Laurita Vaz: a primeira mulher presidente do STJ

22 de setembro de 2016

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Laurita VazEntrevista: Primeira mulher oriunda do Ministério Público a ingressar no Superior Tribunal de Justiça, a ministra Laurita Vaz também será a primeira a ocupar a presidência da Corte.

Eleita pela Pleno do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 1o de junho, a ministra Laurita Vaz será a primeira mulher a assumir a presidência da Corte. Ela tomou posse do cargo para o biênio 2016-2018 na primeira semana de setembro, ao lado do vice-presidente do STJ, o ministro Humberto Martins.

Ao ser eleita por seus pares, a ministra afirmou que pretende “encarar mais esse desafio”, e realizar “uma gestão aberta ao diálogo”, com um compromisso de trabalho que tem foco no fortalecimento do tribunal.

Formada em Direito pela Universidade Católica de Goiás, e especialista em Direito Penal e Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás, a ministra Laurita Vaz é natural da cidade goiana de Anicuns. A nova presidente do STJ iniciou a carreira como promotora de justiça em Goiás. Foi nomeada para o cargo de subprocuradora da República com atuação no Supremo Tribunal Federal (STF). Promovida ao cargo de procuradora da República, oficiou no extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR). Atuou ainda na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho de 1a instância.

Em 2001, Laurita Vaz foi a primeira mulher oriunda do Ministério Público a integrar o STJ. Desde então, foi ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e corregedora-geral da Justiça Eleitoral. Desde 2014, ocupava a vice-presidência do STJ.

Revista Justiça & Cidadania – Para começar, gostaríamos de saber quais são seus objetivos prioritários na presidência do STJ?

Laurita Vaz – Minha prioridade é, e sempre foi, desde que ingressei no Superior Tribunal de Justiça, em 2001, exercer e aprimorar a jurisdição, o bem maior a ser entregue pelo Poder Judiciário aos cidadãos.

O Superior Tribunal de Justiça tem por missão constitucional precípua interpretar a legislação federal e, com isso, uniformizar sua aplicação em âmbito nacional, tarefa que se tem tornado, a cada ano, mais difícil em face do aumento crescente do número de processos que são distribuídos a cada ministro.

Por isso, meu trabalho terá como foco prover os meios necessários para que a atividade jurisdicional de cada ministro e dos órgãos colegiados do Tribunal seja prestada com maior eficiência e em tempo oportuno.

Estou implementando restruturações em órgãos de assessoria que prestam auxílio à atividade de análise, processamento e julgamento de processos, de modo a torná-los mais eficientes na consecução de seus misteres.

Espero com essas medidas, aliadas a outras pontuais, viabilizar a diminuição do acervo de processos do Tribunal, notadamente os mais antigos.

J&C – Dentre as soluções que também são apontadas para resolver este problema – como a adoção de medidas alternativas ao litígio, por exemplo – , quais a Srª acredita serem as mais eficientes e eficazes?

LV – O Poder Judiciário vem enfrentando vários desafios nos últimos anos. O principal deles, no entanto, é, sem dúvida, o crescimento de demandas judiciais, que esperam respostas rápidas e efetivas.

A realidade social do País se transformou nas últimas décadas e a sociedade despertou para o papel do Judiciário na solução de conflitos.

A Justiça que se espera deve entregar prestações equilibradas, justas e ainda em tempo oportuno, gerando segurança jurídica. Tal resultado, todavia, depende da colaboração de todos os Poderes, em um diálogo permanente em prol da sociedade.

A modernização da legislação nacional (como ocorreu com o novo Código de Processo Civil), o melhor aparelhamento do Judiciário e o investimento no material humano são fundamentais para se alcançarem bons resultados.

O novo Código de Processo Civil, a propósito, trouxe uma perspectiva mais ampla no que diz respeito aos meios de solução de conflitos, para, além da tutela jurisdicional estatal, dar especial importância à autocomposição das partes.

Inúmeras são as vantagens desse novo ímpeto legislativo que deverá inspirar, ainda mais, a atuação do Poder Judiciário no sentido de fomentar o diálogo e o acordo entre as partes. Dentro dessa perspectiva, pode-se vislumbrar a promoção de uma solução de conflito mais consentânea com as expectativas dos envolvidos, uma vez que, com o acordo, há de se estabelecer um ponto médio entre as discordâncias, minimizando as perdas, ou seja, no lugar do “ganha-perde”, entra o “ganha-ganha”; e, com isso, a redução de custos, tempo e desgastes de um processo judicial clássico.

J&C – Desde 2013, os brasileiros vêm mudando sua postura no que se refere à defesa de seus direitos – nunca vimos tantas e tão numerosas manifestações nas ruas do País. Quando o Brasil estiver novamente com sua economia e quadro político estabilizados, a Srª acredita que a população continuará atenta ao combate à corrupção e à defesa de seus direitos?

