfrentar o grande desafio, ou seja, a busca da síntese entre o coração, a razão e a ação e ajudar a reordenar o País para a modernidade.

O desafio está posto

Acredito na capacidade de sentir dos nossos acadêmicos e na sua maneira de vivenciar a perversa problemática social.

Acredito na racionalidade de cada um, infensos à abordagem tendenciosa, dogmática, superficial, paroquial e disciplinarmente restrita.

Acredito no civismo dos colegas acadêmicos de colocar suas inteligências a serviço das boas causas de São Paulo e do País.

Acredito no pluralismo das ideias e na possibilidade de um diálogo interno democrático, fruto do consenso, arredio a qualquer outro imposto por autocracias ou por ideologias de plantão.

Acredito na legitimidade dos nossos acadêmicos, enquanto interlocutores válidos e intérpretes da historiografia paulista e brasileira.

Por fim, acredito que a Academia Paulista de História reúna essas condições favoráveis para continuar a exercer o impostergável papel inovador e transformador do estudo da história.

Daniel Bell (1960) apregoou o fim da ideologia.

Michel Drancourt (1984) profetizou o fim do trabalho.

Bernard Boubli (1985) sustentou o fim do Direito do Trabalho.

Jeremy Rifkin (1994) proclamou o fim dos empregos.

Kenich Ohmae (1999) declarou o fim do Estado Nação.

Francis Fukuyama (1989) anunciou o fim da história.

Nenhuma dessas profecias se consumou, mas aqui o que nos diz mais respeito está ligado ao debate sobre a obra de Francis Fukuyama.

Durante o verão de 1989, uma revista de circulação restrita especializada em política externa norte-americana, a National Interest, publicou um artigo que veio a provocar um dos maiores debates intelectuais ocorridos no pós-guerra, e que trazia por título ‘Será o Fim da História?’. Nele, o autor colocava o problema de maneira extremamente literal.

O ponto principal de sua argumentação ousou ir ainda mais longe: ‘Talvez não estejamos apenas presenciando o fim da guerra fria, ou a conclusão de um período específico da história do pós-guerra, mas o término da história em si mesma, ou seja, a síntese final da evolução ideológica da humanidade e o fenômeno da universalização da democracia liberal ocidental como a forma última de governo para a humanidade’.

A tese de Fukuyama provocou uma onda de críticas da parte de especialistas e pensadores, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior. A revista Time intitulou um artigo que criticava o fenômeno Fukuyama como ‘O início do absurdo’.

Fukuyama, em resposta, assim se pronunciou: ‘Depois de ver os litros de tinta derramados em torno de ‘Será o Fim da História?’, cheguei à conclusão de que consegui na realidade provocar um consenso universal extraordinário, não a respeito do estado atual do liberalismo, mas sobre o fato de que eu estava errado e que de fato a história não acabou”.

Em conclusão

A História não está órfã, permanece viva como sempre, pois ela não pertence aos historiadores e tampouco aos políticos, mas trata-se de um permanente e valioso bem de todos nós. Muito obrigado”.