Justiça do Trabalho, 70 anos de efetiva defesa da cidadania

30 de setembro de 2011

Jerônimo Jesus dos Santos Procurador Federal

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No último dia 1º de maio deste ano de 2011, a Justiça do Trabalho brasileira completou 70 anos de sua criação.

A nossa Justiça trabalhista é resultado de amplos debates e discussões – advindos do início do término da escravidão – acerca dos direitos dos trabalhadores e dos meios estatais de resolução de conflitos entre patrões e trabalhadores no País.

O fim da exploração do trabalho escravo e, por via de consequência, as contratações de mão de obra assalariada forjaram as referidas discussões e debates que, inclusive, naquele período, já aconteciam na Europa, então palco dos sabores e dissabores da Revolução Industrial.

Aliás, o implementado processo de mecanização dos sistemas de produção na Inglaterra do século XVIII é que motivou os movimentos em defesa dos direitos dos trabalhadores, isto porque a máquina passou a substituir o trabalhador, dessa maneira, formando uma multidão de desempregados.

Os trabalhadores laboravam em um clima organizacional catastrófico, cansativo e desgastante, isto é, em ambientes de rudimentares condições, como falta de iluminação,  oxigenação insuficiente e locais imundos, e, ainda por cima, com salários baixíssimos. Ademais, havia a exploração de mão de obra de crianças, de adolescentes e de mulheres, submetidos a jornadas de até 18 horas por dia e recebendo menos da metade do salário reservado aos homens.

Aí estão todos os ingredientes para a deflagração de greves, revoltas sociais e lutas por direitos trabalhistas pelas, já em formação, trade unions, que promoveram movimentos por melhores condições de trabalho. As trade unions foram criadas pelos empregados das fábricas em forma de associações, que tiveram uma evolução lenta em suas reivindicações. Já na segunda metade do século XIX, as trade unions evoluíram para os sindicatos, forma de organização dos trabalhadores com um considerável nível de ideologização e organização, pois o século XIX foi um período muito fértil na produção de ideias antiliberais que serviram à luta da classe operária, seja para a obtenção de conquistas na relação com o capitalismo, seja na organização do movimento revolucionário cuja meta era construir o socialismo objetivando o comunismo.

Esse período, por parte dos seguidores do Movimento Ludista (1811-1812), foi marcado por protestos, inclusive de forma violenta, como, por exemplo, a invasão de fábricas e a destruição de equipamentos pelos trabalhadores.

O estopim estourou e surgiu como forma mais radical de protesto. O nome “ludista” deriva de Ned Ludd, um dos líderes do movimento. Os luditas chamaram muito a atenção pelos seus atos: invadiram fábricas e destruíram máquinas que, segundo eles, por serem mais eficientes que os homens, tiravam seus trabalhos. Os manifestantes sofreram uma violenta repressão; foram condenados à prisão, à deportação e até à forca. Os luditas ficaram lembrados como “os quebradores de máquinas”.

Anos depois, em sequência, de 1837 a 1848, os operários ingleses mais experientes realizaram o chamado Movimento Cartista, organizado pela Associação dos Operários, que adotou métodos mais eficientes de luta, como a greve e o movimento sindical. Esse movimento exigia melhores condições de trabalho; particularmente, a limitação de oito horas para a jornada de trabalho, a regulamentação do trabalho feminino, a extinção do trabalho infantil, a folga semanal e o salário-mínimo.

Nessa esteira, os cartistas lutaram ainda pelos direitos políticos, como o estabelecimento do sufrágio universal (apenas para os homens, nessa época); a extinção da exigência de propriedade para se integrar ao Parlamento e o fim do voto censitário. Esse movimento se destacou por sua organização e por sua forma de atuação, chegando a conquistar diversos direitos políticos para os trabalhadores.

Portanto, constata-se que, ainda nesse mesmo período, os seguidores do “cartismo”, de forma mais branda, por via política, conseguiram alguns direitos para os trabalhadores, inspirando, dessa maneira, a projeção de movimentos organizados por parte de operários aqui no Brasil.