LV – Somos uma democracia ainda jovem. Estamos aprendendo, como nação, a participar mais ativamente dos rumos do país. A despeito desse cenário de instabilidade política e econômica, o Brasil reafirma seu compromisso com as liberdades e os direitos sociais. A imprensa livre e atuante, a liberdade de expressão e a velocidade do trânsito das informações têm sido ingredientes essenciais para uma democracia cada vez mais participativa. A reação massiva da população brasileira contra a corrupção é, sem dúvida, bastante salutar, pois impulsiona mudanças e imprime um novo tom para a atuação dos agentes e instituições públicas. Acredito que seja um movimento irreversível.

J&C – Qual sua opinião sobre o polêmico tema do ativismo do Judiciário?

LV – O Brasil está atravessando um momento econômico e sobretudo político bastante conturbado. E é justamente em momentos de crise que as instituições que sustentam um Estado Democrático devem se apresentar para, cumprindo seu papel constitucional, contribuir para a retomada do equilíbrio e da estabilidade do país. Nesse cenário, constatamos que o Poder Judiciário, independente e imparcial, tem-se mostrado capaz de atuar com firmeza quando provocado.

O Poder Judiciário existe exatamente para recompor a ordem jurídica eventualmente abalada e restabelecer a efetividade da norma vigente, apaziguando os conflitos sociais. Quanto maior é o desentendimento e a incapacidade das partes conflitantes de acertarem suas diferenças, maior será a demanda judicial.

Quando os outros Poderes não são capazes de resolver suas divergências, a via judicial é a ultima ratio. Nesse ponto, é preciso entender que somos ainda uma democracia jovem. Estamos em fase de amadurecimento das instituições. E, talvez, precisemos mesmo passar por adversidades para adquirir mais maturidade e estabilidade nas relações institucionais. Contudo, creio que estamos nos saindo bem.

J&C – Não é um padrão da maioria dos brasileiros ter conhecimento sobre quem atua e o que fazem as Cortes Superiores, como o STJ e o STF. Hoje, no entanto, esta situação parece estar mudando. Se por um lado isso é positivo, por outro expõe o Judiciário a críticas muitas vezes sem qualquer fundamento. Como lidar com esta nova interface com a população?

LV – O Judiciário, como os demais Poderes, não está imune a críticas dos diversos segmentos da sociedade, fenômeno, ao meu sentir, absolutamente salutar em um Estado Democrático de Direito.

De fato, a maior exposição do Judiciário acarreta, vez ou outra, críticas excessivas, desprovidas de fundamento. No entanto, elas devem ser refutadas com a divulgação de informação acessível e precisa, dando concretude ao princípio constitucional da publicidade. Aliás, hoje, a transparência no setor público é uma prática bastante difundida e valorizada, sendo certo que o Judiciário tem se adaptado bem a essa nova realidade. O site do Superior Tribunal de Justiça é um bom exemplo disso, pois dá acesso rápido a várias informações relevantes acerca do Tribunal da Cidadania.

J&C – Gostaríamos de saber sua opinião, como especialista em Direito Penal, sobre alguns aspectos. O primeiro deles é a Lei Maria da Penha, que completa dez anos em 2016. Quais as principais mudanças que a Lei trouxe para a sociedade nesse período de tempo?

LV –  A Lei no 11.340, de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi editada com o objetivo de dotar o Poder Público de instrumentos para coibir e prevenir a violência contra a mulher no ambiente familiar e doméstico – que, infelizmente, ainda apresenta índices preocupantes em nosso país.

Antes da Lei Maria da Penha, não havia uma legislação específica voltada à apuração desse tipo de violência. Essa norma representa, pois, um marco na história do combate à impunidade no país. Agregou valores de direitos humanos às ações de políticas públicas, introduziu meios de atendimento humanizado à mulher, fortalecendo a sua própria autonomia e contribuindo para a educação da sociedade.

Como exemplos dos avanços contemplados na Lei no 11.340/2006, temos a criação de delegacias especializadas; a obrigatoriedade de treinamento de pessoas vocacionadas para o atendimento dos casos apresentados; a criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para julgar os crimes nela disciplinados, além de outros mecanismos, tais como núcleos das Defensorias Públicas, serviços de saúde, abrigos destinados ao acolhimento de mulheres e crianças e centros de recuperação para reabilitar os agressores.

Apesar dos progressos, certamente ainda há um longo caminho a se trilhar em busca da consagração dos direitos das mulheres no nosso país, sendo imprescindível, para tanto, uma resposta rápida do Poder Judiciário e dos órgãos de atuação.

J&C – Ainda no âmbito da legislação penal, e no viés de uma das principais pautas da Nação hoje (os crimes eleitorais), há quem diga que a Lei é muito branda com os crimes de “caixa dois” e que isso prejudicaria todas as ações de combate à corrupção. A Srª concorda com esta afirmação? Que outros aspectos apontaria na legislação eleitoral que poderiam ser alvo de mudanças para combater a corrupção?

