Justiça Social

23 de setembro de 2014

Compartilhe:

O jornalista Roberto Monteiro Pinho, autor de “Justiça Trabalhista do Brasil – O fenômeno Social Agoniza”, afirma que o segmento não é mais a justiça das massas. Hoje, 83% das ações em curso nas varas do Trabalho têm o governo entre as partes. “Acabou se constituindo em um cartório de luxo”, disse.

Um dos ramos mais importantes do Poder Judiciário é rigorosamente analisado pelo jornalista Roberto Monteiro Pinho, na obra “Justiça Trabalhista do Brasil – O fenômeno Social Agoniza”, já disponível nas livrarias. Em entrevista, o autor explica que a obra veio para derrubar alguns mitos em torno desse segmento. Ele também analisou os dados do “Justiça em Números”, relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a produção do Judiciário brasileiro.

Um deles diz respeito à imagem de que a Justiça do Trabalho “se atrela tão somente ao social, priorizando o trabalhador, quando, na verdade, serve a dois senhores: aos seus integrantes, que recebem os maiores salários e gratificações do planeta; e ao governo, nesse caso, autor ou acionado e, por essa razão, demandante de 83% das ações existentes nesse Judiciário”.

Outros mitos apontados por Pinho são “a existência de tribunais nanicos e o alto custo para manutenção das ações”. Ele também aborda as alternativas extrajudiciais para pôr fim ao “suplício de milhões de trabalhadores que esperam até 12 anos para solução de seus processos”.

O jornalista é assessor especial da Presidência da Ordem dos Advogados do Brasil – subseção da Barra da Tijuca, consultor sindical, assim como secretário de administração e membro relator da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Revista Justiça & Cidadania – A lentidão da Justiça tem solução?
Roberto Monteiro Pinho – Os números indicam um total atrofiamento do Judiciário, e vários fatores levaram a isso, sendo os mais graves a leniência e a falta de comprometimento com o Estado e a sociedade. Nenhum dos Judiciários poderia focar objetivos priorizando o status do juiz e do servidor. Na medida em que abandonaram esses princípios, se estabeleceu um hiato, autoridade/juiz, e a lentidão foi consequente. Está latente que os administradores dos tribunais não são afetos a área, que o julgador não está apto a enfrentar questões administrativas que envolvem seus pares devido ao corporativismo. Esse é outro grave senão.

Onde está exatamente o gargalo?
– Em 2005, com a Emenda Constitucional no 45/04, a Justiça Trabalhista passou a ser cobradora de luxo da União, executando, entre outros tributos, os créditos da Previdência Social e da Fazenda.Registro aqui o fato de que os juízes negociaram no Planalto para que a extinção da Justiça do Trabalho não ocorresse e, com isso, a União migrou as ações fiscais para essa Justiça. Então, ao contrário de priorizar as ações dos trabalhadores, a Justiça do Trabalho acabou se constituindo em um “cartório de luxo”, com estrutura onerosa para cobrar tributos federais. A partir daí, o monocracismo fincou pé na sua imaginária importância política – mais governo, menos trabalhador – , já que para barrar a extinção desse Judiciário, repito, a moeda de troca foi exatamente a especializada passar a operar a cobrança desses tributos, ganhando com isso o fortalecimento e a blindagem desse Judiciário.

Então existe uma blindagem?
– O Judiciário é blindado, existe de fato a cultura do corporativismo. As rusgas que assistimos na TV por assinatura são “jogo de cena”. Vemos ali a “fogueira das vaidades”, as divergências sob o ponto de vista do Direito, que segue uma cultura centenária e colonial de justiça vetusta. A sociedade está muito afastada do Judiciário. Ele opera como uma casta, o mundo exterior não existe e isso causa ressentimento nas pessoas, até mesmo naqueles que admiraram os grandes julgadores e juristas estatais, mas não aceitam a pompa, a soberba e o distanciamento social. A prova disso é que lideranças da cúpula do Judiciário vêm se manifestando a favor da democratização e da simplicidade do Judiciário, tendo como objetivo recuperar o apoio da sociedade.

A demora na solução do processo do trabalho tem solução?
– O Brasil tem uma longa tradição de nação pacificadora. O número de ações trabalhistas cresceu de 9 milhões, em 2001, para 15 milhões, em 2012, segundo o CNJ. Hoje em dia, tudo gera dano moral: o advogado do reclamante pede, se levar tudo bem. E se perder nada acontece, fica por isso mesmo, até porque nessa justiça advogado de hipossuficiente é hipo juridicamente, não sofre punição por enriquecimento sem causa. Tudo gera recursos e mais recursos, e, com isso, a ação ganha sobrevida e seu tempo de solução se estende por mais anos. Em suma: o que era para ser simples se tornou complexo, judicialização é a palavra de ordem nessa justiça. Diante disso tudo só há uma solução, a realização de acordos extrajudiciais através da arbitragem, Lei 9.307/04, em turmas compostas por leigos e advogados, que versem sobre temas de natureza indenizatória.

E no futuro, o senhor acha que teremos solução?
– O meu filho recém-formado já advoga. Ele é o futuro, mas a exemplo dele e daqueles que enfrentam o dia a dia nos Tribunais do Trabalho e na Justiça como um todo, padecem – e muito. Inúmeras são as queixas, na subseção da OAB Barra, onde sou assessor especial da Presidência. Elas são constantes, vão desde a violação das prerrogativas dos advogados à falta de esmero no trato social e interação com as partes. O resultado é estressante: o autor dificilmente entende que a culpa não é do profissional da advocacia e sim do sistema caótico que aí está. Com boa vontade digovolenti nihil difficile, fazendo leis fortes e punindo aqueles que as violam, colocando o juiz na condição de servidor, um cidadão a serviço da sociedade, despindo-o da exagerada proteção estatal, engessada, colonial e agressiva aos olhos de todos, creio que, em médio prazo, teremos um Judiciário lapidado à realidade democrática do Estado de Direito, uma verticalização dos princípios, nos níveis que sejam suportáveis. Os movimentos sociais foram às ruas em junho de 2013, para dar um basta nisso tudo que aí está. O recado também serve para o Judiciário brasileiro.