A importância de alinhar a legislação às mudanças da sociedade contemporânea norteou o encontro
A atualização do Código Civil brasileiro foi o tema do Conversa com o Judiciário, promovido em Belo Horizonte (MG), em 23 de agosto. A sessão contou com a presença de representativos nomes do Direito que apresentaram as perspectivas, os desafios e a importância das mudanças na legislação.
As principais propostas apresentadas pela Comissão de Juristas instituída pelo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, e presidida pelo vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Luis Felipe Salomão, foram destacadas nos pronunciamentos. O objetivo é alinhar a legislação às mudanças da sociedade contemporânea.
Organizado pela Revista Justiça & Cidadania, em parceria com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e com a Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), o encontro promoveu reflexões sobre as alterações propostas na legislação para que ela represente melhor as demandas e realidades da sociedade atual.
Conhecido como a Constituição do Cidadão, o Código Civil regula todos os aspectos da vida das pessoas, desde antes do nascimento até depois da morte, abarcando temas como casamento, sucessão, herança e atividades sociais, incluindo ainda a regulação de empresas e contratos.
“Este evento reflete o esforço conjunto de juristas e legisladores para modernizar o Código Civil brasileiro, garantindo que ele reflita as realidades sociais e tecnológicas atuais, ao mesmo tempo em que preserva a segurança jurídica e a justiça”, frisou o ministro Luis Felipe Salomão.
Trabalho robusto – Presente no encontro, o presidente do Senado Federal reforçou o propósito da criação da comissão de juristas e a importância de adaptar a legislação às transformações sociais e tecnológicas dos últimos vinte anos.
“É evidente que os últimos anos no Brasil foram muito mais transformadores do que meio século ou um século no passado. Nós tivemos a pandemia, que mudou as relações e comportamentos humanos, e tivemos também o avanço da tecnologia, com a internet, as redes sociais e que precisam ser incluídos no ordenamento jurídico. Já não há relações como antes e consequentemente a lei precisa mudar”, referendou Pacheco.
Segundo ele, o trabalho apresentado pela comissão é robusto e de “fôlego”, com controvérsias naturais do processo democrático, mas que, sem a visão jurídica, o trabalho do Senado seria ainda mais complexo. “O que me cabe como senador e como presidente do Senado é um agradecimento aos juristas brasileiros que colaboram com aquilo que é mais sagrado na concepção de uma lei, que é a sua técnica, sua base empírica, sua base comparada.”
Pacheco destacou ainda a necessidade de incluir temas como o Direito Digital e a união homoafetiva no novo Código. “É preciso que esteja na lei a concepção de algo que existe, que é legítimo e saudável, que é a união homoafetiva. Isso precisa estar no Código Civil e a comissão de juristas cuidou dessa questão para que haja segurança jurídica de todas as pessoas.”
Mudanças necessárias – O desembargador Moacyr Lobato (TJMG) aproveitou a ocasião para detalhar o trabalho da comissão responsável pela atualização do Código Civil. Ele ressaltou a complexidade da tarefa, que envolveu 38 especialistas, e atribuiu o sucesso do projeto à liderança do ministro Luis Felipe Salomão e ao apoio do senador Rodrigo Pacheco. “O espírito que presidiu o nosso trabalho veio exatamente da orientação que recebemos. Uma comissão para atualizar o que há de melhor consolidado na doutrina e na jurisprudência do STJ. Um trabalho de revisão e de atualização com a profundidade dispensada”, descreveu.
O ministro João Otávio de Noronha (STJ), que também integrou a Comissão de Juristas, abordou as dificuldades enfrentadas na atualização da Parte Geral do Código Civil, especialmente por esta ter sido originalmente elaborada por Moreira Alves, um dos maiores juristas do Brasil. “É preciso atualizar. Lembre-se que o código aprovado em 2002 refletia o pensamento da década de 1960 e 1970. O substrato social evoluiu e os costumes e as culturas mudaram”, lembrou.
O ministro do STJ destacou mudanças importantes, como a proteção dos animais e a modernização dos prazos prescricionais, enfatizando a necessidade de conciliar justiça e segurança jurídica. “Esperamos que em breve o projeto tramite no Senado para que tenhamos essa modernidade no nosso Código Civil, pois o desejado é que se atinja o valor da justiça sem sacrifício da segurança jurídica e vice-versa”, concluiu.
