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Justiça Eleitoral acabou com a fraude na eleição e na apuração

31 de agosto de 2006

César Asfor Rocha Ministro do STJ

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O senhor concorda que se houver maior rigor em conceder registros de candidaturas de todas as esferas de poder, será muito mais fácil fazer o controle das prestações de contas dos candidatos?

Os registros dos candidatos são deferidos ou negados segundo as regras constitucionais e legais sobre a matéria. A Justiça Eleitoral sempre esteve atenta a qualquer circunstância que impeça seu deferimento, seja falta de condição de elegibilidade, seja inelegibilidade.

Mesmo que o pedido não seja impugnado, o Juízo Eleitoral deverá indeferir o registro caso tenha conhecimento de fato comprovado que importe no não preenchimento dos requisitos previstos na Constituição Federal ou na legislação infra-constitucional.

O rigor dado à análise dos processos de registro é aquele que a lei permitir, sendo importante ressaltar que a norma restritiva de direito deve ser interpretada e aplicada de modo estrito.

O exame das prestações de contas dos candidatos também segue os ditames legais, sendo certo que a Justiça Eleitoral, no poder de regulamentar a lei eleitoral, tem expedido instruções, detalhando procedimentos e práticas que possibilitam uma análise profunda das contas, dentro, é claro, do que a lei estabelecer.

O senhor concorda que se a Justiça Eleitoral decidir ao “pé da letra” sobre os parágrafos 9º e 10º do art. 14 da Constituição Federal poderá, liminarmente, dar uma varredura nas candidaturas?

A Súmula TSE nº 13 dispõe que não é auto-aplicável o § 9º do art. 14 da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 4/94.

Certo é que a EC 4/94 alterou o § 9º do art. 14 da Constituição Federal para permitir que a lei complementar possa impor inelegibilidade inspirada não apenas na moralidade e na legitimidade das eleições – objeto da regra em sua redação original –, mas também na probidade administrativa, na moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato.

Entretanto, essa norma tem eficácia limitada, pois depende de lei complementar que estabeleça as cláusulas de inelegibilidade fundada na vida anterior dos postulantes a cargo eletivo.

A razão para tal entendimento é que cabe ao legislador a delicada tarefa de especificar o que caracterizaria falta de probidade administrativa e de moralidade para o exercício do mandato, suficiente a causar inelegibilidade.

A inelegibilidade sem condenação por decisão transitada em julgado poderia ensejar as mais esdrúxulas situações devido à ilimitada imaginação humana, especialmente quando dirigida para o mal. Poderiam, por exemplo, ser ajuizadas as mais descabidas ações contra aquele que pudesse vir a ser candidato, apenas para afastá-lo da disputa eleitoral, de modo a favorecer seu adversário político. Por isso, foi editada a referida súmula nº 13.

O senhor poderia propor que o pleno do Tribunal aprovasse uma norma única para todos os Tribunais Regionais Eleitorais adotarem na avaliação dos pedidos de registros de candidaturas?

Não cabe aos Corregedores Eleitorais processar e julgar os pedidos de registro, que são distribuídos a todos os membros da Corte.

Por sua vez, o TSE, obedecendo ao disposto no art. 105 da Lei nº 9.504/97, edita Instruções regulamentando a lei e trazendo a interpretação que a Justiça Eleitoral tem adotado em algumas questões, mas, obviamente, não estabelece como o julgador deve decidir o caso concreto, diante de suas peculiaridades, seja em matéria atinente aos dispositivos acima mencionados ou a qualquer outro.

O que a Justiça Eleitoral poderá fazer para igualar, no registro dos candidatos às eleições, a mesma exigência de vida pregressa limpa, como prevalece para os concursos públicos?

Essa exigência depende de expressa disposição legal. O § 4º do art. 37 da Constituição Federal, assim como o inciso V do art. 15 também da Constituição Federal, vinculam a suspensão dos direitos políticos a uma conformação da legislação ordinária.