Todavia, aqui, em nosso ambiente doméstico, a primeira fase da criação da Justiça do Trabalho durou mais de 40 anos, desde a Abolição da Escravatura. Aliás, só a partir da última década do século XIX, em 1891, veio o Decreto no 1.313, que passou a regulamentar o trabalho de menores. Em 1903, publicou-se a Lei de Sindicalização Rural e, em 1907, a lei que disciplinou a sindicalização de todas as profissões.

Como se vê, essas foram as primeiras normas de proteção ao trabalhador. Nesse espírito, Maurício de Lacerda, em 1917, viabilizou a primeira tentativa de formulação de um Código do Trabalho, desencadeando também, em 1918, a implantação do Departamento Nacional do Trabalho, bem como, em 1923, o Conselho Nacional do Trabalho na estrutura do então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.

Aliás, vale relembrar, somente com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em decorrência da Revolução de 1930, foi que, de fato, nasceu a Justiça do Trabalho, como também o Ministério do Trabalho, em 26 de novembro daquele mesmo ano, por meio do Decreto no 19.433, além da instituição das Comissões Mistas de Conciliação para os conflitos coletivos e das Juntas de Conciliação e Julgamento para os conflitos individuais.

É de se repisar que a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 26 de novembro de 1930, foi uma das primeiras iniciativas do governo revolucionário implantado no Brasil no dia 3 daquele mesmo mês, sob a chefia de Getúlio Vargas. O “Ministério da Revolução” – como foi chamado por Lindolfo Collor, o primeiro titular da pasta – surgiu para concretizar o projeto do novo regime de interferir sistematicamente, de forma harmônica, no conflito entre capital e trabalho. Até então, no Brasil, as questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas pelo Ministério da Agricultura, sendo na realidade praticamente ignoradas pelo Governo.

O passo decisivo para a criação da Justiça do Trabalho no Brasil adveio da Constituição Federal de 1934, em seu artigo 122, no capítulo “Da Ordem Econômica e Social”, inicialmente integrada ao Poder Executivo. Aliás, sua passagem para o Poder Judiciário suscitou acirrados debates entre parlamentares da época, sobretudo no que diz respeito ao seu poder normativo.

Contudo, o Decreto 6.596, que veio regulamentar o Texto Maior, só foi editado em 1940 ou seja, dez anos depois da publicação da Carta Federal de 1930. Nesse passo, a instalação oficial da Justiça Trabalhista ocorreu em 1o de maio de 1941. Nessa ocasião, Getúlio Vargas, em ato público no campo de futebol do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, destacou em seu discurso inflamado: “A Justiça do Trabalho, que declaro instalada neste histórico 1o de Maio, tem essa missão: cumpre-lhe defender de todos os perigos nossa modelar legislação social-trabalhista, aprimorá-la pela jurisprudência coerente e pela retidão e firmeza das sentenças”.

Nessa linha, o Texto Constitucional de 1934 trouxe avanços sociais importantes para os trabalhadores: instituiu o salário-mínimo, a jornada de trabalho de oito horas, o repouso semanal, as férias anuais remuneradas e a indenização por dispensa sem justa causa. Sindicatos e associações profissionais passaram a ser reconhecidos, com o direito de funcionar autonomamente.

Da mesma forma, a Constituição de 1937 consagrou a novel instituição. Nessa época, Waldemar Falcão, Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, encabeçou uma comissão responsável pela elaboração de anteprojetos que culminaram, em 1939, no Decreto-Lei 1.237, que instituiu a Justiça do Trabalho. O Decreto-Lei 1.346, de 1939, reorganizou o Conselho Nacional do Trabalho e um ano depois, os decretos 6.596 e 659, ambos de 1940, regulamentaram, respectivamente, a Justiça do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho.

Nesse ponto, numa demonstração inequívoca da importância da organização da Justiça do Trabalho no Brasil, o Decreto-lei 1.237, em seu § 3o, asseverava que “o serviço da Justiça do Trabalho é relevante e obrigatório”. Assim, a legislação editada por Getúlio Vargas que passou a vigorar em 1o de maio de 1941 é o marco da instalação dessa Justiça especializada no País, a qual completou 70 anos este ano.
Francisco Barbosa de Rezende, então Presidente do Conselho Nacional do Trabalho, e Faria Baptista, procurador, foram designados para dirigir a comissão responsável pela instalação dos órgãos dessa Justiça especializada. O resultado do esforço de ambos foi a efetiva instalação da Justiça do Trabalho, em pleno funcionamento, em 2 de maio de 1941, com oito Conselhos Regionais e 36 Juntas de Conciliação e Julgamento. Em 1943 foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que reuniu e ampliou a vasta e dispersa legislação produzida ao longo de duas décadas.