O professor de Processo Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Flavio Galdino apresentou as propostas de modernização do Direito da Empresa, focadas na simplificação e desburocratização do ambiente empresarial. “O objetivo foi simplificar, modernizar e desburocratizar a vida da empresa”, explicou. Segundo o acadêmico, que integrou a Comissão responsável pela revisão e atualização da norma, o projeto apresentado incorporou sugestões das Associações Comerciais, que operam na prática com o registro, e estabeleceu procedimentos menos burocráticos.
Ele destacou inovações como a comunicação eletrônica obrigatória e a remodelação do capítulo sobre a dissolução de empresas. “A mensagem da comissão é clara no sentido de atribuir segurança jurídica à atividade empresarial, evitando uma enorme quantidade de litígios. Enquanto existir um litígio na vida da empresa, ela não produz”, afirmou.
O desembargador Marcelo Milagres (TJMG) enfatizou a importância de adaptar o Direito das Coisas à era tecnológica, trazendo para o debate a possibilidade de posse de bens incorpóreos, como marcas e patentes. Para ele, essa inovação reflete a necessidade de atualizar a legislação para acompanhar as transformações tecnológicas. “Nós vivemos evidentemente na era tecnológica. O Direito das Coisas no Código Civil ainda é atrelado àquela visão histórica da propriedade imobiliária, e agora tivemos a ousadia de trazer para o debate a possibilidade de posse de bens incorpóreos”, defendeu.
Ele também mencionou a proposta sobre os avanços significativos na regulamentação da multipropriedade, reconhecendo, por exemplo, o time sharing imobiliário. “Outro ponto relevante que merece atenção na atualização da norma é o reconhecimento do usucapião extrajudicial no Código Civil, com melhorias nas formalidades desse processo, facilitando a aplicação.”
Milagres também destacou a inclusão do pacto marciano, que permite ao credor ficar com o bem dado em garantia, evitando execuções judiciais prolongadas. “O Direito das Coisas tem uma preocupação com a economia, e a reforma do Código Civil busca, nesta área específica, garantir maior segurança e promover a liberdade, adaptando a legislação às necessidades e desafios contemporâneos”.
Homenagem
O desembargador Moacyr Lobato, que está próximo da aposentadoria, foi homenageado durante o evento pela contribuição ao Direito e à atualização do Código Civil Brasileiro.
A desembargadora Áurea Brasil, destacada para fazer o discurso de homenagem, apontou a solidez e a coragem que o desembargador sempre demonstrou ao longo da carreira. “Moacyr simboliza o que há de melhor na atuação jurídica, despede-se do TJMG, mas não do Direito, continuando a contribuir para a sociedade sob uma nova perspectiva”, afirmou.
O desembargador também foi homenageado pelo ex-aluno e presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco. “É um orgulho para nós tê-lo nos nossos quadros e ter a sua contribuição ao parlamento brasileiro.”
Presidente do Senado recebe publicação com análise legislativa sobre projeto que altera Lei das Falências
O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, entregou ao presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, a análise legislativa do Projeto de Lei no 3/2024, que visa alterar a Lei de Falências e Recuperação de Empresas.
A publicação, produzida pela Editora JC, reúne artigos de ministros de tribunais superiores, desembargadores dos principais tribunais de justiça do país, juízes de varas empresariais, além de advogados e acadêmicos do Direito com vasta experiência em processos de insolvência, recuperação judicial e falência. No total, são 14 artigos, que apresentam estudos e reflexões aprofundadas para subsidiar o trabalho do Senado Federal na análise da reforma legislativa.
“O livro, sem tomar posições definitivas, fornece um substrato jurídico robusto com base em princípios racionais e bem fundamentados para o legislador”, descreveu o ministro Salomão.
“O resultado final será fruto de muito debate, mas tenho certeza de que os senadores vão gostar do que temos a oferecer”, afirmou o ministro, que coordenou a publicação com o professor Flavio Galdino, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Análises legislativas – Essa não é a primeira publicação sobre Análise de Impacto Legislativo (AIL) conduzida pela Editora JC. Em 2022, em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), foi lançada a obra Segurança Jurídica para o Desenvolvimento Econômico: análise de impacto legislativo que reuniu artigos de ministros de tribunais superiores e juristas para tratar de projetos de lei relacionados à retomada do desenvolvimento econômico brasileiro.
Outro livro de destaque foi a Análise de Impacto Legislativo na Recuperação e na Falência, lançado em 2020. A obra apresentou a análise do projeto de lei que, naquele ano, resultou na reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências. A legislação incorporou várias propostas que surgiram da análise, coletânea de estudos de magistrados e juristas especializados em Direito Empresarial.