LV – Uma das medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal é a criminalização do “caixa dois”. Considero necessário um debate profundo sobre a criação de mais um tipo penal. Também no julgamento do Mensalão, sobre o fato de que o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, admitiu a prática do “caixa dois”, a Ministra do STF Cármen Lúcia ressaltou que a conduta não só consistia em “agressão contra a sociedade brasileira”, mas também em crime, diversos políticos foram condenados. Lembro ainda que o art. 11 da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei no 7.492/86) tipifica penalmente o ato de “[m]anter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação”, com pena de reclusão de 1 a 5 anos. E isso vale inclusive para casos eleitorais. Portanto, não é correta a afirmação de que a conduta não é punível como crime. Se ela pode ser aprimorada – e creio que pode –, considero salutar um debate amplo e aberto entre os vários setores da sociedade, para se chegar a uma solução equilibrada e eficiente do ponto de vista da prevenção e repressão criminal.

J&C – Recentemente, a sociedade debateu o tema da maioridade penal. Mas há também discussões em torno das penas aplicadas em determinados crimes, que seriam muito “brandas”. O que a Srª enxerga como mudanças necessárias à legislação penal hoje?

LV – É um tema sensível e complexo. Não há, por isso, resposta simples. Muitas condicionantes devem ser debatidas para se chegar a um bom termo. Se, por um lado, a sociedade exige maior severidade na punição dos infratores, por outro lado, devem entrar no debate também as razões pelas quais, cada vez mais cedo, a juventude é corrompida pela criminalidade. Também não pode ficar de fora dessa discussão o que, na prática, tem significado o encarceramento dos criminosos neste país. O sistema prisional brasileiro está falido. O tema requer estudos sérios. E é premente a necessidade de reformas. Não creio seja possível, dentro dessa complexidade, perquirir por respostas singelas. A maioridade penal e o agravamento das punições não podem ser debatidos sem que antes, ou concomitantemente, se busquem soluções para essas demais questões igualmente importantes.

J&C – Teremos, no mesmo período, duas mulheres na presidência das maiores Cortes do Judiciário brasileiro. No STF essa situação ocorre pela segunda vez, mas no STJ esta é a primeira vez que uma mulher é escolhida para o cargo. Qual é seu ponto de vista sobre isso, principalmente por vivermos um momento em que a sociedade fala muito em “empoderamento” das mulheres?

LV – Nos últimos anos, a participação feminina no Poder Judiciário cresceu bastante. Infelizmente, a situação das Cortes Superiores, nesse particular, não reflete o que vem ocorrendo na Justiça de primeiro grau, onde cada vez mais candidatas são aprovadas nos concursos públicos para ingresso na magistratura e também no Ministério Público, dividindo em números quase paritários os cargos de juízes e de promotores de justiça.

Desde a criação do Superior Tribunal de Justiça, no ano de 1989, serei a primeira mulher a exercer o cargo de Presidente do maior dos Tribunais Superiores do país, uma honra para mim. Como toda mulher de minha geração, vivenciei inúmeras dificuldades. Enfrentei e superei muitos obstáculos para conciliar os estudos e a carreira com as tarefas domésticas e a criação dos meus três filhos, e poder galgar os cargos que ocupei até hoje.

Creio que esse cenário de dificuldades e preconceito irá se modificar. No futuro próximo, a posse de uma mulher em um cargo relevante de direção não será nenhuma novidade ou notícia.

J&C – Falam muito em seu perfil conservador e pacificador. A senhora se vê assim? Caso positivo, qual contribuição essas características deram à sua carreira e como a senhora acha que podem colaborar agora no alto cargo que irá ocupar?

LV – O caráter pacificador e conservador a mim atribuído talvez decorra do meu perfil de julgadora, porque é característica inerente à atividade jurisdicional, que tem como fim precípuo pacificar os conflitos sociais. E essa tarefa só pode ser concretizada com o máximo de cautela, buscando uma certa estabilidade na solução esperada.

O magistrado deve avançar conforme a sociedade avança, é verdade, mas não lhe cabe, a pretexto de progressismo, desestabilizar a ordem jurídica, sob pena de generalizado sentimento de insegurança. Afinal, o Direito trata das regras sociais que, apesar de sofrerem modificações constantes e cada vez mais rápidas, não se submetem ao alvedrio dos julgadores.

Tal posição, obviamente, não impede a busca de maneiras de tornar mais rápida e efetiva a prestação jurisdicional, assegurando aos cidadãos a tutela jurídica que se mostrar mais justa e equilibrada no momento.

Esses valores, afinal, sempre me nortearam durante minha carreira. Não seria diferente agora no exercício da Presidência do Superior Tribunal de Justiça.

Na verdade, é o debate dentro da diversidade de perspectivas que oferece maior probabilidade de se alcançar o ideal de justiça. Cada um dos ministros que integram o STJ, nesse sentido, tem muito com que contribuir. E conto com esse apoio e a sabedoria de meus pares para me auxiliar na administração do Tribunal.