A Justiça Eleitoral conta com um corpo funcional treinado para analisar prestações de contas?  

A Justiça Eleitoral tem servidores especializados para analisar as contas apresentadas, mas, caso necessário, poderá requisitar técnicos do TCU, dos estados, do Distrito Federal, bem como dos tribunais e conselhos de contas dos municípios, pelo tempo que for necessário, nos termos do art. 30, § 3º da Lei nº 9.504/97 e do art. 34 da Instrução nº 102 (Resolução nº 22.250).

Se um candidato recebesse uma doação de 100 mil santinhos, por exemplo, e não soubesse quanto custaram, como lançaria isso em sua prestação de contas?

Todo material impresso de propaganda deve conter o número do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) da empresa que o fabricou, segundo o § 1º do art. 20 da Instrução nº 102 (Resolução nº 22.250) e parágrafo único do art. 11 da Instrução nº 107 (Resolução nº 22.261). Assim, cabe ao candidato procurar a empresa para obter a nota fiscal e o valor da propaganda.

Quais as medidas que existem à disposição da Justiça Eleitoral para coibir o uso do poder econômico e as fraudes eleitorais?

O abuso do poder econômico pode ser apurado em investigação judicial, prevista no art. 22 da LC nº 64/90; em recurso contra a expedição de diploma, previsto no art. 262 do Código Eleitoral e, ainda, em ação de impugnação de mandato eletivo, prevista no § 10 do art. 14 da Constituição Federal. As duas últimas ações também se prestam à apuração de fraudes.

O senhor não acha que houve exagero na proibição de certos tipos de comunicação publicitária como outdoor, por exemplo?

A meu ver, as regras introduzidas pela Lei nº 11.300, como um todo, foram benéficas, pois vieram ao encontro dos anseios da população, que quer eleições limpas e legítimas e sem abuso do poder econômico. Se uma ou outra regra, com a prática, se mostrar desnecessária ou inconveniente, o Congresso haverá de rever sua posição e adequá-la, de modo a atender à sua finalidade. Aliás, os partidos e candidatos, em todo o Brasil, apresentaram uma previsão de cerca de vinte bilhões de reais a serem gastos nas suas respectivas campanhas. Há quatro anos, nas últimas eleições iguais às deste ano, os gastos apresentados foram de cerca de oito bilhões de reais. Se considerarmos que as formas de propagandas hoje proibidas, que antes não eram (brindes, showmício, outdoor, etc.), representam, segundo alguns especialistas, cerca de quarenta por cento do custo de uma campanha eleitoral, vamos verificar que o aumento com a previsão de gastos foi de cerca de trezentos por cento. Daí se verifica que os partidos e candidatos estão conscientes da necessidade de se acabar de vez com o chamado caixa 2, dando mais transparência aos gastos de campanha.

O senhor não acha que o foro privilegiado, garantido ao Presidente da República, Governadores de Estado e parlamentares federais e estaduais, não incentiva candidaturas de pessoas que só querem o mandato para usá-lo como biombo protetor de seus delitos? Se a Lei é igual para todos, deve haver esse tipo de privilégio? 

A Justiça Eleitoral já conseguiu acabar com as fraudes na votação e na apuração. A vontade do eleitor é respeitada.

Assim, no momento, o mais importante é criar meios de conscientizar e esclarecer o eleitorado sobre o valor do voto, ou seja, a importância da boa escolha, do cuidado na hora de optar por um candidato. Se conseguirmos que somente cidadãos honestos e bem intencionados componham o Congresso Nacional, a questão relativa ao foro privilegiado perderá relevância, pois este não será mais tido como “biombo protetor de delitos”.

A Justiça Eleitoral, como um todo, está absolutamente consciente de seu papel e chama a atenção dos candidatos e partidos para que não se excedam na propaganda, nem cometam abuso do poder político ou do poder econômico, sobretudo no que diz respeito ao chamado caixa 2, pois combateremos todos esses ilícitos com muito rigor.

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