A Assembleia Constituinte de 1946, convocada após o fim da ditadura de Getúlio Vargas, definiu a incorporação da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, o que deu aos Juízes prerrogativas de magistratura e concedeu-lhes independência do Poder Executivo. Nessa época, o Conselho Nacional do Trabalho foi convertido em Tribunal Superior do Trabalho (TST) e os Conselhos Regionais do Trabalho, em Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs).

O legislador constituinte de 1946 acrescentou à Carta Maior uma série de direitos antes ignorados: reconhecimento do direito de greve, repouso remunerado aos domingos e feriados e extensão do direito à indenização de antiguidades e à estabilidade do trabalhador rural. Outra conquista importante na época foi a integração do seguro contra acidentes no trabalho, antes privado, no sistema da Previdência Social.

A Constituição Federal de 1967 trouxe mais mudanças: aplicação da legislação trabalhista aos empregados temporários, valorização do trabalho como condição da dignidade humana, proibição de greve nos serviços públicos e nas atividades consideradas essenciais e direito à participação nos lucros das empresas. Limitou a idade mínima para o trabalho do menor – 12 anos –, com proibição de trabalho noturno, incluiu em seu texto o direito ao seguro-desemprego (este, porém, só passou a valer a partir de 1986) e a aposentadoria para a mulher após 30 anos de trabalho, com salário integral. Fez previsão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), da contribuição sindical e do voto sindical obrigatório.

Com o fim do regime militar e a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988 pela Assembléia Nacional Constituinte, deu-se início a uma nova era na vida dos trabalhadores brasileiros. A nova Carta Cidadã, considerada a mais democrática de todas, reforça, em seu artigo 114, § 2o, a legitimidade do poder normativo da Justiça do Trabalho.

Dentre os muitos avanços propostos pela chamada Constituição Cidadã, como foi denominada, destaca-se a proteção contra a despedida arbitrária, ou sem justa causa, piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho prestado, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias, licença-paternidade, irredutibilidade salarial e limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias e 44 semanais. Destaque-se, também, a proibição de qualquer tipo de discriminação quanto a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.

O Texto Maior de 1988, ao incorporar direitos trabalhistas essenciais, inéditos à época na Carta Constitucional e já incorporados definitivamente ao cotidiano das relações formais de trabalho, cumpriu com seu mister de assegurar aos brasileiros direitos sociais essenciais ao exercício da cidadania. A palavra “trabalho”, que na concepção antiga tinha o sentido de sofrimento e esforço, ganhou, assim, uma roupagem social, relacionada ao conceito de dignidade da pessoa humana.

Por fim, a Emenda Constitucional no 45, promulgada em 30 de dezembro de 2004, que promoveu a chamada reforma do Poder Judiciário, ampliou a competência da Justiça do Trabalho para julgar todas as relações oriundas da relação de trabalho, e não apenas as de emprego.

Como se sabe, a Justiça do Trabalho, hoje, é composta pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), sua instância máxima, por 24 Tribunais Regionais do Trabalho e por 1.377 Varas do Trabalho. Sua jurisdição abrange todo o território nacional.

A título de informação, no TST, em 2010, foram recebidos 157.068 casos novos e nos TRTs, 554.574. Do total de processos autuados, 42.347 (7,7%) eram do rito sumaríssimo. E ainda foram autuados 944 dissídios coletivos.

Nas Varas, foram recebidos 1.987.948 casos novos. Só no estado de São Paulo, foram ajuizados 27,7% do total de casos novos, enquanto nos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, foram ajuizados, respectivamente, 11,3% e 10,1%.

Eis aí, traduzida em números e percentuais, a prestação jurisdicional oferecida pela nossa jovem septuagenária Justiça do Trabalho. Parabéns! E vamos em frente. O desafio, agora, é encontrar meios alternativos para reduzir o quantitativo de processos despejados anualmente no seio dessa Justiça que já nasceu marcada pela celeridade.